Uma das maiores vilãs do mundo da Disney está de regresso aos ecrãs, desta vez com Emma Stone interpretando a diabólica e excêntrica Cruella que tanto marcou a década de 60 com o filme original de animação dos 101 Dálmatas.
Servindo como uma prequela, de certa forma espiritual, ao clássico de 1961, mas mais focado numa história de origem da personagem, esta versão de 2021 acompanha Estella De Vil (Emma Stone) desde a sua infância, fazendo o seu percurso no mundo da moda e culminando assim na vilã que todos conhecemos há várias gerações, situando o filme nos anos 70 em Londres.
As comparações com o filme Joker de 2019, protagonizado por Joaquim Phoenix, não são totalmente descabidas como foram sendo feitas nos últimos meses, afinal tem havido uma certa tendência recente para filmes focados em vilões mostrando o seu percurso e perspectiva mais negra. No entanto, se já viram O Diabo Veste Prada, Cruella tem ainda mais vibes do filme mencionado de 2006, centrando-se no mundo da moda e da competição.
Pessoalmente, não fiquei nada agradado em 2014 com a abordagem que fizeram em Maléfica (interpretada por Angelina Jolie), não só porque era um projecto que tinha potencial para algo com uma vertente mais negra a fazer jus à personagem título, mas porque a humanização que foi feita em cima dela foi de tal forma exagerada, acabando por descaracterizar imenso a personalidade da vilã e fazendo uma reformulação aos acontecimentos de A Bela Adormecida ao mesmo tempo.
Cito Maléfica porque foi justamente esse o medo que tinha nesta versão de Cruella, afinal como é que se pode humanizar uma assassina de dálmatas?
Felizmente mesmo sendo a protagonista do seu próprio filme e acompanhando parte da vida dela ao longo dos 135 minutos de filme, Cruella não deixa de sair do seu registo excêntrico e, em certas doses de psicopatia, mesmo que mostre a personagem mais serena e com algum coração em certos momentos, nunca numa tentativa de reinventar em demasia.
Na história começamos com a personagem ainda de nome Estella (sendo Cruella o seu lado mais vingativo a vir à tona mais tarde) que nasceu com a particularidade estranha de ter um cabelo preto e branco, mas guardando uma mente de génio com potencial. Acompanhamos o seu crescimento ao viver nas ruas de Londres, ao lado dos vigaristas Gaspar (Joel Fry) e Horácio (Paul Walter Hauser), com os três acabando por fazer um trio de ladrões planeando vários golpes e roubos para tentar sobreviver. Acabando por mais tarde, alcançar um trabalho no mundo da moda através da Baronesa von Hellman (Emma Thompson), uma lenda viva da moda mas muito egocêntrica e autoritária por trás, Estella começa aqui o seu primeiro passo em design de moda à procura duma oportunidade para fazer o seu nome.
É inigualável que no passado, Glenn Close brindou-nos com o seu papel de Cruella De Vil quase como se tivesse nascido para ele. Mas Emma Stone, interpretando uma versão mais jovem da vilã entrega uma performance igualmente incrível, seja nas expressões faciais ou nos próprios movimentos do corpo, a atriz consegue convencer-nos com uma mistura de malvadez e luxúria. O contraste entre Estella/ Cruella é perceptível nas suas diferenças e na primeira cena que vemos Cruella por inteiro, cheia de glamour graças ao guarda roupa, a atriz brilha na interpretação e no estudo das características da vilã.
No restante elenco, Emma Thompson entrega uma boa prestação no papel da Baronesa fazendo com que se sinta mesmo um embate de rivais da moda através de vários desfiles e apresentações. Como eu disse, o filme tem uma aura de O Diabo Veste Prada, que condiz com a proposta principal do filme. O duo de ladrões Gaspar e Horácio também entregam uma boa prestação de acordo com as personagens em geral, mesmo que haja uma sensação mais famíliar com Cruella em certos momentos desta nova versão.
