A adaptação em imagem real do clássico de animação da Disney de 1989 chega esta semana às salas de cinema, tanto na versão portuguesa como na versão original legendada, A Pequena Sereia, realizado por Rob Marshall conhecido por musicais como Chicago, Into the Woods mas também Piratas das Caraíbas: Por Estranhas Marés.

Sem dúvida que este é o Live Action da Disney mais controverso até ao momento. O anúncio da atriz Halle Bailey como Ariel gerou várias contestações nas redes sociais, devido a vários fatores. A alteração de algumas canções, adaptadas para serem mais inclusivas face às peças originais também não ajudaram (podem ver mais informações aqui e aqui). Contudo, nesta análise irei incidir apenas no filme como obra cinematográfica dado que, por uma questão de ética e profissionalismo, a minha opinião pessoal sobre estas situações não estará aqui inserida. São assuntos que rodeiam todos os aspetos fora do filme, não fazendo sentido comentá-las.
Junto com Halle Bailey no papel principal, temos Jonah Hauer-King como Eric, Daveed Riggs como Sebastião, Awkwafina como Scuttle, Jacob Tremblay como Flounder, Javier Bardem de Rei Tritão, Melissa McCarthy como a vilã Ursula. As irmãs de Ariel também estão presentes e são compostas por Lorena Andrea (Perla), Simone Ashley (Indira), Kajsa Mohammar (Karina), Nathalie Sorrell (Caspia),Karolina Conchet (Mala) e Sienna King (Tamika).

Em termos de história creio que os fãs mais ferrenhos da Pequena Sereia da Disney vão ficar satisfeitos por seguir a mesma estrutura de acontecimentos do original mesmo que corte uma das canções e mude ali uns pormenores pelo meio. Com uma hora a mais do que o original acabando por tentar acrescentar mais sumo entre Eric e Ariel (principalmente em Eric que aqui tem direito a uma canção sua), não vão encontrar algo que já não tenham visto antes o que também não traz novidade, mas também não vai ser nada mais do que isso. No final do dia, é mais um live action para a lista grande de muitos que já foram lançados que trazem novamente a pergunta: será que a nostalgia é desculpa para tudo?

Em termos de interpretações, Halle Bailey destaca-se principalmente na voz e realmente puxa energia e emoção em algumas das canções já conhecidas como, por exemplo “Part of the World”. A cantora dá tudo de si nas sequências musicais e como a experiência musical já vinha de trás, é fácil perceber a escolha pelo menos neste aspecto. Contudo, a sua prestação no papel é mais fraco, pois apesar de transmitir a ingenuidade e curiosidade que a sua personagem é relembrada, algumas reações sentem-se mais artificiais e notei bastante em interações com coisas que não estão diante dos olhos dela e que fazem mais parte do departamento de efeitos visuais. A sequência musical “Under the Sea” é um exemplo que apesar de não ser na totalidade, nota-se a estranheza e a falta de naturalidade com que interage com as criaturas ou objectos no fundo do mar.

Uma outra situação que quero também salientar é numa cena já com Ariel em terra e a interagir com a civilização e os costumes do reino de Eric. Enquanto que Ariel no original perde a sua voz em consequência ao trato que faz com Ursula fazendo com essa parte do filme tenha que haver o recurso a mímica e à linguagem visual da personagem, aqui sabemos os pensamentos de Ariel através de uma canção nova cantada pela mesma em off mesmo que a personagem não esteja realmente a cantar.
Uma decisão um tanto preguiçosa pois não desafia o espectador a tentar entender a personagem que no original fazia através do seu olhar, expressão facial e movimentos. Consigo perceber que tendo em conta o contexto da história nesse ponto quisessem aproveitar mais da actriz mas é um bom exemplo que se perde de “Show, don’t tell” uma das técnicas mais essenciais quando escrevemos uma história e as suas personagens e que a versão de 1989 tratou de forma profissional.

Ainda em termos de elenco, Melissa McCarthy como Ursula está fantástica e para mim é certamente dos pontos mais altos desta versão conseguindo transmitir muito da personalidade vilanesca da personagem e notasse que a atriz divertiu-se muito no papel incluindo a sua sequência musical “Poor Unfortunate Souls” que igualmente está ao nível da sua prestação (são o melhor do filme para mim).
Infelizmente Sebastião e Flounder é um outro caso.
Converter Flounder numa versão mais realista traz o mesmo problema de O Rei Leão (2019) à tona que acaba por tirar muito da expressividade que o personagem carismático tinha antes o que acaba por tornar-se banal e desinteressante e dei por mim muitas vezes a esquecer-me do personagem na exibição visto que acaba por nem ter grande presença (talvez isto foi a Disney a estar ciente das piadas e memes à volta disso) acabando por focar-se mais em Sebastião e Scuttle.
Sebastião acaba por ter o mesmo problema que Flounder em certa medida, mas resulta num “Nightmare Fuel” aos nossos olhos, ou o espectador aceita que é aquilo e vai abordo na ideia ou então esqueçam que vai sempre fazer impressão durante as quase duas horas e meia. Novamente aqui vemos que nem tudo tem que virar live action, pois há pormenores e técnicas que funcionam melhor em formato de animação e acabam por perder-se pelo caminho numa versão realista, mas maioritariamente inferior.

No departamento de efeitos visuais, a Pequena Sereia funciona melhor nos ambientes mais escuros como o esconderijo dela, o próprio covil de Ursula e alguns outros cenários que não envolvem muita iluminação fazendo com que sejam cenas mais naturais já que é um conto da Disney que envolve muitas sequências de efeitos especiais debaixo de água. Numa altura que filmes como Aquaman ou mais recentemente Avatar: O Caminho da Água exigiam imensas cenas aquáticas e os resultados foram muito satisfatórios ou hiper realistas, muitas das cenas em A Pequena Sereia em luz natural notasse muito o green screen de fundo e a falta de naturalidade entre cenário e atriz enquadrados. Um exemplo óptimo disso é toda a sequência de “Under the Sea” que tem tons aberrantes nas cores que torna muitos dos elementos à volta demasiado falsos.
Em suma, a adaptação de Rob Marshall é um trabalho mediano dentro deste “género” que a Disney continua avante e acaba por seguir a história original (Disney, não Hans Christian Andersen atenção) quase na sua totalidade fora algumas decisões criativas.