O meu primeiro contacto com Digimon aconteceu sem ainda conhecer a franquia, com um aparelho que achei na escola e que umas semanas depois vim a descobrir que na verdade se tratava de um Digivice, uma mini-consola idêntica a um tamagotchi em que o objectivo era meramente sacudir de forma constante (ou não) o aparelho para fazer o bichinho evoluir de acordo com a intensidade do movimento. Mais ou menos pela mesma altura, conheci o meu único jogo da saga até à data; Digimon World, na primeira consola da Playstation, um título super desafiador que nunca tive a oportunidade de finalizar. A dificuldade era tanta para um miúdo de 7/8 anos, que as únicas memórias que ficaram do jogo foram os loops intermináveis das suas músicas nos poucos segmentos do mapa que visitei.

Hoje, posso simplesmente dizer que finalizei o meu primeiro jogo Digimon (yay), e tenho algo muito positivo a dizer sobre o mesmo!

Digimon Survive apresenta-nos em 2022, a versão mais arrojada e arriscada do universo Digimon, já que mesmo sendo dos jogos que melhor representam a franquia desde a sua origem, a interpelação final resultou numa visual novel, um estilo extremamente nichado e que curiosamente tenho vindo a gostar, cada vez mais.

Ideal para quem nunca entrou no universo Digimon

Kazumasa Habu deixou bem claro na série de entrevistas que disponibilizou à imprensa durante a Anime Expo 2022, que Digimon Survive seria um visual novel com elementos de RPG e combates por turnos estratégicos. O seu primeiro conceito nesta abordagem seria captar a essência total do anime, que segundo ele; é o expoente de ligação máxima entre as criaturas e os seus parceiros humanos. Apenas neste estilo de novela visual, Kazumasa conseguiria potencializar os laços e evoluções dos Digimon, com um sistema bem elaborado de karma que surge naturalmente através das escolhas e rumos que acarretas à história. Fica aqui esta nota importante para quem talvez não tenha acompanhado tanto este projecto e o seu resultado.

Digimon Survive é o ponto de partida ideal para quem nunca entrou na saga Digimon, quer seja através do anime, jogos, ou qualquer outro tipo de conteúdo.

A história que nos é apresentada neste título da Bandai Namco é completamente original e de abordagem fácil para quem como eu, é um novato nestas andanças, e portanto nunca te sentirás fora de contexto, salvo a grande excepção de não entenderes inglês escrito; já que as legendas em Português de Portugal não existem e as legendas Português do Brasil não estão disponíveis na nossa região.

Após um prólogo bastante sombrio com portais místicos e raptos à mistura, a narrativa exibe pela primeira vez o nosso protagonista Takuma e os seus amigos. Este grupo de adolescentes parte rumo à descoberta e exploração de locais históricos, numa daquelas típicas visitas de estudo de final de ano, quando o pior acontece: um pequeno terramoto causa um deslizamento de terra e impossibilita todo o grupo da visita.

É desse modo que alguns membros do grupo começam a dispersar e explorar em pequenos grupos ou a solo, e acabam por conhecer outro templo divino por ali, com ilustrações semelhantes a arte rupestre, uma certa dose de tensão e algo mais a pairar no ar. Esse templo, é segundo um professor e explorador do local, alvo de grande respeito pelos moradores mais próximos devido a pequenas assombrações que o tornaram um local divino, com os moradores referindo-se ao local o templo dos kemonogami; algo que irás perceber mais tarde.

Existem vários finais diferentes tal como seria de esperar de uma visual novel, e as escolhas certas ao longo da jornada irão fazer toda a diferença. Acredita que Digimon Survive não vai definitivamente esquecer as tuas escolhas, e isso poderá ser fatal para algumas personagens e os seus digimon. Este é de facto o segmento mais letal e punitivo já feito no universo da saga.

A construção desta narrativa é extremamente acertada, e portanto bem conseguida. Os personagens são bem explorados e de fácil empatia, e os Digimon correspondem de acordo com as tuas escolhas, deixando de ser apenas ferramentas de combate. O mood sombrio e repleto de dramas, as relações de amizade e as escolhas difíceis e por vezes fatais, fazem deste o jogo Digimon mais extenso nas ligações das personagens, e tenho a certeza que consigo afirmar isso mesmo sem ter jogado muitos deles. Uma pequena dica: prepara os lenços, talvez irás precisar de limpar algumas lágrimas.

