Jogo Neutro

Na era actual em que vivemos, fala-se muito dos e-Sports e das competições, com os videojogos a tornarem-se finalmente em algo rentável para se tornar num profissional e viver disso através de equipas, torneios e etc…

Eras que definiram o futuro

Hoje em dia, quando se fala em jogos de luta, muitos pensam logo nisso, pois embora não estejam nem perto de serem os maiores e-Sports, foi o primeiro género a criar competições fortes e internacionais, ao redor do mundo, com a primeira edição da EVO, tendo ocorrido em 1996 (conhecida ainda como Battle By the Bay), com a Sega promovendo torneios nacionais de Virtua Fighter no Japão, já em 1994.

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Mas será que este é o principal motivo para jogar videojogos de luta? Será que tudo o que realmente importa é jogar, para tornar-se num profissional, no melhor do mundo e viver disso? Será que para pessoas sem a ambição de serem as melhores jogadoras de todos o tempos, os jogos de luta não são divertidos nem possuem valor?

Para entendermos esta questão e achar uma resposta, precisamos entender que o mundo actual dos e-Sports cria uma névoa ao redor dos géneros, que cega as pessoas com a ganância e ambição, e precisamos de entender que existem 4 eras bem específicas e detalhadas para o género dos jogos de luta.

A Era de ouro (1991 – 2001)

A era em que os jogos de luta eram tão ou mais populares do que o género Battle Royale é hoje em dia. Todos sabiam o que era Street Fighter, todas as empresas procuravam criar a sua própria versão de Street Fighter para fazer parte do mercado. As personagens eram ícones famosos em todo o mundo, e até deu lugar a programas televisivos, com dicas para se aprender a jogar:

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Lá para o final da década de 90, a tecnologia começou a desenvolver-se a um ponto onde era possível fazer videojogos mais cinematográficos e em 3D, e com isso o foco da indústria passou para jogos com narrativa (Metal Gear Solid, Final Fantasy) e de acção (Devil May Cry, Counter Strike), e os jogos de luta começaram a perder território.

A Era das trevas da Capcom (2002 – 2008)

Após o lançamento de Capcom Vs. SNK 2 em 2001, a Capcom parou de produzir jogos de luta para se focar em outros géneros, e como eles eram os desevolvedores que começaram tudo com Street Fighter 2, o género inteiro perdeu força e começou a tornar-se algo mais de “nicho”. Deixou de haver tantos fãs comparado com a década de 90 e as revistas de jogos começaram a falar muito mais sobre os videojogos que procuravam aproveitar o máximo do hardware das consolas da época, para trazer os gráficos incríveis e jogabilidades inovadoras.

Entretanto, esta foi a era onde a comunidade de jogos de luta começou a criar o formato que possui hoje em dia, com o lançamento dos fóruns da Shoryuken, a mudança do nome Battle By the Bay para Evolution em 2002 e a participação de jogadores internacionais em eventos ao redor dos Estados Unidos e Europa! Tudo movido pelo amor ao género dos jogos de luta, não havia muito dinheiro envolvido e geralmente os melhores prémios eram coisas do tipo uma Xbox ou PlayStation 2 para casa.

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Mas então, o que levava as pessoas a continuarem a jogar naquela época? Essa é a chave principal deste artigo, que irei explicar daqui a pouco.

A Era Street Fighter 4 (2009 – 2015)

Após 10 anos desde o último Street Fighter, a Capcom finalmente lança uma nova versão da franquia, que fez tanto sucesso que criou uma geração completamente nova de jogadores de jogos de luta, conhecida como 09’ers (inclusive, eu sou um deles). Nessa época, muitas pessoas voltaram a querer jogar jogos de luta, empresas voltaram a ter interesse de fazer novos jogos de luta, arcades sticks começaram a ser produzidos de forma profissional no ocidente pela MadCatz (seguida de outras empresas), e torneios explodiram em popularidade, se antes um torneio passava por dificuldades para ter 40 jogadores, agora era possível chegar aos 150 inscritos. Além disso, foi a era onde a Capcom finalmente começou a dar valor para a cena competitiva de tais jogos e promover torneios oficiais, o que incentivou mais e mais produtoras a fazerem o mesmo nos anos seguintes!

