Bright Memory é um dos projectos mais peculiares da nossa indústria, e a prova viva do crescimento e velocidade que este mercado tem maturado. Desenvolvido por apenas uma pessoa, Zeng Xiancheng não é nenhum desenvolvedor de formação e academia, é apenas um jovem artista muito apaixonado e com poucos recursos, que quis bater de frente com a indústria AAA na criação de um título vistoso graficamente; área de desenvolvimento onde é mais especialista.
A Squared Potato teve oportunidade de jogar a primeira versão deste título lá em 2020, quando Bright Memory foi colocado em prova, nos tempos em que era apenas um prólogo com cerca de 30 minutos. Uma das batatas mais antigas do nosso assador por quem nutro uma tremenda admiração, Bruno Vieira, fez questão de mencionar as suas qualidades e defeitos num artigo que vale a pena ler para contextualizar o que será dito durante a análise.
Tendo em conta todas as circunstâncias pouco habituais no contexto geral em que este jogo foi produzido, não me sentiria capaz de desrespeitar o talentoso chinês Zeng Xiancheng se tratasse este título como um projecto megaorçamentado, ainda que curiosamente o pareça, tal é a vistosidade logo nas primeiras impressões. Dito isto, estes factores contribuirão ainda mais para o sistema de pontuação final, comparando com projectos mais avantajados do mercado. Espero que gostem.
Uma viagem alucinogénica entre o futuro e a mitologia chinesa
O jogo passa-se em 2036 durante o ano novo chinês. Somos Sheila Tan, uma agente especial colaboradora de uma empresa que estuda e investiga ocorrências sobrenaturais. Na pele da protagonista, somos imediatamente abordados para investigar a causa do surgimento de um buraco negro que se abriu durante as celebrações, e é assim, de forma branda e sem qualquer background inicial que nos faça ligar à personagem, que o jogo começa.

É nesta composição narrativa que o jogo se perde completamente, já que tudo neste mundo é apático e nada te é explicado nesta pequena experiência de cerca de 1 hora e meia. Essencialmente, o que precisarás saber, é que não existe narrativa pausada para contextualizar quaisquer situações, tens uns poderes impressionantemente fortes, e que tudo o resto é saído de uma daquelas trips de cogumelos alucinogénios tão bizarras em que surge guerreiros ancestrais, criaturas mitológicas e javalis pelo meio, literalmente.
Nos dias actuais, um bom projecto single-player que se quer consolidar, tem que contar com um pano de fundo narrativo que te motive, mesmo que não seja o factor substancial que garante o “sumo da uva” da experiência. Consigo exemplificar isto em jogos como Crysis, Shadow Warrior, e os grandiosos Doom, onde a jogabilidade é muito mais importante que tudo, mas que ainda assim nos conseguem de alguma forma, entregar uma motivação descritiva da personagem, seja pela curiosidade dos Nano Suit de Crysis, pela descontração cómica e humor negro de Shadow Warrior ou pela vertente quase que religiosa e até racial de Doom. Em Bright Memory, não existe segundo plano narrativo, simplesmente não existe motivação para tal, e fico agradecido pela pouca longevidade da jornada; caso fosse este o padrão progressivo da escrita.
Tiros, cortes e explosões no Hollywood do Oriente
Há duas coisas garantidas na vida: uma é a morte, a outra é que te vais sentar a jogar Bright Memory Infinite e só pousas o comando quando o terminares. A duração do jogo ajuda, mas a jogabilidade é tão viciante que não consigo visualizar outra solução.
A personagem principal é profundamente atlética apta a correr pelas paredes e atarraxar (sabe deus como) um gancho à asa de um avião. É uma personagem equipada com um arsenal de armas que será desbloqueado gradualmente, e cada uma desse arsenal tem dois modos de disparo: o convencional de acordo com cada tipo (assault rifle; shotgun, sniper, pistola), e um modo especial que conta com munições envoltas em fogo, explosões, balas teleguiadas, etc. A troca do modo de disparo é sempre muito orgânica e uma arma fica posicionada com uma nova animação, especial para os mais detalhistas.
Além das armas de fogo, Sheila Tan tem uma katana que pode usar como melee e ataques à distância, inclusive deflectir balas atiradas dos inimigos ou usando parry no timing certo para golpes únicos corpo a corpo. Não é que seja inédito em jogos FPS, mas esta combinação de armas proporciona combates fluidos e extremamente rápidos, com possibilidade de enviar inimigos ao ar, carregar cortes pesados e manusear tudi isto numa velocidade extrema. Voltando uma vez mais ao tema central da análise; é impressionante como uma só pessoa consegue fazer algo tão constante sem nunca perder o ritmo sempre característico de Bright Memory.
Zeng Xiancheng (FYQD Studio) quis mostrar um pouquinho de tudo o que era capaz próximo de uma tech-demo, e além do combate frenético; temos a chance de provar também uma secção inteira de stealth. É um sistema extremamente básico mas que funciona. A deteção é feita através de uma barrinha superior que nos indica o quão perto estamos de ser apanhados. O processo é simples: aproximação, e takedown; sem segredos.

E o culminar da experiência da jogabilidade fica na responsabilidade do sistema SRO, um sistema de habilidades de combate que é evoluído após recolher relíquias espalhadas pelo mapa. Estas relíquias são fáceis de detectar e servem para desbloquear novas skills e aprimorar umas quantas outras, quer seja corporais ou capacidade das armas. O meu favorito das duas vezes que o finalizei foi o Rocket Punch, um ataque carregado destrutivo capaz de enviar inimigos directamente para o além.
Com excepção do segmento de stealth em que os inimigos simplesmente patrulham sem muito desafio, a inteligência artificial dos inimigos é extremamente impaciente e ficam constantemente a spawnar ataques. Existem inimigos básicos, e outros com escudo, que naturalmente te obrigará a adoptar algumas estratégias e brincar um pouco com o conceito de combos e troca de armas.
Optimização e visuais dignos de um AAA
É, acima de tudo no aspecto visual deste jogo, que custa acreditar no pouco orçamento de Bright Memory Infinite. Inegavelmente, esta é uma ambientação AAA (jogos com maiores orçamentos e níveis de produção de grande escala) com iluminação de fazer cair o queixo, reflexos detalhados e até ray-tracing.
Os visuais futuristas são envolventes, e gostei especialmente do design das armas, cada um mais singular que o outro, mas é nas paisagens orientais e nos inimigos que o maior detalhe gráfico se encontra. Os chefes de cada fase são magistrais na mescla de detalhe, iluminação e envergadura.

As explosões soltam partículas para tudo o que é canto, o vento é notado a bater levemente pela vegetação, e tudo isto é feito sem qualquer quebra na taxa quadros. A versão de PC é igualmente avassaladora no quesito de performance, usufruindo de algumas das melhores tecnologias do mercado, mostrando a maestria do “pequeno estúdio” a manipular o Unreal Engine 4.
Fiquei um pouco desapontado por não verificar cenários mais vastos e diferenciados, já que todos os assets parecem o mesmo, principalmente nos interiores. Como já mencionei uns parágrafos acima, a cultura oriental está muito presente neste título; e a arquitectura cultural será presenciada constantemente aqui.
Outra pequena nota negativa sobressai apenas no modelo das personagens, principalmente na nossa protagonista. As capturas de movimento foram feitas com um iPhone (sim, leram bem) e de facto nota-se o impacto no resultado final.
Agradecemos à FYQD Studio por nos terem cedido uma chave para análise para a plataforma Playstation 5.