Uma nota muito importante a salientar: Digimon Survive conta com um glossário muito intuitivo que explica não só o passado e motivações de cada personagem, como um pouco da história do universo Digimon e as suas criaturas, uma vez mais; ideal para os menos ambientados na franquia.

Bem mais que um romance visual

Excluindo as longas linhas de diálogo, Digimon Survive tem elementos de jogabilidade antes do combate, no entanto, não esperes nada muito elaborado. O que irás fazer essencialmente, é viajar entre locais durante alguns segmentos em que assim o é possível, e explorar todos os seus cantos com a camâra do smartphone, seja para desvendar alguns pedaços importantes de história, ou descobrir segredos como itens para equipar as tuas criaturas ou para curar os pontos de vida e aumentar os atributos. É aqui que o jogo se vai perdendo ocasionalmente, com os carregamentos entre locais constantes e uma exploração inspida e muitas vezes bastante monótona.

Já no combate, a desenvolvedora HYDE decidiu trazer o bom e velhinho combate por turnos em grelha tradicional com recursos relativamente fáceis e rápidos de aprender. Os digimon movem-se de acordo com a sua capacidade e têm ataques únicos que vão fazer estragos principalmente às respectivas fraquezas de outros digimon; algo sempre presente na saga. A harmonia que garantirás aos teus amigos através das escolhas durante a visual novel também te irá garantir novas combinações em combate, tal como a afinidade entre os Digimon.

A nova mecânica de captura das pequenas criaturas traz muito a vibe de títulos como Shin Megami Tensei e Persona, jogos em que tens que abordar o oponente e passar por um pequeno quiz — muitas vezes bizarro —, e caso o Digimon se identifique contigo, fará parte da tua equipa, e no caso negativo da situação, ganhará um status de combate que lhe garantirá mais danos e resistências.

É muito entusiasmante ver os Digimon evoluírem no campo de batalha com animações bem refinadas, e todos os movimentos destas encantadoras criaturas fluem muito bem, especialmente durante os menus, que por sinal são extremamente simples e bem organizados por cores características e separadores únicos.

As arenas onde são realizados os combates é que poderiam ter sido mais exploradas. A falta de variedade de cenários e os elementos espalhados para interagir são praticamente nulos, não existe grande profundidade de terreno para tirar vantagem sobre os inimigos. O que é mau para mim, pode ser bom para os outros; Digimon Survive não requer grind nenhum, e sem sequer tentares, as tuas personagens irão estar bastante poderosas sem fazeres muito por isso. Gostaria de ter tido um pouco mais desafio na rota que fiz em normal, mas percebo perfeitamente a abordagem da equipa desenvolvedora e nas suas posições quanto à dificuldade, e talvez me iria ser mais recompensador jogar em hard, algo a tentar no futuro.

Banda sonora Digievoluida

Não é de todo habitual, mas o jogo não tinha sequer 2 horas nas minhas mãos e eu já estava a pesquisar pela banda sonora em tudo o que era plataforma. Tomoki Miyoshi é realmente genial nos toques subtis das suas faixas especialmente no piano, e o único problema é não existir mais músicas disponíveis que acompanhassem a qualidade das que se encontram no jogo.

A experiência musical é relativamente curta, mas digievoluida. Todas as faixas passam a mensagem correcta no momento certo, e transporta-nos para outro nível de imersão e atmosfera.

Ao pesquisar as faixas do jogo, descobri Pat, um carismático produtor musical dono do canal de youtube “Wires Don’t Talk“. Achei a sua análise sonora de Digimon Survive tão intuitiva e cativante, que decidi perguntar se era possível utilizar o seu vídeo nesta humildade análise. Ele aceitou! O vídeo que irão experienciar a seguir encontra-se apenas em inglês. Um grande obrigado pela honra:

Agradecemos à Bandai Namco por nos terem cedido uma chave de análise para a plataforma Playstation 4.

CONCLUSÃO
DigiGreat!
8
Igor Gonçalves
Curioso, explorador, e fã de videojogos desde que me lembro, e em especial pela saga Metal Gear. Não jogo plataformas, jogo jogos.
digimon-survive-analiseDigimon Survive brincou com o meu pequeno preconceito e inexperiência com a série e enganou-me extraordinariamente bem. O seu combate é simples, mas sólido, mas é como romance visual que consegue carregar uma história de tons densos e calculistas, transformando a experiência num projecto extremamente competente, cheio de rotas novas de ligações e escolhas para explorar.