Sabes aquela vontade súbita e inexplicável de largar tudo — o trabalho, a casa, as contas por pagar, as discussões existenciais com o grupo do WhatsApp — e simplesmente bazar? Assim, de livre e muito espontânea vontade, rumo a um destino qualquer no universo que não envolva filas no supermercado ou reuniões que podiam muito bem ter sido um email. Calma, não entres em pânico (isso é mais para mais tarde). Todos já passámos por isso — especialmente as nossas mães, que andam a aturar-nos há décadas.
Infelizmente, ainda não chegou o glorioso dia em que um ser intergaláctico com gosto duvidoso nos vem buscar para uma road trip cósmica a bordo de uma nave com estética de casa de banho pública. E que maravilhas, horrores e snacks espaciais poderíamos descobrir se tal milagre algum dia acontecesse! Mas, se estás a ler esta análise, presumo que também ainda não foste abduzido — ou, se foste, parabéns por teres convencido os teus raptores a deixarem-te manter o telemóvel e o pacote de dados. Enquanto não conseguimos reservar um bilhete só de ida para fora do sistema solar, resta-nos viajar com a imaginação — e poucas viagens são tão deliciosamente absurdas como a que À Boleia Pela Galáxia nos oferece.

Douglas Adams era um tipo com ideias muito à frente! Já deves ter ouvido falar; aliás, costumamos marcar o seu dia de aniversário sempre no nosso calendário nas redes sociais da Squared Potato. Quanto muito, se o nome não te diz nada, pelo menos os famosos Monty Python são capazes de te soar a qualquer coisa, já que cujos sketches o próprio redigiu com o seu humor satírico e altamente irónico. Um traço de comicidade que À Boleia Pela Galáxia verte abundantemente no seu elenco de icónicas personagens. Aqui, o “icónico” tem mesmo o valor de singularidade que se sente ao identificarmos o temperamento e a personalidade de cada membro da mítica tripulação da Coração de Ouro, uma nave que sustenta o motor da infinita improbabilidade, e que portanto torna possível toda a bizarrice imaginável!

Arthur Dent, um humano que não se sente em casa em lugar nenhum, Ford Prefect, um bêbado que se sente em casa em todo o sítio, Zaphid Beeblebrox cujas cabeças deveriam pensar melhor que uma quando se tornou presidente, e Marvin o robô com uma crise existencial onde me revejo cada vez que acumulo mais funções para além do fraco ordenado que recebo em troca. É real, é absurdamente risível, é adorável.
Sabes quando tens uma dor de cabeça que parece que o cérebro vai-te irromper pelo crânio? Nessas alturas, não consigo jogar, não consigo ver nada, nem ler em condições, credo, às vezes até o áudio digitalizado das músicas não me deixa espairecer. Contudo, foi com grande alívio que descobri que o humor único de Douglas Adams pode ser automedicável, com a sua eloquência para nos trazer abordo da aventura mais sem nexo de toda a história da ficção. O que diabos estou eu a ler? Para onde é que rumamos? Não sei, mas não quero que os diálogos acabem!

Uma coisa é certa, por trás do humor, Douglas tece uma intricada rede de sociedades intergalácticas onde vai beber inspiração à patetice humana e à sua infinita pequenez. Com um tom totalmente descontraído, apresenta-nos o caos e o inesperado, e assim tão de repente quanto se tornou a pior coisa do mundo que poderia ter acontecido, passou, e relaxou. É de uma elasticidade humorística que faz cócegas ao nosso cérebro e nos mete a fazer pull-ups.
Efetivamente, já há bastante tempo que queria fazer este exercício mental de conhecer melhor a obra que Douglas nos deixou, e que tanto influenciou o rumo da ficção científica. No entanto, só agora tropeçei na que me pareceu ser a edição perfeita para entrar nesta viagem À Boleia Pela Galáxia. Até a iconografia e o design berrante que te pede por, favor, não entres em pânico, desta edição da Saída de Emergência, falou comigo em alto e bom som.
Tendo a editora repartido a saga original The Hitchhiker’s Guide to the Galaxy em três livros: À Boleia Pela Galáxia, O Restaurante no Fim do Universo e A Vida, o Universo e Yudo o Resto, devo dizer que aquando da minha leitura, devorei imediatamente o primeiro volume e ainda tive de aguardar pela chegada do segundo e terceiro que já tinha encomendado. Algo que me fez questionar o porquê desta abrupta quebra da narrativa em três volumes, quando estes possuem pouco mais de 200 páginas cada, e a estória segue sem quebras entre eles. Uma ligação que faria muito mais sentido manter-se una, num só volume onde na mesma podiam adornar alguns detalhes iconográficos que fazem a arte das capas destes mesmos volumes… mas enfim!

Tentei esticar a experiência ao máximo, pois fica-nos aquele gostinho por querermos ler mais material com o mesmo tom exclusivo do autor. Contudo a leitura é tão suave e rápida, que se não tivermos cuidado fácilmente papamos um dos livros em dois dias. Algo que para mim já supera a minha média, pois estimo andar nas 65 páginas por dia. É, portanto, cativante e quanto mais eloquente o momento, mais difícil será de descolares os dedos destas páginas. Quer sejas um fã de humor, de ficção científica, ou da história da humanidade, esta é uma obra que vai falar contigo em volumes.
