O ano era 2008, 3 anos após o lançamento de Resident Evil 4, um jogo que revolucionou a indústria de videojogos, e que, até hoje, continua a inspirar os vários jogos que são lançados, especialmente no que toca ao género de Survival Horror.
Ora que, tentar fazer um jogo de terror após o lançamento de tal colosso era algo extremamente assustador para qualquer estúdio, mas, supreendentemente, tivemos nada mais e nada menos que a Electronic Arts, juntamente com a Visceral Games, a criar uma nova propriedade de Survival Horror, num ambiente de ficção científica, denominada de Dead Space.
Dead Space é um jogo bastante especial para mim. Eu, sendo um amante de Survival Horror, tenho a admitir que a geração da Playstation 3 e Xbox 360 deixou bastante a desejar no género. Com Resident Evil 5 e Resident Evil 6 a focar-se mais em ação e removendo o terror, as únicas experiências relevantes no género, na minha opinião, foram os indies e, obviamente, Dead Space.
Dead Space, no que toca a Survival Horror, é sem dúvida um dos meus favoritos do género. A competência da equipa no que toca a manter o jogador sentado no canto da cadeira em constante estado de alerta é , para mim, o aspeto mais significante do primeiro jogo, e algo que, na forma como foi feita, é bastante único.
Mas eu não estou aqui para falar da minha experiência com um jogo que já faz 15 anos (estou a ficar velho), mas sim de algo que eu nunca na vida pensaria que iria existir. Estou aqui para falar-vos do Remake do primeiro Dead Space, desta vez nas mãos da talentosa EA Motive, mais conhecida pelo seu trabalho em Star Wars: Squadron, e também a colaboração com a DICE no Star Wars Battlefront II.
Uma visita inocente que se tornou um pesadelo
O jogo começa bastante simples. Temos o nosso protagonista Isaac Clarke, um engenheiro espacial, que se encontra numa nave a caminho da estação espacial USG Ishimura, ansioso por voltar a ver Nicole, a sua namorada, após bastante tempo. Ora eis que, infelizmente para Isaac, algo corre bastante mal, e a sua nave despenha-se na estação espacial, ficando inutilizável. Eventualmente, descobre-se que algo não está bem, e cabe a Isaac e à sua equipa descobrir uma forma de reparar a nave e evacuar a estação espacial, de modo a garantir a sua sobrevivência contra o mal que reside dentro da USG Ishimura.
Uma das mudanças mais drásticas que é imediatamente notável, é o fato de Isaac desta vez ter uma voz. No primeiro jogo, Isaac era um protagonista mudo, tendo só uma voz no segundo e terceiro jogo. A equipa da EA Motive, neste remake, trouxe o ator que deu a voz a Isaac nas sequelas, para preencher o espaço vazio.
Esta mudança foi extremamente arriscada, pois, muitas vezes, um protagonista mudo dava a possibilidade ao jogador de poder identificar a personalidade de Isaac como quisesse. Apesar de tudo, penso que esta adição ajuda o mundo a ser mais autêntico, com Isaac a reagir a tudo o que lhe rodeia e ocorre, dando uma maior imersão ao jogador.
Uma USG Ishimura inteira, ampla e aterrorizante
Neste remake, o objetivo principal da equipa foi aumentar a imersão ao máximo. Para quem jogou o original, a melhoria não é apenas notável. Todos os aspetos audiovisuais do remake de Dead Space foram melhorados e alterados para nos proporcionar com uma experiência superior ao original.
Começando pelos visuais, temos aqui uma representação deslumbrante de USG Ishimura. No momento em que saí da nave e comecei a avançar pelo corredor e a entrar nas primeiras salas, notei imediatamente que todas as localizações estão mais amplas, com uma área maior, e com um campo de visão maior, dando à estação espacial uma sensação de grandeza que não estava presente no primeiro jogo.
Incrivelmente, a equipa ainda conseguiu encaixar uma quantidade de detalhe impressionante, com todas as paredes, objetos pequenos, grandes, portas, tudo apresentando um detalhe surpreendente. Juntamente, temos também melhorias significantes na iluminação, agora com um comportamento mais realista, usufruindo de uma atmosfera mais sombria e aterrorizante.
