Quem me conhece sabe o quanto adoro a saga Atelier, uma saga que gira em redor da alquimia e a sua história em redor do dia a dia da protagonista (slice of life). Atelier chegou pela primeira vez ao ocidente em 2005 com o jogo Atelier Iris: Eternal Mana (Atelier número 6, tendo os 5 anteriores ficado por terras nipônicas) e, desde então, temos recebido todas as entregas principais, em inglês. Contudo, sempre existiu um vazio e uma grande vontade dos fãs por jogar a algum dos 5 primeiros títulos que nunca cá chegaram.
Ora Atelier Marie Remake é, nada mais e nada menos, que o remake da primeira entrega desta saga. Lançado originalmente na Playstation 1 em 1997 (sim a saga já tem 26 anos), Atelier Marie pretendia oferecer um RPG único e diferente do habitual. O jogo, desde o primeiro segundo, nos diz isso mesmo, isto não é um RPG sobre heróis e salvar o mundo, é um RPG de pessoas “normais” vivendo o seu dia a dia.
Seguimos os passos de Marlone (Marie), uma estudante da famosa Academia de Salburg que, devido às suas péssimas notas, corre o risco de nunca se graduar. Vislumbrando algum tipo de potencial, a sua professora, Ingrid, oferece-lhe uma alternativa, um exame diferente. Em 5 anos terá que gerir um Atelier e, no fim desse prazo, terá que apresentar um objeto, por ela feito, de grande qualidade e/ou utilidade. E assim começa um novo dia a dia para Marie.
História
Esta saga nunca foi conhecida pelas suas grandes histórias nem pela sua escala épica (com exceção de alguns jogos na PS2) mas sim pelos seus personagens e como interagem. Nas últimas entregas tem-se reforçado essa história principal, levando-a por outros caminhos, mais desenvolvida e com alguns elementos épicos. Em Atelier Marie temos a história da saga no seu estado mais puro, uma jovem rapariga a gerir o seu Atelier para passar o exame, contando com amigos e aliados que a ajudarão. Esta aventura gira em torno da nossa Marie e do seu objetivo, sem nos preocuparmos muito com todo o mal que existe no mundo.
Este tipo de história foi um sopro de ar fresco no género e continua a ser do mais original que se pode encontrar. Aqui não encontrarão momentos épicos, grandes cinemáticas, dramatismo constante, etc. Aqui encontrarão o dia a dia da alegre, empenhada e um pouco desastrada, Marie. E isso é perfeito.
Este remake introduziu cenas novas de forma a dar mais contexto e personalidade ás personagens. Contaremos com mais de dez que se poderão juntar à equipa, como Schea, a grande amiga de Marie que, apesar da sua fragilidade, tenta sempre sorrir e puxar por ela, Hallesch o alegre ex-cavaleiro que decidiu perseguir um novo rumo, Schwalbe um ex-ladrão que, após ser derrotado por Marie, se questiona o que fazer com a vida, entre outros. Para minha surpresa, apesar das suas interações não serem muito constantes como noutros jogos, ganhei muito carinho a este diverso elenco.
A boa disposição constante é a senha de identidade de Marie
Relativamente à duração do jogo, aqui é um ponto que desejo refletir um pouco. O jogo original era conhecido por ser relativamente pequeno para o género, dizendo os fãs que se poderia acabar com cerca de 5/6 horas. Neste novo remake ouço muito dizer que dura umas 10 horas. Ora, da minha experiência, digo cerca de 20 horas. Eu gosto de planificar os passos e de tentar aproveitar cada oportunidade, de recolher os objetos por combate em vez de recolha direta, entre outros e, se calhar por isso, no meu caso o relógio acabou por chegar a um número mais elevado. Ainda assim, custa-me dizer que o modo principal possa durar menos de 15 horas, isso só para aqueles que queiram jogar a correr e/ou com uma guia mesmo ao pé.
