Quando adquiri a Playstation 5, a minha primeira experiência na plataforma (assim como muitos) foi com Astro’s Playroom, um pequeno, mas grande jogo, que demonstrou com clareza o potencial da consola e das funcionalidades do seu novo comando, o Dualsense.
O sucesso foi imenso, e deixou tantos jogadores com água na boca, que a continuação seria inevitável. Agora, Astro Bot — a mais recente mascote da Playstation — chegou do jeito brilhante que nos habituou, numa jornada muitas vezes quase transformada num sonho lúcido, tal é a magia e o amor entregue pela Team Asobi neste projecto.
Astro Bot é voltar a romantizar os videojogos. Este título é a prova que o software prevalece sobre o hardware, e que a criatividade é muito mais importante que qualquer capital. Nesta indústria, por muito que se possa tentar negar com números, são as ideias o combustível que impulsiona o progresso, e como consequência, o sucesso acaba por chegar, naturalmente.
Trazendo as ideias-base do seu antecessor, este é um jogo que continua a transbordar a universo Playstation. Desde os seus personagens clássicos, às experiências e tentativas falhadas, cada canto é uma homenagem à história da Playstation, e a Team Asobi faz questão de brincar e documentar todos esses momentos marcantes de uma variadas formas, com momentos únicos, épicos, numa estética vibrante e colorida.
Narrativamente falando, o jogo inicia-se quando a nave-mãe (PS5) é destruída, e o roubo dos seus componentes é consumado por pelo vilão alienígena já conhecido da “casa”. A tripulação constituída por todos os bots — alguns já conhecidos e outros nem tanto — é espalhada por diversas galáxias, e cabe ao nosso carismático Astro percorrer os mais de 80 níveis de forma a recuperar as peças da nave, e os companheiros de viagem.
Se jogaste o primeiro Playroom, saberás que o modelo é um sandbox, e que existe um hub. Em Astro Bot também. A diferença, é que este espaço é a céu aberto, mais especificamente num deserto, e é amplamente diverso e muito vasto. Será neste hub, tal como no primeiro jogo, que verás todos os teus frutos serem resultado da curiosidade da exploração durante os níveis, colhidos. São mais de 300 bots para colecionar, e aproximadamente metade deles são ícones Playstation. Pela primeira vez, deixa-me-te dizer que me custa imenso não te spoilar, porque gostaria de mencionar alguns que marcaram o meu crescimento enquanto jogador, e a minha surpresa ao dar de caras com eles, foi das experiências mais gratificantes que tive recentemente num videojogo.
A Team Asobi acertou em tudo. Nos timings perfeitos, na situação em que os bots se encontram quando são encontrados, e até no posicionamento difícil em que muitas vezes se encontram. Depois de os encontrares, poderás interagir com eles, especialmente depois de comprares o seu acessório complementar nas claw machines. Basta uma pequena interação sempre na base da leve violência, para veres todos os gestos e movimentos característicos de cada um destes personagens que ajudou a moldar o universo Playstation, e fez este ser talvez o hub mais espetacular da indústria.
Este hub além da claw machine, tem também grandes novidades, como caminhos novos que apenas se abrem conforme a quantidade de bots que irás colecionando, ou um modo safari para treinares os teus dotes fotográficos com cenários lindíssimos. Tem também um roupeiro que te deixa transformar em algumas das personagens mais icónicas que vai desde a primeira Playstation à geração actual, e a loja Dual Speeder, que é essencialmente um local de pintura da nave onde o nosso protagonista se locomove (comando Dualsense), e cá para nós que ninguem nos ouve mas lê, muitas ideias poderiam ser retiradas dessas personalizações e passadas para o mundo real. Sony?
Deixei o Dual Speeder para último no parágrafo acima, porque é nele que embarcamos para deixar o hub e partir rumo às galáxias desconhecidas de Astro Bot, e é aqui que a magia começa. Será em cada um dos planetas que nos faz perceber que este título é simplesmente mágico. A cada nível, cada momento, há algo novo que nos surpreende, de início ao fim da jornada. Logo na primeira hora em que peguei no Dualsense, fiquei completamente incrédulo com o nível de criatividade que a Team Asobi conseguiu executar aqui, e o sentimento só foi progredindo.
