Depois do seu primeiro trabalho na realização em The Little Woods de 2018, a jovem cineasta de 31 anos, Nia Da Costa, volta a assumir o cargo com a sua nova versão de Candyman o que por si só não era uma tarefa fácil pelos temas sensíveis que carrega nas costas e ao lado de Jordan Peele (Foge, Nós) no argumento e também como produtor.
O filme original de 1992 conhecido também em Portugal como O Assassino em Série foi protagonizado pelo mítico Tony Todd (que recentemente foi confirmado como a voz de Venom para o futuro videojogo Marvel’s Spiderman 2), encarnando a figura misteriosa com um gancho na mão que é invocada por quem se atreve a pronunciar o seu nome em frente a um espelho cinco vezes. Assim como a versão de 2021, o uso desta lenda urbana sobrenatural foca-se nas críticas sociais, e no duro e cru sofrimento que a comunidade negra sofre durante décadas não sendo os sustos ou supostos “jump scares” o propósito deste tipo de terror.
Contextualizando um pouco o filme original, no século XIX Daniel Robitaille (Tony Todd) era filho de escravos em New Orleans, e tinha uma aptidão para a pintura e retratos qual foi contratado pelo dono das terras para que este pudesse transpor a beleza da sua filha de forma artística. Com o tempo Daniel e Caroline acabam por se apaixonar e o pai acaba descobre que engravidou do pintor. Daniel acaba por ser brutalmente desfigurado e assassinado publicamente depois de ser perseguido pela multidão, o que inclui ainda o seu corpo ser coberto por mel e a sua mão direita cortada. O nome Candyman é proferido pela população cinco vezes em tom de humilhação enquanto este é atacado por várias abelhas atraídas pelo mel.
Passando para o presente, Helen Lyle (Virginia Madsen) é uma estudante de Antropologia que está a escrever uma tese sobre lendas urbanas e acaba por envolver-se na lenda do Candyman em Cabrini-Green, um bairro social amedrontado pelas histórias e tragédias à volta desta figura.
É preciso ver o filme original para entender o novo?
Não necessariamente porque há sempre uma contextualização por trás para perceber não só um pouco da mitologia, mas também dos acontecimentos que de uma forma ou de outra, interligam-se entre os dois filmes. Ainda assim, aconselho o visionamento do original não só por uma prestação que ficou imortalizada por Tony Todd (que aqui também regressa) na década de 90, mas para entender numa visão mais ampla, as mensagens e um tanto da realidade que acaba por ser retratada ali.
Candyman teve ainda duas sequelas em 1995 e 1999 que não foram muito bem recebidas mas que não são necessárias sendo que esta é uma sequela espiritual mas ainda assim directa do filme de 1992.
Na nova versão de Nia Di Costa atualizada aos dias de hoje, Anthony McCoy (Yahya Abdul-Mateen II) é um pintor que vive em Chicago com a sua namorada Brianna (Teyonah Parris) que começa a ficar fascinado pela lenda do Candyman, e acaba por servir de inspiração para o seu trabalho na galeria.
Trazendo um lado bastante interessante na abordagem a esta lenda urbana passados trinta anos numa era dominada por uma velocidade e facilidade estupenda de procura de informação através dos meios digitais, Candyman aqui manifesta-se não como uma entidade individual, mas como algo que representa as 0vítimas ao longo do tempo. Somos confrontados diariamente por notícias de violência policial, racismo e ainda recentemente no ano passado tivemos a tragédia de George Floyd, tudo isso acaba por vir ao de cima consuante o tempo passa nesta produção.
O filme vai acabando por definir os próprios “Candyman” passando de um suposto único ser para outras vítimas reais, demonstrado duma forma marcante a própria violência e desconfiança face a outra etnia e que isso nunca deixou de acontecer com o passar dos tempos. Menciono sem spoilers até a primeira cena do filme que mostra essa imagem sem haver uma hesitação ou oportunidade do outro lado se defender.
Aqui o tema da gentrificação também está de forma muito presente posto a situação atual de Cabrini-Green que novamente realça como certas comunidades são tratadas ou despejadas e que parte do personagem de Colman Domingo relembrar essa situação. Novamente um tema que se inclui nos vários que personificam os verdadeiros horrores. Assim como ele diz, Candyman não é só uma lenda ou um homem, mas sim todos as vitimas.
Com o seu ritmo lento mas bem construído, a sonoplastia e a fotografia em geral contribuem muito para atmosfera densa e um tanto sombria durante os seus quase 100 minutos. A presença concreta do personagem título é um tanto diminuída comparativamente com o original, mas através de pequenos recursos como os compartimentos de casas ou outros lugares, e um jogo de sombras em cenas noturnas fazem com que se sinta sempre presente no ecrã nem que seja a espreitar por uma porta ou no fundo de um quarto.
Caso tenhas visto a série A Maldição de Hill House que conta com alguns easter eggs de fantasmas escondidos pelos planos dos episódios a ideia não é exatamente igual, mas passa por aí.
Não só os espelhos mas portas de vidro como em 1 ou 2 cenas também são ferramentas interessantes para explorar um pouco a tensão e a sua aparição subtil, tudo isto novamente para dar a ideia que algo está sempre presente mesmo que não seja visível a toda a hora.
Como já referi atrás, este Candyman de 2021 vai contextualizando o espectador com alguns easter eggs e registos visuais e sonoros do filme original (especialmente da personagem Helen) mas para contar os seus acontecimentos não utiliza propriamente cenas de flashbacks mas sim um recurso a teatro de sombras.
Uma direção interessante que dá um lado mais artístico e místico em ligar o passado e o presente e que eu aposto quase de certeza que a ideia partiu da cabeça do próprio Jordan Peele (um dos atuais realizadores que mais tenho gostado de acompanhar no género do terror desde Foge) pois tem todo o ar disso.