Jogabilidade
Atelier Marie Remake é um (J)RPG por turnos, contudo não é isso que o caracteriza, mas sim o seu sistema de alquimia, o processo de misturar diferentes objetos para conseguir outro totalmente diferente. Tal como era tradição nos Atelier clássicos (e este título é o que tudo iniciou) temos uma data limite, 5 anos, para conseguir o objetivo da Marie, passar o exame.
Praticar alquimia, sair e voltar a entrar no Atelier, viajar pelas áreas do mapa-mundo, recolher ingredientes e lutar contra monstros, tudo isto consome tempo e terão que o gerir bem, para conseguir cumprir essa meta. Não é complicado, contudo, exige alguma atenção em não gastar dias à-toa, por exemplo, se decidem viajar para alguma área e gastam 12 dias ao fazê-lo, já que ali estão, aproveitem e recolham a maior diversidade e quantidade de ingredientes, uma vez que em algum momento vos farão falta e evitam ter que voltar a fazer a viagem. Também convém ter em atenção a disponibilidade de certos ingredientes por estações. O mesmo se aplica na alquimia, se um objeto leva 1,5 dias a ser feito, o jogo vai arredondar para 2 dias, logo é mais conveniente fazerem 2 desse objeto levando assim 3 dias em vez dos 2 dias apenas para 1. Há muita coisa que terão que ter em conta, mas asseguro que é uma experiência divertida, relaxante e que vos fará sorrir constantemente.
Para quem assim o deseje este remake inclui o Unlimited mode em que não se terão que preocupar com o limite de tempo já que o jogo não acabará no 5.º ano e poderão cumprir com calma os propósitos de Marie. Pessoalmente preferi manter-me com o modo clássico.
Sintetiza até que fiques satisfeito, com ou sem limite de tempo, tu escolhes
Aprofundando mais no sistema central do jogo, a alquimia, cada Atelier (ou melhor cada subsaga deste) aborda este sistema de forma diferente. Aqui estamos perante uma das suas formas mais simplificadas. Não têm que ter em atenção habilidades e sub-habilidades, nem valores elementais, nem certos tipos de puzzles. Apenas necessitam do ingrediente pedido pela receita, que a Marie tenha certo nível e possua certos objetos de apoio para facilitar a probabilidade de sucesso. Ou seja, no caldeirão escolhem a receita e se tiverem os objetos obtêm o resultado imediatamente. Convém, sim, vigiar o nível de fatiga e de MP que influenciam a probabilidade de sucesso.
Para alguém como eu que adora aprofundar nestes sistemas e tentar conseguir todo tipo de objetos com habilidades do mais diverso, este “novo” sistema acaba por decepcionar. Mas novamente, dada a escala do jogo, achei que se complementa na perfeição com os restantes sistemas. O número total de objetos também é muito inferior ao que a saga nos habituou, que para principiantes poderá ser o ideal.
Para poderem fabricar estes objetos necessitam de diversos tipos de materiais. Estes podem ser conseguidos ao comprá-los nas lojas, oferecidos por personagens ou recolhidos em diversas áreas e monstros.
Ao saírem da cidade estamos perante um mapa-mundo onde podemos selecionar onde ir. Esta seleção implica gastar dias na ida e volta à cidade. Ao chegar às diferentes áreas temos a possibilidade de recolher objetos dos pontos de recoleção específicos ou lutar contra monstros que também dão acesso aos mesmos materiais, de forma mais aleatória. Por norma achei preferível lutar contra monstros porque não só obtemos qualquer material que se possa recolher nessa zona (e às vezes em maior quantidade) como obtemos experiência para os personagens, uma possibilidade de ganhar um bónus à velocidade e ainda uma pequena probabilidade de algum objeto específico.