Os modelos também ganharam um upgrade ambicioso, com Isaac e a sua equipa a apresentarem um detalhe bastante alto. Penso que no que toca a modelos, os verdadeiros vencedores são os necromorphs, criaturas aterrorizantes onde, ao dispararmos para certas localizações nos seus corpos, vemos a sua carne a ser removida na zona, podendo até chegar a apresentar apenas o osso.
Nisto tudo, a equipa ainda teve tempo (e vontade) de melhorar o áudio. Pode parecer que estou a pôr o trabalho da equipa num pedestal, mas confiem em mim quando digo que o trabalho de áudio que foi feito neste jogo é possivelmente um dos melhores de sempre. Não só a qualidade da gravação é extremamente elevada, como o ambiente é completamente dinâmico e estruturado de uma forma que é pesado e incrivelmente imersivo. A equipa até foi mais além e decidiu criar um processamento dinâmico que modifica certos aspetos de um som de modo a simular a distância, reverberação, o caminho que leva e se o som se encontra noutro espaço. Isto tudo, juntamente com uma implementação praticamente perfeita do 3D Audio, faz-te sentir mesmo que estás naquele espaço. Penso que o melhor exemplo que tenho a dar é que, por vezes, alguns ruídos que ouvia no jogo, que vinham de outras salas, faziam-me pausar o jogo e remover os fones, pois eu pensava que o som vinha da minha própria casa.
Estes aspetos audiovisuais complementam o terror do jogo. Dead Space, tanto o original como este remake, apresentam uma das melhores experiências de terror sci-fi no mundo dos videojogos. Os ruídos que os necromorphs fazem nas condutas, os vários momentos em que eles simplesmente saltam das condutas imprevisivelmente, e outras situações que irei deixar para surpresa, fazem deste remake ainda mais aterrorizante que o original.
Penso que, após o que mencionei, não irá ser preciso comparar o aspeto audiovisual do jogo original com este remake. A equipa não melhorou apenas o que estava lá, eles foram além do que precisavam de fazer e deram aos fãs, e aos novatos, uma experiência moderna e atual.
Corta-lhe os membros
A jogabilidade de Dead Space foi algo bastante interessante e único quando saiu originalmente. Enquanto a maioria dos jogos se focava em disparares na cabeça para teres o máximo de dano, Dead Space focou-se nos membros, fazendo com que o jogador tenha de desmembrar um inimigo até ele morrer.
Felizmente, o remake não mexeu neste foco, e o combate mantém-se praticamente o mesmo que o jogo original, tendo as mudanças de controlos e fluidez gerais que se espera em jogos modernos, como uns controlos mais naturais (podes escolher os controlos originais, ou do Dead Space 2, se preferires), e também uma melhor precisão e suavidez no movimento e ao apontares e disparares a arma.
A jogabilidade, mesmo passado tantos anos, é excelente. O fato do jogo ter este foco em desmembramento dá ao jogador algumas opções estratégicas, onde se pode deixar alguns inimigos mais rápidos a rastejar no chão removendo-lhes as pernas, e utilizando essa oportunidade para se focar noutros inimigos mais prioritários, ou simplesmente facilitando a remoção de outro membro para finalmente os derrotar. O jogo não tem pena do jogador, e espera sempre que o mesmo tenha a competência de saber o que fazer nas várias situações que lhes são apresentadas, algo que eu admiro bastante.
Tens ao teu dispor várias armas que te possibilitam o desmembramento massivo de necromorphs na estação espacial. Temos a clássica Plasma Cutter, uma pistola que consegue disparar numa pequena linha na horizontal e na vertical, excelente para desmembramentos “cirúrgicos”. Outro exemplo é a Line Gun, uma arma capaz de disparar numa linha gigante na horizontal, obviamente mais lentamente que a Plasma Cutter, mas que também consegue colocar armadilhas com lasers, que se ativam quando entram em contato com inimigos, sendo uma boa forma de criar uma linha de defesa.