Como platformer 3D, este título tem tudo o que se pode desejar, chegando ao nível dos majestosos Super Mario Galaxy, ou Super Mario Odyssey ainda que numa escala de longevidade um pouco inferior. A estrutura é muito parecida com esses dois títulos mencionados, executado com imensas semelhanças. A jogabilidade é simples de aprender, intuitiva e fácil, e desafiante para quem procura completar tudo. Existem diversas faunas maravilhosas que se complementam com a experiência do Dualsense, desde selvas detalhadas e cheias de natureza a florescer, a praias extremamente coloridas e vibrantes, ou cenários gelados escorregadios que te obrigam a apelares à concentração. O comando da Playstation 5 volta a estar em grande, trazendo a imersão completa com o feedback háptico mais afinado que nunca, sentindo ao detalhe as texturas das diferentes superfícies como relva, areia, metal, água, entre outras.
São cerca de 14 horas de pura emoção, e jamais enquanto jogava, senti aquela sensação de fadiga que cada vez mais aparece num videojogo. Foi como se entrasse num novo mundo e esquecesse de todos os problemas cá fora. Magia de início ao fim, isto porque Astro Bot assim impulsiona; cada nível é diferente do anterior, com novas funcionalidades, mecânicas, cenários e surpresas. No final do progresso de cada galáxia está a cereja no topo do bolo, com níveis temáticos a algumas das melhores sagas do universo Playstation, e tudo se desenrola como se de uma aula de filosofia do melhor professor de jogos de plataformas se tratasse.
Cada planeta conta com cerca de 5 a 6 bots para resgatares de forma opcional, e também peças de puzzle, colectáveis fundamentais para desbloquear novas funcionalidades do hub. Também existem caminhos extremamente bem escondidos que descobrirão portais de uma nova galáxia com os seus respectivos planetas.
Na maioria das vezes, para obter estes “extras”, será necessário utilizar algumas das mecânicas de Astro Bot, algumas já conhecidas, e outras habilidades completamente inéditas, como o Barkster, um filhote de buldogue que te impulsionará com investidas poderosas sobre os inimigos e progredir sobre metal e vidro, ou as luvas twin-frog que permitem desferir socos de longo alcance e a capacidade de balançar em postes e até derrubar inimigos. Em vários níveis vais poder usar poderes que deixam tudo em câmara lenta, ou encolher o personagem e brincar com a perspectiva, gravidade, e todos os elementos e mais alguns. Isto é tudo o que te posso dizer sem uma vez mais; entrar no campo de spoilers, porque se existe experiência que não merece ser estragada, é neste título.
As lutas com os chefes de cada fase são todas absolutamente memoráveis, e é aqui que Astro Bot se consegue elevar dos demais. É tudo de uma criatividade sublime, e a forma como a Team Asobi combinou elementos tão diferentes e únicos para cada um deles, criaram uma experiência tão única e inesquecível.
Visualmente e a nível de desempenho, cumpre todas as expectativas e mais algumas. O jogo corre de uma forma fluída, com resolução 4K e 60 frames por segundo e sem qualquer quebra de desempenho sentida, e prioriza sempre desempenho acima de tudo, uma ideia já há muito tempo defendida pelo director do estúdio, Nicholas Doucet. Esta panóplia de planetas tem cenários memoráveis, com uma enorme discrepância entre eles, mas todos extremamente bem desenhados e cheios de elementos vibrantes.
Um ou dois parágrafos tinham que ficar reservados para a excelente banda sonora que compõe a obra, e que para mim; dá o remate final na experiência com todo o seu esplendor. A responsabilidade continua entregue a Kenneth Young, que cumpre com uma verdadeira jornada musical que acompanha o jogador numa exploração extremamente nostálgica pelo mundo da PlayStation. Com uma rica paleta sonora e uma diversidade de temas para tudo o que é nível, Astro Bot invoca a alegria infantil, a complexidade da tecnologia, a melancolia e a euforia, e mescla-se com os restantes ingredientes desta sopa memorável.
Este compositor demonstra uma maestria ímpar ao criar melodias cativantes que se encaixam perfeitamente em cada cenário, e uma magia muito peculiar ao mexer em faixas já conhecidas dos exclusivos da Sony, algo que poderão contemplar imediatamente após os primeiros segundos de cada nível. Uma boa notícia: faixas como I’m Your GPU, Tite Mites ou Botdi Beach ainda continuam presentes, e com algumas novidades. E com isto, foram mesmo dois parágrafos dedicados ao componente sonoro da obra, e talvez tenha sido pouco.
Astro Bot provou que os platformers continuam aí para as curvas, para todas as idades. Despeço-me desta análise a desejar que títulos como Sly ou Jak and Daxter tenham a dignidade que merecem, e que este hub não vire apenas um cemitério com bonitas memórias de tudo o que a Playstation já foi.
Agradecemos à Playstation Portugal por nos ter cedido esta chave para análise, para a plataforma PS5.