Para fazer frente a estes inimigos, Marie terá que estar acompanhada. O jogo tem muitas personagens que se podem unir. A maioria requer que seja pago um valor para cada saída da cidade. Numa fase inicial do jogo teremos que pensar muito bem onde investir o dinheiro, uma vez que este será muito limitado. Cada um destes companheiros tem um nível de amizade com Marie que aumentará em cada saída e ao cumprir certos objetivos, o que fará desbloquear novas cenas com eles e, inclusive, reduzir o valor pedido em cada viagem.
O sistema de combate por turnos é muito simples e sem grandes estratégias. Tanto os aliados como os inimigos estão situados em lados opostos, cada lado dividido em 3 linhas. A da frente aumenta o ataque e a defesa mágica, mas reduz a defesa física e o ataque mágico. A linha do meio não tem efeito e a linha de trás o efeito oposto da linha da frente. Logo a grande estratégia está presente em onde colocar cada personagem. Cada um deles possui um botão de ataque normal, outro para usar objetos, para defender e usar habilidades. Na parte inferior do ecrã de combate temos a barra de turnos que define quando atua cada um, havendo ações que necessitam de mais tempo até que se possa voltar a ser a sua vez.
Outros sistemas que teremos à disposição no jogo são os fairies, pequenos seres que nos darão uma ajuda inestimável ao fazer objetos e recolher materiais (em troca de um ordenado mensal, como é óbvio). Teremos diversas quests que se focam em entregar certos objetos/materiais para, em troca, receber um valor monetário. Esta será a principal fonte de ingressos, sendo necessário perceber como funciona este sistema para depois conseguir concentrar-se nos outros.
Além disso, existem valores como o knowledge e a reputation que servem para desbloquear todo tipo de cenas, receitas e objetivos. Ambos estes valores aumentam ao realizar diversos tipos de ações.
Existem alguns minijogos que, apesar de bem simples, foram uma mega surpresa e sempre entregam um plus à experiência, tal como algumas recompensas (ou penalizações se não tivermos cuidado).
Isto é Atelier clássico, bem clássico
Visuais
Sem dúvida alguma o principal aspeto a realçar neste remake é o novo aspeto visual. O Atelier Marie original era um jogo totalmente em 2D, com sprites sem grandes ambições e com apenas uma mão-cheia de zonas onde poderias movimentar a tua personagem (por norma as pequenas lojas na cidade). Neste remake, o jogo continua sem uma grande ambição, mas tudo foi aprimorado. Temos umas personagens e “mundo” totalmente em 3D, personagens com um estilo chibi do mais adorável que vi em muito tempo, cheios de detalhes e com alguma expressividade. Agora as zonas que, previamente, eram representadas por uma imagem estática ganharam um mapa que, ainda que pequeno, faz ganhar uma grande imersão e destacam-se por estarem bem detalhados e combinarem na perfeição com as personagens e o mood geral do jogo.
Este novo estilo visual acertou em cheio, sentindo-se uma evolução natural do estilo 2D usado no original, muito colorido e com uma performance estável.
Os novos visuais são o principal motor deste remake
Apesar de terem criado algumas cenas em que os diálogos se expressam através dos modelos dos personagens em 3D, a maioria destes diálogos continuam a utilizar imagens/retratos quase estáticos. Esses retratos têm certo movimento labial e um efeito que lhes dá uma sensação de movimento. Preferiria que tivesse havido uma percentagem mais semelhante entre os dois tipos de cenas, mas não posso dizer que seja mal por si, é algo que jogadores mais novos podem não entender, mas quem sempre jogou RPGs clássicos e Atelier no geral, já sabe ao que vem. E o facto de esses retratos serem lindíssimos só ajuda.
A nova arte dá um aspeto mais moderno e “limpo”, que combina perfeitamente com o quão adorável é a saga Atelier. Ainda assim, sinto que a arte original tinha mais personalidade, com uns traços e cores mais fortes. Poderiam ter criado uma opção para incluir ambas as artes.
