Há pouco mais que possa ser dito sobre Baldur’s Gate 3, fenómeno que assolou o mês de Agosto de 2023 (7 de Dezembro nas Xbox Series) e arrecadou seis prémios só nos The Game Awards desse ano. Com mais de 100 críticas profissionais agregadas pelo Metacritic, outras tantas no OpenCritic e até Jogo do Ano na Steam, grande maioria positiva e com excelentes e apaixonantes argumentos a favor, fica difícil escrever sobre este divertidíssimo e libertador CRPG.
Aliás, como seria expectável, parte da praça de videojogos Portuguesa de Portugal também já refletiu sobre Baldur’s Gate 3, embora sem o ímpeto e força de outros igualmente grandes títulos. Até ao momento, se não estou equivocado, contamos com Nuno Mendes pelo MeusJogos, André Pereira pelo Echoboomer, Pedro Pestana pelo IGN Portugal, Rui Gonçalves pelo Salão de Jogos e Tiago Roque pelo Combocaster. Em breve, embora orgulhosamente proclame isto com algum nervosismo, Ulisses Domingues pela Squared-Potato.
Dito isso, Baldur ‘s Gate 3 é o videojogo que mais aproxima o jogador de uma liberdade semelhante à de uma sessão de TTRPG (Tabletop Role-Playing Game) que alguma vez tive a fortuna de jogar ao longo de 25 anos. Como alguém que já mergulhou na prazerosa sensação de atrapalhar umas quantas campanhas de Dungeons & Dragons e Pathfinder, ensaios criativos cuja imaginação está à mercê de um Dungeon Master (DM), este megalodonte belga, mais doce que o famoso puro chocolate, triunfa sobre todas as outras tentativas de replicar esse mesmo sentimento.
Coisas como carregar corpos inanimados no inventário para depois reanimá-los em combate, empurrar personagens de uma falésia ou, até, transformar a nossa personagem num Owlbear, ativar o feitiço Enlarge e utilizar Crushing Flight (habilidade que escala com as regras básicas da física) para infligir dor monstruosa seja no que for, são ações possíveis de magicar, ilustrando muito bem quão bem pensada está a estrutura e jogabilidade de Baldur’s Gate 3 em proporcionar um verdadeiro sentimento de liberdade, convidando experimentação em torno das regras impostas pelo videojogo.
Pura consequência (positiva) de seguir um jogo de tabuleiro como Dungeons & Dragons (neste caso a 5ª Edição) encontra-se a aleatoriedade divertida do icónico D20. Como Baldur’s Gate 3 abastece o seu coração de uma sessão TTRPG constante, cada momento com a capacidade de falhar, como um diálogo importante para convencer alguém, ou alguma atividade física, suscita um lançamento do D20 e é isto que o torna tão recreativo; uma imprevisibilidade que obriga o jogador a preparar-se constantemente para o pior, como uma boa lei de Murphy assim o exige.
No entanto, em contraste, mesmo com a maioria de Baldur’s Gate 3 a trabalhar em segundo plano, seguir o esquema de um jogo de tabuleiro revela umas primeiras e assoberbantes horas de aventura, com várias mecânicas e sistemas a aterrarem aos nossos pés, sem possibilidade de passar à frente em detrimento da experiência. Afinal de contas, ingressar numa sessão de TTRPG com um grupo de pessoas, onde a liberdade criativa está à mercê da nossa imaginação difere muito, claramente, de um videojogo com toda uma panóplia variada de elementos e características a ter em mente, dividida por quatro personagens jogáveis ao mesmo tempo.
Destaco, em concordância com Dungeons & Dragons, a robusta e complexa criação de personagem. Aqui a Larian presenteia três hipóteses: escolher uma personagem Origin, a personagem The Dark Urge ou criar uma totalmente nova. As Origin são modelos pré-fabricados com a sua própria personalidade, podendo a escolhida vir a ser parceira durante a aventura na eventualidade de ser criada uma de raiz. Já a The Dark Urge permite personalizar o aspeto e outros elementos, mas com um enredo secundário pré-fabricado e outras curiosidades. Na minha opinião é a opção ideal para uma segunda volta ao enredo.
Porém, o ponto mais forte de Baldur’s Gate 3, e aquele que sem dúvida carrega a motivação do jogador às costas é o seu enredo e personagens participantes, dividida narrativamente por três atos, não necessitando sequer de conhecimento prévio das outras duas iterações na franquia. Depois de uma introdução atribulada e linear, rapidamente o convite para exploração é estendido com uma tendência constante para intensificar no primeiro ato. É neste onde o maior número de decisões acontece e maior sensação de liberdade criativa é proporcionada.
