Digimon Tamers é conhecida por ser a temporada de Digimon mais acarinhada e ao mesmo tempo mais divisiva, por parte dos seus fãs. Vamos pegar no nosso Digivice e conhecer a razão para tais argumentos.

Transmitida entre 1 de Abril de 2001 e 31 de Março de 2002, logo imediatamente após Digimon 02, Digimon Tamers é uma temporada que marca a franquia pelo seu tom diferente e pelos seus elementos bem distintos. Para começar, a sua história é situada no mundo real (inicialmente), numa típica cidade japonesa. Os Digimon aqui descritos, são o fruto de pesquisas sobre inteligência artificial, feitas por um grupo de cientistas durante a década de 80’s. Contudo, estes programas desenvolveram uma autonomia, e os cientistas tiveram a decisão ética de deixá-los serem livres. No entanto, como o dinheiro e capitalismo falam mais alto, uma empresa tomou posse destas pesquisas, e transformou-as num jogo de cartas vendido para todas as crianças nesta série, colocando os Digimon em ferozes lutas uns contra os outros e de forma selvagem.

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É aqui que surge o ponto de partida de Tamers, ou seja, crianças que domam estes seres, e as suas interacções e vice-versa. Ao contrário das temporadas anteriores , o elenco é bem mais curto, o que por si, deu azo a mais enriquecimento de personagens, contribuindo para uma linha de desenvolvimentos mais credíveis e humanos. Começando por Takato Matsuda, que ao contrário dos típicos líderes,Taichi (Tai) ou Daisuke (Davids) não gosta de lutas ou violência, nem apresenta inicialmente actos de heroísmo. Este age como um típico rapaz na sua idade, passando também a maior parte do tempo de volta destas cartas, ou até criando e desenhando os seus próprios Digimon. Mesmo o seu companheiro, Guilmon, é obra sua. Isto porque o seu Digivice digitalizou o seu desenho, quando este desejou ter um Digimon como amigo e não como alvo de luta. Afinal, qual é a criança que nunca ansiou por ter uma criação sua como seu amigo? Por este motivo Takato tem um grande medo de perder o seu amigo numa luta contra um treinador mais poderoso, chorando até várias vezes quando sai ileso das situações.

Passando para o Lee Jiarang (Henry), que actua como o Joe Kido da primeira série, este é o membro mais maduro e racional do elenco, criando um fosso emocional com o protagonista anterior. Mesmo sendo uma pessoa inteligente, e também devido ao seu coração gentil, o medo de Lee é ver o seu companheiro Digimon, Terriermon, ser transformado numa criatura feroz. A última personagem do elenco principal é Ruki Makino (Rika), uma rapariga de poucas palavras, forte, solitária, e que vê os Digimon apenas como dados. Por si só, esta já quebra os moldes de qualquer personagem feminina na série, e ao contrário dos outros dois rapazes, adora lutar. A menina e a sua parceira Renamon, são motivadas a tornarem-se mais fortes e independentes.

Estas personalidades são determinantes, não só nos meninos como nos seus Digimon, já que reflectem com clareza, o que são inicialmente. Takuto e Guilmon são ingénuos e inocentes, Lee e Terriermon são inteligentes e contidos, e finalmente a Ruki e Renamon são frias e convictas. As primeiras Digievoluções dos seus amigos chegam justamente quando quebram estas barreiras. Takato apercebe-se que os Digimon são algo mais do que um jogo de cartas, Lee afirma que por vezes é preciso perder a racionalidade, e Ruka engole o orgulho e chama por socorro a sua parceira. Também os seus Digimon desenvolvem personalidades distintas, Growlmon é um monstro assustador, o Gargomon é um louco, e a Kyubimon é um Digimon que perde a sua postura. Claro que com o desenvolvimento da série, estas tornam-se mais controladas. Existem outras personagens no elenco que não sendo principais, enriquecem ainda assim o enredo, como são os casos dos amigos do Takuto, e os Digimon, Culumon e Impmon. Estes últimos, sem Tamers humanos, detêm uma história maravilhosa, que não vou estragar… O que posso adiantar é o facto de que Impmon passa o tempo a fazer partidas e zoar dos Digimon por estarem a perder a sua natureza.

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Outro conceito muito bem orquestrado e completamente distinto nesta temporada, mas como já viram a ser o ponto-chave de venda a série Digimon, é as Digievoluções. Aqui estas ocorrem com o uso das cartas, atribuindo mais opções de combate e rompendo completamente as linhas de desenvolvimento das duas séries anteriores. Ou seja, temos de digievoluir para vencer. As cartas oferecem ainda mais habilidades em batalha, criando uma maior interacção e amadurecimento entre parceiros e Digimon. Ao contrário das temporadas anteriores, a primeira Digievolução propriamente dita, só acontece no décimo episódio, e a partir daí vemos as mesmas com base nas diferenças que foram forçadas nos meninos.

