Consoante os avanços tecnológicos, a humanidade consome cada vez mais recursos, sendo que muitos destes são limitados, gerando assim vários alertas relativamente à escassez e sobre-exploração do nosso planeta. Esta mensagem é passada várias vezes em noticiários e em artigos escritos, mas muito pouco abordada (de forma mainstream) no contexto audiovisual, sejam filmes ou videojogos. Claro que são lançados dezenas de documentários, mas muito poucos chegam sequer a atingir os olhos da gen pop.
Apoiando a maré de aculturação, as curiosas e exploradoras mentes da Piccolo Studio em Barcelona trazem-nos After Us, um plaformer que alia a liberdade de movimento à consciencialização de que esta liberdade pode muito bem ser limitada consoante a evolução da nossa espécie.
História
Assumimos o papel de Gaia, do grego Gaîa, é baseada na figura mitológica grega que personifica o planeta Terra. Aqui somos um simples espírito cuja demanda é explorar um mundo pós-humanos marcado pelos maus-tratos que sofreu face à sobreutilização de recursos naturais, deixando-nos apenas com vistas desoladas e ambientes tóxicos.
À medida que percorremos o mundo, podemos (e devemos) despertar os espíritos de vários animais, de forma a transportá-los para a The Ark, onde alcançam uma segunda oportunidade de vida. After Us adota uma versão mais catastrófica de problemas como as mudanças climáticas do que os congéneres, assumindo já uma postura de recuperação, o que torna a viagem mais “pesada”.
A narrativa apresenta-se simples e assim se mantém, não necessitando sequer de explicar como ou porquê, embora fosse interessante (embora mais difícil) vermos as duas faces da moeda, apelando também à esperança.
Jogabilidade
Uma das principais mecânicas é em certa parte a outra face da moeda a que me refiro. Gaia tem como poder a burst of life, uma revitalização da área envolvente. Esta acaba por ser a principal interação que temos com o ambiente, para além das tradicionais mecânicas dos platformers. Vindo de jogos como Solar Ash ou até mesmo Wavetale, a movimentação não se sente tão precisa, estando acompanhada de certos planos de câmara que tornam o platforming mais difícil do que devia ser.
Não obstante, encontramos vários puzzles que não só se enquadram com o panorama geral, como servem um bom desafio à mente. Muitas vezes estes puzzles surgem como simples barreiras ao platforming, obrigando-nos a utilizar os poderes de Gaia para mantermos uma transversalidade fluida, resultando num espectáculo visual.
Ao longo do caminho encontramos inimigos chamados Devourours, que acabam por intervalar o platforming, criando um efeito de disrupção que não assenta bem no jogo. Não defendo a exclusão dos inimigos, mas talvez um game over imediato por detecção fosse mais simples do que sermos descobertos, fugirmos e termos de spammar um botão para nos livrarmos do grapple, sendo super fácil livrarmo-nos deles.
Mundo
Acima referi a Ark, um hub para onde recuperamos os animais. Tendo After Us um profundo sentimento mórbido, encontramos um contraste incrível entre os locais por onde viajamos e a Ark, um ambiente repleto de vida que serve como pilar de esperança para uma reconstrução digna, servindo também para lavarmos os olhos do cruel destino que o planeta sofreu.
Gostei bastante da sensação de escala com que nos deparamos em cada zona. Principalmente na forma em como a Piccolo aproveita para brincar com o redimensionamento da escala, equiparando Gaia a certos objetos que julgamos serem de um tamanho específico, apenas para percebermos que se encontram bastante reduzidos e somos outra vez uma formiga. Esta escala não só nos mete em cheque face aos perigos do mundo, como nos ajuda a criar uma percepção de desafio antes de começarmos aos saltos.
Não temam colecionadores, pois temos dois tipos diferentes de colecionáveis prontos a serem apanhados ao longo da viagem. Temos os já referidos animais, que populam a Ark, e as memórias humanas, que nos ajudam a pintar um retrato do passado.
Audiovisual
After Us tem como objetivo chocar o jogador, e creio que é alcançado com sucesso.
No espectro visual encontramos paisagens desoladas acompanhadas de uma sensação mórbida e solitária, refrescando ocasionalmente as vistas na Ark. Mesmo com a Ark, a palette é predominantemente fria, tendo uns pingos de tinta viva para salientar a possível vida que possa surgir.
O contexto sonoro também desempenha bem o seu papel chocante, alimentando os ouvidos com tons eletrónicos e distópicos, proliferando a desolação que os olhos já encontraram. A banda sonora é composta por Daniel Elms e devo dizer que já adicionei alguns temas à minha playlist de leitura.
Agradecemos à Private Division pela chave gentilmente cedida.