Após o lançamento de BLACKTAIL, a Focus Entertainment voltou em grande com mais um lançamento indie, desta vez da parte da desenvolvedora russa Mundfish, que se estreia assim com o seu primeiro jogo, Atomic Heart. Este é um RPG ambientado numa União Soviética extremamente evoluída, após o desenvolvimento de uma tecnologia que permitiu a automação de robôs em massa. Este jogo que retira uma enorme inspiração de outros jogos, como Bioshock (na sua jogabilidade e design de ambientes) e de Far Cry (no seu mundo-aberto).
Antes de entrar no “sumo” deste jogo, tenho de admitir: acho que nunca senti tão pouca vontade de terminar um jogo que me agarrou imenso nas suas três primeiras horas. Isto pode parecer contraditório, mas enquanto que a introdução de Atomic Heart é umas das melhor planeadas e bem-feitas que já joguei, mostrando todo o poder gráfico e jogável que o jogo possui, as seguintes 15-20 horas são as mais desgastantes que alguma vez passei num videojogo. Isto, devido a um grande fator que para mim arruinou completamente o mesmo: o seu mundo-aberto.
Mas antes de entrar na razão por que acho que este jogo é desapontante, quero falar dos seus (infelizmente poucos) pontos positivos. Um deles é sem dúvida a primeira parte da história. Esta segue a aventura do militar Sergei Nechaev, também apelidado de P-3, por uma União Soviética que, após uma tragédia que tornou as máquinas criadas pelos humanos para os servir contra os seus criadores, aniquilando quase toda a população. Ordenado pelo comandante Sechenov, P-3 terá que investigar o que causou toda aquela situação.
O começo desta aventura, apesar de ser muito inspirado por Bioshock é, no mínimo, sensacional. Somos “atirados” para esta utopia, para uma celebração com um desfile, discursos políticos, a comemorar o quão avançada a União Soviética está comparada ao resto do mundo, devido à criação das máquinas autónomas, que revolucionaram a tecnologia mundial. Estamos lá, a observar aquele desfile magnânimo, onde tudo parece excelente, mas mesmo assim estamos sempre à espera daquele momento, onde a realidade nos dá a típica “chapada de luva branca”, a mostrar que “Espera lá… isto não pode ser assim tão bom!”.
E por mais engraçado que pareça, eu próprio fui bem atingido por essa “chapada”. Estava radiante, a jogar aquela incrível introdução, que demonstrava não só a maravilhosa arte, gráficos, jogabilidade… tudo o que o jogo parecia ter a oferecer, quando me comecei a aperceber de tudo o que estava errado com aquele jogo. Aquelas três horas iniciais, de que já falei, funcionaram como uma showcase, uma demo, diria eu até. Uma showcase de tudo o que havia de maravilhoso com Atomic Heart, algo que ostentava a grandiosidade de um jogo que, para minha decepção, nada de grandioso tinha a mostrar.
Isto porque, após aquele espaço maravilhoso de três horas que, passo a notar, é completamente linear, somos introduzidos ao mundo-aberto, a suposta área onde íamos passar o resto da nossa aventura. E é após logo a primeira missão nesse mundo onde nos começamos a aperceber na sua mediocridade, do mau storytelling, do mau design das missões, do protagonista extremamente irritante que acompanhamos, das personagens super desinteressantes que vamos conhecendo, e principalmente, da enorme quebra de imersão que temos naquele momento.
Sabes que há algo de errado num jogo quando, após uma longa introdução a tentar imergir-te (com sucesso) num mundo, logo no momento em que supostamente tens a liberdade de explorar à vontade, essa imersão é imediatamente quebrada. Na introdução somos dados a conhecer a Avó Zina, uma velhota que parece ter mais segredos a esconder do que o próprio governo. Esta é introduzida como a genérica personagem “badass”, que irá sem dúvida impactar os jogadores até ao resto da aventura no mundo de Atomic Heart.
Porém, é no momento em que somos também introduzidos ao mundo-aberto que esta personagem aparentemente “memorável” começa a demonstrar o quão forçosamente foi desenvolvida, de forma a criar alguma tensão e mistério à volta da trama que estamos a investigar. Nos primeiros extensos e tediosos diálogos entre ela e o nosso protagonista, ela praticamente revela que é muito mais do que apenas uma velhota, após mostrar o seu arsenal e equipamento tecnológico que possui. E o nosso protagonista, estranhamente, não mostra qualquer interesse nisso, tudo para fazer a história continuar por mais 20 horas de jogo.
Infelizmente, é assim que a história de Atomic Heart continua. Desnecessariamente previsível até ao final, tudo para estender o tempo de jogo apenas seguindo as missões principais. Isto porque depois aparece o conteúdo opcional. E, oh boy, é aí que este jogo mostra realmente o quão repetitivo consegue ser. Sempre os mesmos enormíssimos puzzles, cadeados para rebentar que usavam sempre o mesmo estúpido minijogo de abertura, e hordas de robôs espalhadas pelo mundo, que são tão divertidas de aniquilar como ver a relva a crescer.
Da primeira vez que um destes puzzles foi apresentado foi na introdução, onde se tinham que reunir quatro mini contentores, para ativar uma máquina. A partir daí fomos levados a quatro salas completamente diferentes (mas todas dentro das mesmas instalações), onde realizando outros puzzles enormes, como fazer uso do platforming de forma a ativar mecanismos que mudavam as linhas férreas de um vagão, por exemplo, se chegava finalmente ao mísero objetivo final. Mas isto foi interessante, nestas quatro primeiras vezes. Todas as outras vezes, aquelas salas diferentes umas das outras foram “adaptadas” durante resto de Atomic Heart.
Além da óbvia repetição de níveis, isto mostra também a enorme disfuncionalidade do mundo-aberto. Algo que me questionei imediatamente foi: “Como é que é possível haverem quatro salas completamente diferentes num único sítio?”. Porém, a partir daí, fica cada vez pior. A primeira área do mundo-aberto é uma floresta, com poucas casas (uma delas da Avó Zina), que foi completamente dominada pelos robôs. Porém passo a notar que, nesta área completamente rústica, não havia a falta de tecnologia de ponta, com câmaras incrivelmente avançadas e instalações que estavam completamente “out-of-place”.
Porém, Atomic Heart não teve só pontos negativos, e se há duas coisas que tenho que parabenizar são o combate e a direção artística. Apesar deste problema que acabei de referir, a equipa que esteve por trás da arte deste jogo fez um trabalho magnífico, principalmente notável no começo da história, no desfile que ocorre antes do desastre com os robôs. Além disso, o combate com armas de fogo e poderes é incrivelmente satisfatório, e é extremamente sólido mesmo nos momentos em que o próprio jogo não o é. Por outro lado, o combate de armas corpo-a-corpo falha ao não conseguir trazer o poder que estas armas tinham em jogos como Bioshock ou Prey, por exemplo: no momento em que começas a usar a shotgun, já nem sequer pensas em voltar ao machado.
Apesar de esta análise ter sido mais um desabafo do que outra coisa, não consigo deixar de mostrar o meu desagrado com Atomic Heart. O que eu pensava que ia ser uma aventura incrível, com uma história excecional e uma jogabilidade de louvar, acabou por se revelar um dos jogos que mais me desapontou até agora. Porém, não consigo deixar de pensar no que será o futuro da Mundfish, que já provou um bocadinho do que consegue fazer apenas com um jogo até agora, logo estou esperançoso que, um dia, jogue um título desta desenvolvedora em que não seja necessário acabar a análise com este último parágrafo.