Contudo, com o desenrolar da narrativa o enredo, por conseguinte, afunila pouco a pouco, com sequências cinemáticas mais contraidas e resultados forçados, criando uma dicotomia com a liberdade do primeiro ato, para não só acomodar as decisões tomadas inicialmente, mas também apresentar o enredo que a Larian preparou. Não obstante este ponto pessoalmente negativo, o final produzido é tão climático e épico quão esperado, com o terceiro ato a ser tremendamente emocionante.
Enriquecendo o enredo estão as personagens principais à trama, cada uma estupidamente bem escrita com várias camadas de personalidade distintas, origens ricas e demandas opcionais muito recompensadoras. Com o passar do tempo fica difícil escolher um favorito, dado que elas reagem dinamicamente às nossas escolhas, seja em combate ou em diálogo, influenciando as relações interpessoais fomentadas ao longo da aventura. Por estas e outras razões é (quase) obrigatório criar uma personagem própria, permitindo que as restantes surjam como parceiros para a nossa equipa.
Algo severamente impressionante, que deixará qualquer um mal habituado deste ponto em frente, segundo um artigo pelo Kotaku, é quase todo o diálogo em Baldur’s Gate 3 ser motion capped. 248 atores emprestaram os seus gestos e movimentos para dinamizar as várias opções de diálogo entre as personagens, e isso transmite imensa vivacidade ao enredo e mundo, ajudando na imersão.
Ainda assim, durante todos os passos dados pelo mundo de Forgotten Realms, fiquei constantemente impressionado com um alto nível de riqueza e detalhe em todos os aspetos possíveis: a diversidade dos cenários, como o mundo responde às escolhas tomadas, a quantidade de personagens secundárias que preenchem o enredo, até à paisagem sonora que preenche os sentidos quando utilizado um bom headset. Sempre que me sentava a jogar, comando na mão, mentalmente preparado para depositar umas boas horas, sentia uma Faerûn viva e pulsante.
Apesar de não ter sido incisivo em discursar sobre o combate encontrado em Baldur’s Gate 3, este personalizável com quatro modos de dificuldade, é mais fácil imaginá-lo como um tabuleiro de jogo eletrónico, utilizando um bando de personagens excêntricas e posicionando-as a jeito para flanquear inimigos, com recurso a ataques físicos, mágicos ou o que a imaginação permitir, seguindo as várias regras de Dungeons & Dragons com os dados a serem elementos dominantes. O seu único senão é a incapacidade de acelerar o ritmo do combate por turnos; com várias personagens em campo a cadência desacelera imenso e tende a aborrecer.
Fora esse percalço, reforço a capacidade imaginativa de cada um pois, frequentemente, o próprio campo de batalha é uma arma, com vários elementos que podem ser dispostos (barris, por exemplo) para proporcionar uma vantagem antes da luta começar. Lembro-me, inclusive, de um momento ainda no início do primeiro ato, onde pilhei uma cripta. Quando, inadvertidamente, abri uma porta, o modo de combate iniciou e vários esqueletos estavam desarmados. Fi-lo sem consciência, mas perceber isto permitiu que o resto da minha aventura fosse muito mais experimental e divertido.
Vamos, no entanto, à lengalenga que interessa aos detentores de uma Xbox Series S. É quase um dado adquirido que, por muito trabalho que seja feito a nível de interface, controlar um videojogo deste calibre com um comando é difícil, apesar de conseguir adaptar passado umas boas horas. O que não ajudou, de todo, foi o inventário ser uma atrocidade de navegar dentro e fora de combate.
Referente às especificidades técnicas, e pelo o que se lê online, a versão Series S entrega uma sólida e constante imagem a 1080p a 30 fotogramas por segundo. No entanto, quando comparei com outras versões, recorrendo a amigos com a cópia do jogo na PlayStation 5 e Xbox Series X, reparei que as sombras eram de uma resolução inferior, assim como o nível de detalhe geral diminui quão maior for a distância. Reparei também que algumas texturas de maior resolução demoravam a entrar em cena, com alguns artefactos visuais trémulos no céu, sombras e folhagem. Já a framerate mantém-se consistente pelo menos até ao terceiro ato onde, dependendo do caos, cai algumas vezes abaixo do valor referido. Atenção que isto são tudo reparos para efeitos de análise, pois quando se está imerso em Faerûn há pouca distração que cause impacto.