Foi naquela era que começaram a surgir diversas equipas de jogadores de jogos de luta, e quando diversos jogadores começaram finalmente a ser patrocinados. Com o surgimento da possibilidade de poder viver apenas dos jogos de luta, começaram a surgir diversas perguntas dentro da comunidade, de como deveria acontecer esta “profissionalização”, com o medo de perderem as “raízes” da comunidade.

A Era dos e-Sports, e também era de ouro de jogos não-Capcom (2016 – presente)

Agora que jogos de luta já estão populares, há mais de meia década, diversos videojogos possuem comunidades competitivas fortes, com diversos torneios e jogadores em todo o mundo. Além disso, e-Sports em geral começaram a ganhar muita força, com League of Legends a chegar ao seu ápice de competições. Neste cenário, a Capcom decidiu entrar de vez nos e-Sports com Street Fighter V, criando um videojogo completamente focado no ramo competitivo e profissional, com diversos dos maiores torneios de jogos de luta, com a EVO a aproveitar-se da situação, para começar a fazer as suas finais numa arena desportiva:

Entretanto, esta foi a era onde jogos da Capcom começaram a perder força dentro da comunidade, e outros jogos que nunca tiveram destaque começaram a tornar-se muito mais populares, com o ápice (pelo menos até ao momento) sendo o crescimento absurdo de Under Night In-Birth, um dos 9 jogos da EVO 2019!

Ok, mas o que tudo isto tem a ver com o porquê de jogar jogos de luta?

Se tu estiveres a acompanhar as datas de cada era, irás perceber que durante quase 20 anos, não existia um incentivo financeiro para jogar jogos de luta. Além disso, o período histórico onde os grandes torneios começaram a consolidar-se foi exatamente o da era das trevas, onde não apenas não existia um incentivo financeiro, como também o mercado não se importava com género e todos os que jogavam, jogavam por amor aos jogos.

Então, isso leva-nos à pergunta, o que incentivava estas pessoas a jogarem? O que fazia com que elas preferissem jogar jogos de luta em vez dos outros videojogos? O que fazia elas gastarem tanto dinheiro para irem aos encontros e torneios, tornarem-se nas melhores jogadoras, se nada disto lhes iria trazer dinheiro ou fama, e a cada dia, menos pessoas jogavam jogos de luta?

Jogos de luta só se tornaram online desde 2006 em diante, na geração PS3/XBox 360, antes disso se querias jogar um Tekken 5 ou Street Fighter 3, tinhas que aos encontros presenciais

Essas pessoas eram masoquistas? Bem… talvez, mas o verdadeiro motivo para elas jogarem não tinha nada a ver com os motivos mais comuns, promovidos hoje em dia nos e-Sports, pelo contrário, são motivos mais próximos do que jogadores de jogos single player estão acostumados hoje em dia: A exploração, a evolução constante do que tu podes fazer dentro do jogo, e com isso, o desenvolvimento das tuas habilidades, apenas pelo prazer de estares a progredir no jogo.

Mas tais valores hoje em dia não são muito debatidos, pois deram espaço para algo que assusta jogadores novatos.

A intimidação ao começar a jogar um jogo de luta.

Deixa-me perguntar-te uma coisa, tu gostas de algum videojogo Open-World? Acredito que existam muitos fãs da Nintendo que acedem ao Squared Potato e que já jogaram por centenas de horas, The Legend Of Zelda: Breath of the Wild. Como foi essa experiência para ti? Encontravas algo novo e interessante a cada sítio que visitavas em Hyrule, não é verdade?

Aprendias cada vez mais maneiras de derrotar os inimigos, certo? E não era um jogo fácil. Quantas vezes tu não levaste com um “Game Over” ou chegaste bem perto disso, logo no The Great Plateau? Entretanto, a sensação de liberdade e de progresso dentro do jogo eram motivos suficientes para continuar a jogar e aprender cada vez mais sobre aquele mundo magnífico.

