Por vezes vão aparecendo alguns trabalhos relacionados com videojogos dignos de autênticos milagres, de profunda dedicação e superação. Jogos produzidos por pessoas multifacetadas, autodidatas, com vontade de mudar o mundo, de criarem com as suas próprias mãos o que não tem aparecido no mercado – quase como suprimindo as suas próprias necessidades. Na última década houve vários exemplos de sucesso, que acabaram por ganhar a luz do dia depois de vários anos de produção. E essa tendência veio para ficar. Com ferramentas cada mais aprimoradas, e com a inteligência artificial à espreita, parece que o futuro será bem risonho para os criadores que gostam de se rodear de poucas pessoas ou até mesmo de nenhumas, poupando certamente muito no tempo de criação.

Não foi o caso de Astlibra Revision – título que levou a 16 anos de desenvolvimento e idealizado por uma única pessoa, e que foi reunindo o seu grupo de confiança para dar vida a um projecto de início ao fim, onde se nota que houve muito trabalho braçal e pouco automatismo, tal como os verdadeiros artesãos que se recusam a obedecer às regras da produção massiva e robótica.

Astlibra Revision é um jogo de aventura de ação em 2D, com elementos de RPG e algumas características clássicas de “metroidvania”, em que conduz o jogador a explorar vários pontos do mapa para adquirir novas habilidades e ultrapassar sítios que até então não lhes era permitido. Astlibra Revision reúne vários desses elementos, dando também uma enorme ênfase no combate, personalização de equipamentos e em invocação de monstros. Uma experiência de prato cheio, com muitas componentes e géneros reunidos num só. Com uma história que vai sendo desenvolvida muito lentamente, o jogador irá guiar um jovem protagonista sem nome, que perde uma amiga de infância depois de um ataque inesperado de uma criatura sobrenatural. Após alguns eventos que decorrem num mundo incerto, o jovem é abordado por um corvo falante, que lhe diz ser útil para a sua caminhada em busca de respostas para tudo que está a acontecer.

Astlibra Revision remete-nos por variadíssimas vezes aos clássicos da Nihon Falcom da série Ys, não só na forma como o combate tende a fluir, na forma como o jogador sente o peso da sua arma a bater nos inimigos – sendo altamente recompensadora, como também da maneira como a banda sonora está construída, no alvoroço que provoca ao jogador e o estimula a combater. Os pontos altos são naturalmente nos embates contra os chefes de tamanhos relativamente consideráveis, e com barras de vida ultra-revestidas, onde o jogador tem de meter à prova o que foi aprendendo durante aquele capítulo, porque durante os embates normais, contra inimigos comuns, a maioria não exige grande perícia tactica. Contudo, é muito prazeroso limpar áreas infestadas de monstros e ver os números de dano a pular, assim como as recompensas que vão caindo.

A maioria dos caminhos são percorridos com inúmeros inimigos tornando toda a jornada frenética, dando ao jogador a autoridade total do combate – tudo de forma natural, nunca perdendo o sentido de sobrevivência, tornando-se ponto obrigatório depressa. Ainda assim, a caminhada é cadenciada de forma estranha. Se por um lado dá a sensação de ser amigável para jogadores casuais, introduzindo-lhes mecânicas de salto, de como equipar equipamentos, de como realizar coisas básicas que poderiam ser feitas quase de forma impercetível – OIá, Super Mario Bros. de 1985! –, por outro é pouco acessível na direcção de como prosseguir em determinados pontos do jogo, e pouco intuitivo. No fundo, é o trabalho de level design que vai pecando aqui e ali, e que poderia ter levado alguns ajustes. Todavia, presenciar a coisas destas em 2024 é muito aborrecido.

Visualmente tanto pode surpreender pelo capricho e detalhe dos cenários, como pelos desnivelamentos na direcção de arte. A sensação que transmite é que a determinada altura foi um projecto que se tornou maior do que inicialmente foi pensado, e como tal seria difícil para uma equipa pequena colocar a mesma importância de detalhe durante o jogo inteiro. Ainda assim, tem charme e identidade própria, mas também alguns percalços que poderiam ter sido minimizados com uma campanha mais curta, possivelmente com metade do tempo proposto para o encerramento da história. E por falar em quão longa pode ser a campanha, Astlibra Revision pode chegar às mais de três dezenas de horas.

CONCLUSÃO
Um trabalho braçal
6
astlibra-revision-analiseAstlibra Revision é revestido de boas ideias de clássicos de RPGs de ação em 2D, onde espreita também algumas mecânicas interessantes dos mais icónicos metroidvania que marcaram a indústria dos videojogos nas últimas décadas. O resultado é despretensioso, pecando em algumas ideias base de level design na construção dos cenários e progressão da narrativa, mas que acaba por compensar no combate divertidíssimo, na combinação de habilidades, na construção da composição da personagem. A história é um pouco turbulenta, profunda para o género em questão, mas não é ruim, contudo podia ser doseada de outra forma e ser menos intrincada. Astlibra Revision vale a pena ser descoberto pelos amantes do género, como uma alternativa na ausência de novos lançamentos.