Aproveitando o movimento musical e cultural do Punk Rock que surgiu nos anos 70, a cinematografia do filme em geral combina essa época muito bem com o tom do filme. Ao mesmo tempo que o filme usa tons negros, realçando uma história em certa medida trágica e negra com a personagem, a sensação revolucionária e meio anarquista com Cruella destaca-se pelo design de moda, está chamativo. Nesse aspecto ao contrário de vários outros filmes Live Action que simplesmente recriaram as versões originais, Cruella acaba por dar uma identidade própria que nunca se prende ao facto de estar ligada a 101 Dálmatas mesmo que vá tendo pequenas referências pelo meio.
De facto, posso dizer que de um filme que honestamente não tinha expectativas nenhumas (no sentido de estar saturado de reimaginações da Disney dos seus clássicos) acabou por me surpreender bastante por se desprender de alguns aspetos dos mesmos e trazer uma elegância obscura no seu todo. Basta reparar nas brincadeiras de cor com preto, branco e vermelho das divulgações do filme, que nos dá logo uma primeira ideia disso.
No meio desta aura gigantesca de Punk Rock, temos também uma banda sonora recheada de canções de época passando por bandas e artistas como The Doors, Bee Gees, Queens, Nancy Sinatra, Led Zeppelin entre muitos outros e algumas em novas versões.
Infelizmente achei que houve uma “overdose” na banda sonora nesse aspecto, porque apesar de ser um leque recheado de bons clássicos musicais que realçam aquela época bastante bem, torna-se muito cansativo e algumas são quase como gratuitas (ao contrário de outras, que servem para preencher a intenção de certas cenas do filme e que se enquadram bem (um pouco ao estilo de James Gunn com o que tem feito com Guardiões da Galáxia). Não precisamos de ouvir imensas músicas para perceber que estamos nos anos 70 e que as personagens querem causar impacto através das várias sequências de moda, pois o filme já capta isso bem sendo este um dos pontos negativos que senti.
Ainda para acrescentar por último a este tópico, a banda Florence +The Machine traz-nos uma melodia original com o nome “Call me Cruella” agradável nos créditos finais do filme.
E como Cruella é sinónimo de Moda, o guarda roupa do filme e maquilhagem também não ficam atrás, trazendo uma variedade de vestidos chamativos e provocadores, realçando a intenção da personagem fazer chamariz e impacto por Londres. A própria estética Punk da década favorece para movimentar a história de forma visual, desde as entradas pouco convencionais da vilã apresentar o seu trabalho ao mundo, como numa sequência que envolve um camião do lixo, ou as próprias apresentações e desfiles cheias de pirotecnia. Cruella quer quebrar padrões e estar no estrelato e estes aspectos todos inseridos ajudam a dar toda uma estética mais apelativa e interessante que outros Live Actions anteriores.
Por mais que o filme possa soar a algo anti disney, para bem ou mal de muitos, há um esforço para tentar trazer algo mais único e com estilo.
Algo que também gostei particularmente em Cruella foi a falta de comédia exagerada, que, em certa medida, tem sido um dos pontos negativos na maioria das outras adaptações, (dou como exemplo Aladdin que se tornava cansativo quando nem eram vindas pelo Génio se estendiam desnecessariamente). Num filme como este, era necessário que isso não fosse algo recorrente que prejudicasse a atmosfera do filme. Situações de comédia são maioritariamente usadas mais para os personagens de Gaspar e Horácio que combinam com a caracterização dos mesmos e daquilo que o público já conhece deles há anos.
Ainda assim, mesmo tendo uma ou duas cenas bem explicitas que acabam por elevar o filme, mas não de uma forma pesada, senti que podiam ter arriscado mais em certos aspetos mórbidos que fogem dos padrões da Disney atualmente.
Cruella ousa em querer ser um filme diferente e caótico e funciona em várias formas, mas um pouco mais de risco só iria favorecer mais. Ainda assim, é um filme bastante divertido que mesmo que a ideia possa torcer o nariz de muitos por falta de originalidade, acho que já não gostava genuinamente na sua totalidade de um filme Live Action da Disney desde O Livro da Selva em 2016.
Nota: O filme tem ainda uma cena créditos no final do filme que acaba por ser uma pequena surpresa para quem é familiar com os 101 Dálmatas, fazendo assim uma certa transição.