Som
Atelier traduz-se em excelentes bandas sonoras. Em Marie a qualidade continua alta, não chegando ao top a que a saga já nos habituou ao longo dos anos. Apesar da escala do jogo ser bastante pequena, surpreende a quantidade de melodias que tem à disposição, incluindo algumas que tocam em determinadas estações e outras relacionadas com personagens em específico. Por norma, é uma banda sonora alegre, extravagante e cheia de positividade, havendo também espaço para algumas composições mais melancólicas.
Tal como aconteceu com os gráficos, toda a música sofreu um remix, melhorando a qualidade da composição em si. No geral, achei uma boa lavagem. Um dos temas que prefiro a versão original é o tema do Atelier que considero que no remix perdeu certa potência em algumas notas (apesar de ter ganho conteúdo na sua composição).
Destacar que no menu opções podes escolher se preferes a composição original ou remix da música. Além disso, como tem sido habitual na saga, existe uma opção que permite modificar músicas de determinados momentos (como, por exemplo, a do Atelier) tanto por outras do próprio jogo como de outros Ateliers, estando disponível um DLC gratuito com centenas de músicas da maioria destes jogos. Algo que devia ser mais adotado por outras companhias.
Chegamos ao ponto negativo nos jogos da Koei Tecmo, que para mim já é tradição. O jogo apenas possui vozes em japonês, continuando, novamente, a deixar de lado as vozes em inglês que tanto me fizeram apaixonar pela saga. O que realmente não entendo é que apesar de o jogo não ter muitos diálogos, existem certas cenas, que acredito serem aquelas novas introduzidas neste remake, que não possuem qualquer voice acting. Num jogo de dimensão pequena como este, considero estes detalhes algo a ter em conta já que, se decidem cobrar 50€ por ele, não têm desculpa para não dobrar todos esses diálogos extras.
Um bom ponto de entrada?
Esta é uma questão que tenho a certeza que muitos principiantes se irão perguntar: “Será este jogo um bom ponto de entrada?”. A minha resposta é: “depende”.
Vocês têm ouvido falar muito da saga Atelier nos últimos anos e querem saber do que se trata? Então não, não se iniciem com esta entrega. Apesar de ser um jogo bem-bom, possui um loop jogável exigente e um pouco repetitivo que acredito ser extremamente divisório entre os jogadores, logo não vos quero desencorajar e que percam depois a vontade de experimentar esta grande saga. Recomendando-vos para isso qualquer um dos jogos lançados nos últimos anos como os Ryza (subsaga Secret), o Sophie 2, o Lulua, etc, todos disponíveis na PS4, Switch e PC.
Por outro lado, se vocês quiserem experimentar um RPG com um sistema jogável diferente do habitual e souberem que as entregas recentes já não seguem este ritmo de jogabilidade, então sim, pode ser um início engraçado, tendo também o modo sem limite de tempo, para não vos stressar e poderem aprender e desfrutar pouco a pouco.
Começar pelos grandes nomes da saga ou pelo inicial? É uma questão de saber o que esperas ao jogar
Conclusão
Atelier Marie Remake é uma nova oportunidade para esta saga tão especial, com um jogo que nunca saiu no Ocidente, sendo este o que tudo iniciou. Uns visuais adaptados aos novos tempos, uma banda sonora e arte com personalidade e uma experiência jogável original são os pontos a destacar. Por outro lado, as conveniências, todo tipo de melhorias e conteúdos introduzidas em entregas recentes não estão presentes, pelo que tanto fãs de longa data como iniciantes poderão não conseguir habituar-se com facilidade.
Espero que a Gust continue nesta linha e nos ofereça as restantes entregas principais que nunca saíram no Ocidente porque com o que fizeram aqui, os resultados podem ser ainda mais positivos com jogos que foram melhorando as suas mecânicas com o tempo.
Joguem Atelier, seja este ou outro, valem muito a pena.
O jogo foi analisado na sua versão para a PS5, contando também com versões para a PS4, Switch e PC.