Um dos diálogos que mais me marcou em Atypical (entre a primeira e a segunda temporada, já não me recordo de todo) foi entre Sam, Casey e Evan de uma forma muito simples.

Sam sendo um rapaz no espectro do autismo e, com os desafios que isso pode implicar, tanto na pessoa como aos que estão à sua volta, admite que gostava de ser normal. Na qual na época Evan (o namorado da sua irmã Casey) lhe responde: Meu, ninguém é normal.

Atypical sempre foi uma série que falou muito com o público, mesmo o foco sendo sobre um rapaz autista, que a cada temporada quanto mais desafios tinha, mais amadurecimento sentia. No entanto, também tratou de questões à volta, como os familiares e amigos de Sam, que facilmente nos conseguíamos relacionar, o que tornava Atypical também numa espécie de reflexão pessoal e mais próxima de nós.

Ao contrário de algumas séries da plataforma da Netflix, que também abordaram temas como saúde mental, transtornos ou outras questões mais delicadas e que podiam cair no buraco de “demasiada ficção para o que se quer falar”, Atypical sempre se manteve terra a terra nos assuntos não sendo demasiado dramático, nem demasiado cómico mas tudo na dose certa.

Uma série que comecei a acompanhar assim que foi lançada em 2017 com a primeira temporada e que desde então, tornou-se uma daquelas séries que nos ligamos aos personagens, e que não nos deixa indiferente.

Nesta altura penso que o actor Keir Gildchrist dispensa já apresentações na pele de Sam Gardner, para quem acompanhou a série, o que é incrível é como passou muito ao lado, injustamente, de nomeações e prémios anuais para o papel que lhe coube nestes últimos cinco anos. O actor faz um trabalho fenomenal durante toda a série com muitos dos traços do autismo, e que através dos diálogos e das reações ou da própria personalidade convence muito num papel bem desafiante e nada fácil. É importante salientar que nem todas as pessoas neste espectro têm as mesmas reações ou comportamentos, cada um é como é à sua maneira e aqui temos Sam Gardner um rapaz com um fascínio por pinguins.

Esta análise é sem spoilers, contudo pode ter um detalhe ou outro mencionado

Seguindo o final da temporada anterior, a nova temporada mostra-nos Sam e Zahid (Nik Dodani) a partilhar casa enquanto colegas, e como isso aos poucos vai-se tornar um desafio cada vez mais interessante mas também hilariante ao longo de várias peripécias.
O namoro entre Casey (Brigette Lundy-Paine) e Izzie (Fivel Stewart) também tem pano para desenvolvimentos durante a temporada e acabou por me surpreender mais pela positiva que pela negativa. Nunca fui muito fã da introdução de Izzie como um interesse amoroso para a irmã de Sam, não só porque a relação de Casey com Evan (Graham Rogers) era provavelmente dos casais mais incríveis e unidos que já vi ultimamente no mundo das séries, e Evan sempre teve um papel de muito apoio especialmente também no convívio com Sam.

Ainda assim, apesar de compreender o propósito da intimidade entre as duas e ser mais apologista da relação anterior com Evan, a última temporada mostra um amadurecimento em Izzie, que acaba também por culminar numa auto descoberta de Casey, sobre o que a faz feliz na vida e até mesmo a nível académico e profissional. Por momentos tive receio que essa história secundária pudesse sobrepor-se em demasia ao foco de Atypical mas a conclusão de Casey é satisfatória e rende um dos melhores momentos da série e na dinâmica de irmãos que sempre foi muito bem trabalhada pelos atores.

Nesta temporada, Sam também toma uma grande decisão sobre o seu próximo objectivo de vida (não que seja um spoiler de todo o porquê, mas prefiro manter assim para quem ainda não assistiu) o que me deixou muito orgulhoso do personagem! Considerando sofrer de autismo, Sam a cada temporada foi se desafiando cada vez mais e até ao final da série foi sempre caminhando em frente até culminar em algo que efetivamente ele não seria capaz, quando o conhecemos no início em 2017. Assim tal como a ida para a faculdade foi repleta de desafios e obstáculos, o que demonstrou um grande desenvolvimento e coragem do personagem, aqui é como a próxima etapa e, mais uma vez, levando a série sempre em frente.

Gostei também particularmente de ser abordado por um dos lados maternais de Elsa (mãe de Sam e Casey interpretada por Jennifer Jason Leigh) que é ter de lidar com os seus filhos começarem a percorrer caminhos distintos e saírem de casa. Principalmente com a decisão de Sam que mencionei atrás, que faz com que a temporada também trabalhe a frustração de Sam sentir-se subestimado das suas capacidades e autonomia pelas dúvidas e medos constantes da mãe.