Digimon Tamers pode ser dividido em três arcos. O arco inicial de introdução da temporada, a misteriosa organização do mundo real, os Devas, e o D-Reaper envolto na cidade. Enquanto todos os arcos são importantes, no segundo temos o maior desenvolvimento. Isto porque, os Devas (Digimon baseados no horóscopo chinês) chegam ao mundo real para punir os Digimon aliados aos humanos, afirmando que a forma natural de evolução é através do combate. Este efeito causa diversas fissuras em todas as personagens, e as mesmas só evoluem quando aceitam essas mesmas na sua personalidade. O War Growlmon é um Digimon cheio de armamento, o Rapidmon é mais ágil e forte, e a Taomon é novamente fria calculista, mas desta vez impressa num espírito materno e feminista, sentimentos que a sua treinadora negava em si própria. Já War Growlmon e Rapidmon transformam-se em seres que afirmam gostar de combater.

Neste final da segunda parte, principalmente quando Takuto decide ir resgatar um amigo ao mundo digital, e Juri recebe o Leomon como parceiro, Tamers abandona os seus contornos quotidianos, e abraça uma escrita que não sendo mais adulta por si só, é bem metafórica em termos de contexto. Tamers ainda vai mais longe, e usa a nossa ingenuidade, sendo Digimon uma série para um público alvo infantil, colorido, e cheio de locais diversos. Em Tamers temos bastantes cenários acinzentados, onde despertam muito subliminarmente casos de suicídio, morte e veneração de um Deus pagão, atingindo contornos perturbantes Lovecrafitianos.

Digimon Tamers

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A última parte é como um culminar de emoções. Isto porque sem estragar surpresas  a mente da Juri é quebrada, transitando-a de menina sorridente e brincalhona para uma realidade depressiva e triste. Este fruto brota em Takato e no seu parceiro, a ira, e o último evolui com base nos mesmos, criando um ciclo, e voltando ao que eram inicialmente, chorando e perguntando-se o porquê de tanta luta. É precisamente aqui, que ambos tornam-se num só, como Dukemon abraçando todas as suas virtudes, e acordando a derradeira Matrix Evolution, na qual sentimos que não se encontraram para combater, mas sim para se entenderem um ao outro, atingindo a sua “perfeição”. Takato e Guilmon, recebem a confiança que procuravam, Lee e Terriermon como Saint Gargomon apercebem-se que temos de ter atitude, e finalmente Ruki e Renamon como Sakuyamon chegam à conclusão que o mundo é bem mais do que uma bolha, e existem mais pessoas a viver nele, inclusive as que amamos.

Tudo parecia terminado, excepto o facto de Juri não encontrar o seu parceiro, e o conceito de morte ser impresso forçadamente numa criança que perdeu os pais numa tenra idade, e que acaba abraçando D-Reaper, um antivírus criado pelos humanos, baseado no programa por Bob Thomas em 1971. O único elemento que existiu nas temporadas anteriores é a despedida que mesmo sendo semelhante, achei mais emocional. Com base nestes e noutros registos, Digimon Tamers, pode ser considerada uma série de ‘coming of age‘ já que todas as suas personagens crescem com a adversidade e a maturação, até mesmo o Ryo, que só foi colocado por pertencer aos jogos de Digimon Tamers.

Digimon Tamers foi uma obra da Toei Animation, e sem surpresa a sua animação sofreu bastantes solavancos, umas vezes bastante aceitáveis, outras enveredando para um CGI (novamente) super manhoso, especialmente nas Digievoluções, onde inexplicavelmente a Sakuyamon tem a melhor de todas. O mesmo não podemos dizer da sua banda-sonora, a qual é sempre rica nesta franchise.

Digimon Tamers

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Ao passo que as temporadas anteriores apresentavam uma banda-sonora mais alegre, em Tamers a mesma é polvilhada com tons mais sérios, sintetizada e tecnológica, e em cada digievolução até temos temas específicos para cada tamer. Certamente que fãs de Dragon Ball, deverão gostar de saber que Guilmon, como as suas consequentes evoluções, têm a interpretação de Masako Nosawa, isso mesmo a nossa Goku! A série teve exibição na SIC com uma dobragem de luxo quando situada nos padrões da sua época e do nosso país. O segundo tema protagonizado pela actriz Ana Vieira, é sem dúvida um dos melhores não só em Digimon como das nossas dobragens.

Digimon Tamers, foi uma série que teve a audácia de colocar, Chiaki Konaka, um guionista responsável por obras no seu currículo como Hellsing, Serial Experiments Lain, Armitage III ou Devilman Lady, no projecto e saber muito bem onde ir e o que fazer com a mesma. Este elenco mais reduzido contribuiu para desenvolver mais personagens e uma história mais concisa e humana, que permitiu por sua vez mostrar que é possível transformar uma série de ‘marketing’ rica em conteúdo e temas.

Assistiram a esta série? Comentem as vossas memórias, se não viram deixo o apelo para o fazerem mesmo que o tenham feito em crianças.

Redação
Veterano nestas andanças, acompanhou de perto a guerra entre a SEGA e Nintendo, e sonha um dia com o regresso da estrela cadente Ristar.