Não é todos os dias que saímos de uma sala de cinema com um sorriso enorme no rosto e com uma sensação cheia de preenchimento, um sentimento que nem sempre se cumpre na totalidade quando esperamos muito um filme, Caça-Fantasmas: O Legado foi toda essa experiência e muito mais este ano.
A saga original de Caça-Fantasmas é mais um pedaço que me é querido desde a infância (juntando-se a outros dos anos 80 que me marcaram até hoje). O primeiro filme de 1984 é um clássico ao mesmo tempo que a canção original de Ray Parker Jr. “Ghostbusters” é daqueles temas icónicos que dispensam apresentações e que ouvia tanta vez em CD.
O meu contacto com Caça-Fantasmas foi muito além dos filmes, e passou ainda pelas séries de animação de Caça Fantasmas dos anos 80 e ainda a continuação Extreme Ghostbusters de 1997 que me recordo bastante bem de ver nas tardes da TVI depois da escola.
Em 2009 a saga teve direito a Ghostbusters: The Videogame lançado para várias plataformas e que trouxe quase todo o elenco dos filmes de volta para o motion capture e as vozes, bem como muitos pedaços da banda sonora do original e ainda com Dan Aykroyd e Harold Ramis a ajudarem no argumento do jogo.
Pelo menos até este ano com o lançamento de Caça-Fantasmas: O Legado, este videojogo foi sempre considerado quase como “um terceiro capitulo oficial” dos filmes originais, porque é mesmo essa a sensação e experiência. Para quem é fã, recomendo vivamente jogar este presente para os fãs que até teve direito a uma versão Remastered para multiplataformas no ano passado.
A última década não foi muito fácil para os Caça-Fantasmas pelo menos até 2014, desde altos e baixos naquilo que seria o desenvolvimento de um terceiro filme (muito antes deste de 2021 ser originado) e com algumas desistências pelo meio como foi o caso de Bill Murray. Em 24 de Fevereiro de 2014 dá-se então a tragédia do falecimento de Harold Ramis, um dos quatro membros da equipa dos Caça-Fantasmas na personagem conhecida como Egon Spengler, o que tornou a situação ainda mais difícil.
Mais tarde, foi lançado em 2016 um Reboot de Caça-Fantasmas com um elenco totalmente novo e uma equipa feminina e sem ligação qualquer aos filmes originais. A receção gerou muita revolta por vários motivos e não foi do agrado de muito do público, e devo confessar também não fui muito apreciador do resultado final (machismos à parte claro).
O novo filme acaba por cumprir três pontos em simultâneo: fazer uma sequela digna das primeiras aventuras que marcaram muitos de nós (velha geração), e contar uma história nova, com personagens novas, para uma nova geração. O passado e o presente interligam-se num projeto que não só tem tremendas homenagens e ligações ao falecido Harold Ramis como é dedicado também ao mesmo e de um forma bem bonita.
Dando ainda mais firmeza e familiaridade a Caça-Fantasmas: O Legado desta vez na cadeira de realizador temos Jason Reitman, o filho de Ivan Reitman (o realizador dos dois clássicos originais que desta vez volta como produtor). Um detalhe curioso, é como o filme ao mesmo tempo é um passar de testemunho (em certo aspeto) tanto à frente como por trás das câmaras acaba por dar essa mesma sensação.
A história decorre cerca de trinta anos depois dos acontecimentos dos filmes originais e apresenta-nos Callie (Carrie Coon) e os seus dois filhos Trevor (Finn Wolfhard, o nosso Mike de Stranger Things, que já usou a farda dos Caça-Fantasmas num dos episódios) e Phoebe (Mckenna Grace) que acabam de se mudar para a quinta do seu falecido familiar Egon Spengler numa pequena cidade. Aqui Phoebe vai descobrir o legado do seu avô e desvendar alguns mistérios que o mesmo deixou para trás que a vão levar a ter que salvar o dia.
Juntamente com o elenco que faz a família Spengler, temos também o divertido Paul Rudd a fazer o personagem Gary Grooberson, o professor de ciências de Phoebe e um fã antigo dos Caça-Fantasmas na época e ainda Lucky Domingo (Celeste O’Connor) e Podcast (Logan Kim), dois jovens que vão integrar a nova equipa juntamente com Phoebe e Trevor.
Dos filmes originais e confirmados desde a pré-produção voltam três dos membros da equipa original dos Caça-Fantasmas: Peter Venkman (Bill Murray), Ray (Dan Aykroyd), Winston (Ernie Hudson) e ainda a secretária Janine (Annie Potts) e Dana Barret (Sigourney Weaver).