É um tema que com transtornos ou não, é interessante ser explorado, pois é muito comum nas relações de pais e filhos, a exigência e a dúvida dos pais sobre se os filhos são capazes de enfrentar os seus limites e serem bons sem ajuda de ninguém. E aqui Casey sempre foi aquela irmã que não deixava o seu irmão duvidar de si mesmo, puxando sempre por ele, algo que se mantem nestes últimos episódios.

Há também novos desenvolvimentos em redor de Doug (Michael Rapaport) e a sua maneira de ser, mas que prefiro deixar o mais vago possível nesta análise, para não estragar a experiência, mas posso pelo menos dizer que fiquei agradado e feliz com o que fizeram com ele no final de tudo.

O final de Atypical pode deixar alguns fãs a querer mais, sobretudo pela forma em que  termina, mas honestamente acredito que acabou num ponto central e, especialmente, a última cena culmina num ambiente que é bem característico para Sam. No fundo é uma espécie de fechar de ciclo nos olhos dele, o que nos dá uma sensação de preenchimento de que valeu a pena a jornada que se acompanhou.

A qualidade tem de estar sempre acima de quantidade e mesmo sendo uma conclusão com pano para desenvolvimento no futuro (que não acho necessário até) não deixa de ter todo um tom de despedida no último episódio. Atypical sempre abordou temas de uma maneira  realista mostrando como certas coisas na vida realmente são, e nós nem sempre sabemos como as coisas vão correr com as outras pessoas ao nosso redor.


Tendo em conta que já desde o ano passado a Netflix tinha anunciado que esta ia ser a última temporada e não num sentido de cancelamento, acho que a inclusão de mais um ou dois episódios pelo meio seria benéfico porque alguns pontos iniciados ficaram sem grande desenvolvimento (apesar de não serem imprescindíveis). A doença da mãe de Elsa ou até mesmo algumas interações entre Casey e uma colega de Sam possibilitando uma nova amizade, ou mesmo a relação de Izzie com a mãe (que ficou meio superficial) acabaram por ficar à deriva.

Outro ponto negativo que, infelizmente, me deixou insatisfeito foi a quase presença nula de Evan, (apesar de continuar a trabalhar com o pai de Casey) pois não houve um caminho de traçado nem um propósito após a separação. Um personagem tão admirável nas temporadas anteriores que merecia um tratamento bem melhor para finalizar, e acaba por só encher o elenco, uma pena mesmo o que fizeram com ele.

Relativamente a Paige (Jenna Boyd), achei que o desinteresse de Sam ao longo da temporada pelas coisas que ela fazia ou dizia foram em demasia e parecia que isso não tinha uma evolução tendo em conta ser os episódios finais.

No entanto o último episódio compensa totalmente essa situação ao entregar-nos talvez o momento mais adulto entre os dois personagens e, também num tom de despedida, confesso até que foi a despedida mais emotiva da série e que vai mexer com os fãs. Para mim em Atypical e claro sempre construído propositadamente, há sempre momentos chave de Sam que me deixavam orgulhoso e o diálogo com Paige nessa cena sem dúvida vai para os melhores.

Todas as temporadas de Atypical estão disponíveis no catálogo português da Netflix.

CONCLUSÃO
Uma das melhores séries do catálogo da Netflix e novamente um retrato com respeito ao autismo com um humor natural.
8.5
Ricardo Salavisa Simões
Cinéfilo, gamer, cosplayer e ainda adorador de praia, piscina e tudo o que envolva água, e cenas aquáticas ao mesmo tempo que é um louco por Studios Ghibli desde gaiato. Pretende um dia voltar a pegar numa prancha de Bodyboard e recordar outros tempos de preferência sem tubarões do Spielberg pelo mar.
atypical-temporada-4-analiseA quarta e última temporada de Atypical encerra com satisfação a jornada de Sam naquela que para mim é uma das melhores séries do catálogo da  Netflix e das mais subestimadas  que merecia muito mais atenção. Apesar de alguns pontos que mereciam também destaque, a temporada é tão sólida quanto as anteriores e leva novamente Sam a amadurecimento constante assim como família e amigos seguem novas direções e autodescobertas pessoais ao longo da temporada que podia ser qualquer um de nós. Uma série que vai deixar muita saudade de acompanhar estes personagens e que definitivamente sempre foi e sempre será uma série ideal para ver nos nossos piores dias ou no final de um dia mau no nosso dia a dia. Atypical ao longo das quatro temporadas, dá-nos esperança que as coisas na vida podem sempre ser melhores e que vale a pena lutar por elas.