O marketing do jogo foi focado nessas qualidades, então mesmo se tu nunca tivesses jogado um Zelda ou um videojogo Open-World antes, saberias o que esperar dele. Mas se o marketing fosse diferente? E se The Legend Of Zelda: Breath of the Wild tivesse uma leaderboard mundial, onde tudo fosse uma competição, para progredir mais rápido em Hyrule do que outros jogadores, onde o primeiro jogador a conseguir todas as 900 Korok Seeds ganhasse 300 mil euros? E depois disso todas as 900 Korok seeds mudassem de posição novamente, e o jogador que as encontrasse novamente ganhasse outros 300 mil euros?

E se todos, por conta desse incentivo financeiro, começassem a focar-se apenas nesse aspecto, agindo como se tu só prestasses como jogador se estivesses desesperadamente dentro da jornada só pelo dinheiro? O jogo ainda teria a mesma graça? A exploração ainda seria algo recompensador?

Embora seja uma analogia usando um jogo single player, esta mudança repentina de foco entre jogar um jogo pela exploração e divertimento e um jogo de caça ao tesouro (com dinheiro em vista) foi exactamente o que aconteceu com o aparecimento da era dos e-Sports.

Sabes, jogos de luta são muito diferentes de outros jogos competitivos nesse sentido, não é algo em equipas, portanto, é uma experiência muito pessoal com o jogo, e o metagame não é algo fixo que tu és forçado a seguir, senão corres risco de seres banido, como em alguns géneros.

Lembras-te de quando mencionei que durante os anos em que o género era nicho, os jogadores jogavam por amor? Esse amor era focado em algo muito importante nesses jogos, algo que também é o motivo pelo qual tu tanto amas jogar The Legend Of Zelda: Breath of the Wild, esse amor vem da exploração em jogos de luta.

Exploração em jogos de luta

Jogos de luta são extremamente complexos. Com 40 ou mais personagens, cada uma tem mais de 40 golpes diferentes, que podem ser encaixados em combos longos, usando mecânicas do sistema. Somas tudo isto aos básicos de uma luta, como jogo neutro, setups e mind games, e até um tutorial básico sobre o género vai parecer complexo aos olhos de um jogador novato:

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Sabes, existe aqui algo bastante único. O que fazem as pessoas apaixonarem-se por jogos de luta e jogá-los por horas não é necessariamente a competição, mas sim as jogadas possíveis de serem feitas, tanto durante as competições como fora delas. É a complexidade de factores que podem acontecer numa partida de jogos de luta e a satisfação de explorar tais jogadas, evoluindo com elas.

As jogadas mais famosas de todos os tempos são devido à complexidade das mecânicas de jogo…

Os vídeos mais cativantes do género são aqueles que exploram as possibilidades de tácticas de jogo e as formas mais inusitadas de as executar…

As partidas e jogos mais emocionantes de assistir são aquelas com os acontecimentos mais insanos possíveis…

E as emoções que surgem a partir de tudo? As mais contagiantes possíveis…

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O que fazia as pessoas jogarem jogos de luta durante anos, onde literalmente todos estavam preocupados com outras coisas, era essa exploração de buscar novas possibilidades dentro do jogo, de aperfeiçoar estilo de jogo, aprender coisas novas, para então poder progredir no jogo, seja no conhecimento das personagens ou em torneios. Quase como fizeste em The Legend Of Zelda: Breath of the Wild.

Portanto, da próxima vez que tiveres vontade de jogar um jogo de luta, proponho-te o seguinte: esquece um pouco o dinheiro, a fama e as competições, vai ao modo de treino, e começa a explorar as possibilidades da tua personagem. Procura perceber os golpes e os combos, aprende como dominá-los e usá-los contra teu oponente, incentiva os teus amigos a fazerem o mesmo e depois, de forma descontraidamente e sem pressão, joguem juntos, aprendam juntos, partilhem tácticas juntos e explorem estes maravilhosos jogos juntos.

Vais ver que existe um género muito convidativo e divertido por trás de toda a burocracia dos dias actuais! E irás perceber o motivo pelo qual os canais, como o do vídeo abaixo, possuem seguidores, que assistem diariamente aos seus conteúdos, mesmo sem terem grandes premiações, narradores, jogadores famosos e jogos populares e actuais por trás.

Esta, é a verdadeira magia dos jogos de luta!

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