Como eu disse atrás, Caça-Fantasmas: O Legado junta dois tipos de gerações o que faz com que o filme possa também ser assistido por aqueles que estejam a ter um primeiro contacto com a saga (apesar de eu aconselhar primeiro o visionamento dos anteriores). Para os fãs não faltam dezenas de elementos nostálgicos da saga durante o filme todo, seja apenas para referências e easter eggs, seja até para dar uso na progressão da história.
Acaba por ser um filme com uma menor escala em comparação com os seus antecessores, apesar da ameaça eminente, mas durante o desenrolar do mesmo apercebi-me que é efetivamente esse o ponto forte e principal. É sobretudo um filme sobre família e vai para várias direções, seja nas novas personagens que compõem a maior parte do filme, seja essencialmente no que a história quer contar à volta de Egon Spengler, pois o personagem do falecido Harold Ramis não deixa de estar “presente” duma maneira ou doutra.
Jogando até bastante pelo seguro em elementos característicos do filme de 1984, o que para uns pode ser positivo e para outros não, acaba por ser um fechar de ciclo já que o filme explora um pouco mais sobre o que está à volta de Ivo Shandor (o líder do culto de Gozer mencionado anteriormente) e alguns cenários que fazem parte dessa história desde os acontecimentos em Nova Iorque há 30 anos atrás.
Considerando o quão difícil foi chegarmos a um terceiro filme tirado do papel, a dose equilibrada de história, personagens novos e carismáticos com muito fanservice e nostalgia à mistura, Caça-Fantasmas: O Legado acaba por entregar o melhor de dois mundos. Acaba por ser uma “nostalgia” merecida por o filme já entregar tudo o resto de importante novamente realçando o facto de ser sobre família.
E sobre família, tal avô tal neta, com Phoebe demonstrando uma aptidão para ciências e uma personalidade intelectual e curiosa que se assemelha a Egon (isto excluindo claro o estranho hobbie que o seu avô tinha de colecionador fungos e esporos).
A compor a banda sonora deste Caça-Fantasmas temos Rob Simonsen (que confesso que me passa um pouco ao lado em termos de composições anteriores) que faz um bom trabalho. Não faltam recriações de pequenos efeitos sonoros que os fãs não vão deixar passar despercebidos, e mesmo os temas originais assemelham-se muito ao estilo de Elmer Bernstein no clássico de 1984. Alguns dos temas conhecidos são bastante reutilizados, por isso na componente musical a familiaridade é também presente nesta fita, quase me senti de volta (em certa parte, pois nasci em 1990) aos anos 80 quando aparece o logo da Sony e remete imediatamente à mesma maneira como o clássico começa sonoramente.
E claro, o tema de Ray Parker Jr. está igualmente presente nos créditos finais do filme para acabar em beleza passados cerca de 120 minutos. É quase como viver uma celebração à franquia, e já dava por mim a cantar a música (como não) em plena sala IMAX.
Spoiler Alert!!
Para aqueles que ainda não tiveram oportunidade de ver o filme, aconselho passarem ao lado o próximo campo de texto depois da imagem de Callie pois vão conter alguns spoilers relevantes do filme, mas que senti que precisava mesmo de falar sobre eles na mesma e para uma análise não podia deixar de lado.
Considerando a perda e a falta de Harold Ramis em Caça-Fantasmas: O Legado, acho que conseguiram arranjar uma boa maneira de trazer o personagem de Egon Spengler de volta sem parecer forçado. A ideia de um dos elementos da equipa original ser desta vez um espírito já vinha de algumas ideias iniciais na época e acabou por ser usada de forma natural, é estranho, mas sabe bem dizer que mesmo em toda a fita senti na mesma a presença de Egon.
O terceiro ato do filme é a cereja no topo do bolo quando temos a presença aguardada de Venkman, Ray e Winston para ajudar Phoebe e a sua equipa. Esbocei um sorriso bem grande durante toda a sequência seja pelas presenças, e também pelos diálogos que remetem a alguns momentos conhecidos de antes com destaque para a eterna pergunta a Ray (Are you a God?).
Ver numa tela grande de IMAX, uma simples frame da equipa original incluindo Egon (em fantasma ao lado da neta) novamente equipados em ação vai para um dos melhores e aguardados momentos de 2021 no cinema. Aqui fala mais o meu lado como fã claro, mas ao mesmo tempo é um reencontro e momento muito emocionante com uma homenagem enorme a Harold Ramis por parte de todos os envolvidos.
A equipa técnica esteve de parabéns pela maneira como conseguiram lidar com o visual digital de Egon mesmo como fantasma, através de recursos audiovisuais e fotográficos que felizmente não foi uma situação estilo Grand Moff Tarkin em Rogue One: Uma História de Star Wars que em 2016 foi bem exagerada a meu ver.
Fim dos Spoilers!!
Por último, não quero deixar de avisar para não saírem da sala de cinema pois ainda há duas cenas pós-créditos (com a segunda mesmo no fim sendo bastante importante).