À medida que vais avançando no jogo, irás descobrir também o Statis Module e o Kinesis Module. O Stasis Module é um recurso limitado que pode fazer um inimigo ou objeto muito mais lento, dando-te a oportunidade de resolver alguns puzzles que irás encontrar, ou de apontar melhor a arma, sem o medo do inimigo se mover demasiado. O Kinesis Module, ao contrário do Stasis Module, não é limitado, e possibilita levitar objetos ou membros caídos dos inimigos à distância. O Kinesis Module também é amplamente usado nos vários puzzles do jogo, mas também é extremamente útil para poupar balas, pois podes usar um membro pontiagudo de um inimigo, ou algum objeto, para poderes desmembrá-lo, atirando o objeto.
Esta jogabilidade serve como raiz para toda a exploração da USG Ishimura que irás fazer durante o jogo, e, após estes anos todos, continua extremamente competente e satisfatória.
A maior mudança, no que toca à jogabilidade, foi em alguns aspetos do level design. No primeiro jogo, as várias secções da USG Ishimura estavam separadas por ecrãs de loading, onde, na maioria das vezes, tinhamos o Isaac a entrar num teleférico, onde o jogo carregava o próximo nível, supostamente numa outra estação do mesmo.
Desta vez, USG Ishimura não está separada por loadings. É verdade, a estação espacial é explorável de uma ponta à outra sem sequer apresentar ao jogador um famoso “fade to black“. Para se poder atingir este objetivo, a equipa teve de modificar algumas áreas, nomeadamente os corredores que conetam as várias salas principais, podendo resolver as inconsistências do jogo original. Estas mudanças também são complementadas com secções e puzzles novos, que acrescentam conteúdo e melhoram a experiência geral da jogabilidade. Caso queiras continuar a utilizar o teleférico, também o tens ao teu dispor, onde, desta vez, Isaac fica controlável no seu interior durante a viagem, novamente, sem qualquer ecrã de loading ou fade to black presente.
Esta adição trouxe também consigo uma série de side quests. Estas side quests apresentam-se como conteúdo que dá mais contexto à história do jogo, e, supreendentemente, são bastante bem concebidas, sendo a sua maioria completada à medida que vais avançando na história.
Outra adição bastante interessante, foi nas zonas de gravidade zero que irás encontra pelo jogo. No jogo original, apenas podias saltar e ir numa espécie de linha reta para qualquer superfície, não havendo a hipótese de simplesmente voar. Nas sequelas, estas zonas foram mudadas, dando a hipótese ao jogador de voar livremente, o que levou a puzzles e salas mais interessantes.
A equipa, neste remake, decidiu ir buscar essa mecânica de voar nas zonas de gravidade zero, e implementou no primeiro jogo, modificando as salas correspondentes, de modo a usufruirem desta nova forma de movimento. Esta mudança fez das salas de gravidade zero um upgrade substancial, e até foi usada para melhorar bastante algumas partes do jogo menos interessantes, que não irei mencionar para evitar spoilers.
Todas as mudanças apresentadas aqui serviram simplesmente para um objetivo: melhorar o que já estava lá. A EA Motive soube exatamente que a ideia inicial era manter o máximo do jogo original no produto final, e tudo o que foi adicionado, mudado e retocado foi algo que nos veio proporcionar com uma experiência melhor que a original.
Um remake modesto num mundo de reimaginação
A melhor comparação que posso dar ao remake do Dead Space, é que se encontra mais na zona do remake do Demon’s Souls, mantendo intacta a experiência original e melhorando-a ao ponto de quase perfeição. Num mundo de remakes super ambiciosos como o Resident Evil 2 e o Final Fantasy VII, penso que, por vezes, um remake que simplesmente nos dá uma homenagem ao trabalho original de uma forma tão fiel, e floresce a visão original de uma forma que o hardware do tempo a limitava, é sempre algo que merece o devido respeito e apreciação. A EA Motive tinha aqui um projeto extremamente difícil, de um jogo que nem sequer foram eles que originalmente desenvolveram, e não só nos deram uma versão moderna do mesmo, como melhoraram a experiência em todos os aspetos.
A USG Ishimura está a contratar engenheiros na Playstation 5, Xbox Series X|S e PC na Steam, Epic Games Store e EA App.