Existem vários videojogos que eu consideraria extremamente importantes para a industria. Só para dar alguns nomes: Virtua Fighter da Sega foi uma inspiração importante para a construção da PlayStation e em consequência, do disparo da popularidade dos videojogos na terceira dimensão. Outro exemplo, Metroid da Nintendo deu o seu nome a um sub-género de aventuras bidimensionais não-lineares, focadas na exploração e na aquisição de artefactos. O mesmo, também ensinou aos rapazes pequenotes, o grande público deste mercado, que as mulheres também sabiam dar porrada da dura aos tipos maus da fita.

Tenho uma lista grande, mas se fosse forçado a apenas escolher um, teria mesmo de escolher o videojogo de tiros em primeira pessoa Doom da id Software. Universidades e locais de trabalho, tiveram de proibir o seu uso, porque as redes locais estavam a ficar entupidas, e como se não bastassem, haviam mais computadores na altura com o videojogo instalado, do que com o sistema operativo Windows. Graças a este facto, Bill Gates e um dos seus empregados, Gabe Newell, olharam para esta industria como sendo algo realmente séria. A Microsoft decidiu desenvolver o DirectX, e mais tarde Newell saiu da companhia para formar a empresa que é actualmente a maior distribuidora de conteúdo digital deste mercado, a Valve.

A produção de Doom, esteve ligada ao desejo do programador John Carmack e dos seus colegas, de desenvolverem progressos tecnológicos que lhes permitissem concretizar o sonho que era a realidade virtual. Pelo que não é de todo de se estranhar, que hoje em dia ele esteja a trabalhar na empresa Oculus. Tornar os jogos de primeira pessoa mais realistas era o próximo passo a ser dado por esta equipa. Ao melhorarem o motor do jogo anterior, Wolfenstein 3D, possibilitaram que as paredes pudessem fazer ângulos diferentes de 90º, a altura do chão e do tecto também podia ser alterada, e isto tudo deu-lhes a possibilidade de construir escadas e elevadores.

Mas uma das novas características, e mais importantes em Doom, era a possibilidade de alterarmos a intensidade da luz em secções diferentes. Quem têm conhecimentos cinematográficos, sabe o quão importante isto é para criar ambientes mais atmosféricos. Esta era a oportunidade perfeita para criar algo aterrorizante. Baseado-se em filmes como Alien – O 8º Passageiro e A Morte Chega de Madrugada, o videojogo tornou-se numa aventura, passada nas bases lunares de Marte, que graças a experiências cientificas de ética duvidosa, tinham sido invadidas por demónios. Esses iam distorcendo a realidade, e a arquitectura de ficção cientifica do jogo ia aos poucos tornando-se algo medieval e infernal.

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Seguindo essa ideia, o artista Adrian Carmack construiu modelos monstruosos no mundo real e digitalizou-os para criar o aspecto dos monstros no jogo. O mesmo foi feito com outras texturas e componentes, usando fotografias de locais reais, de armas verdadeiras e de brincar, entre outros objectos. John Romero e outros programadores fizeram os mapas do jogo usando filosofias de design de outros jogos, como The Legend of Zelda, fazendo o jogador percorrer o mesmo local mais de uma vez, mas agora tendo adquirido chaves para destrancar novos caminhos. Este também utilizou vários tipos de armadilhas, que despejavam inimigos atrás do jogador, para nos assustar e nos colocar em pânico.

Os seus níveis, estavam divididos em três episódios, cada um com 9 mapas (um deles sendo secreto). Na pele de um soldado espacial, e equipado com apenas um pequeno revolver e uma soqueira, o jogador tinha como objectivo voltar ao seu planeta natal, passando pelo inferno no caminho. Havia todo o tipo de adversários pelo meio: zombies, almas penadas, demónios que lançavam chamas ou usavam as suas poderosas mandíbulas para te cravar os dentes, entre outros… Esta nova temática deu à equipa de desenvolvimento, uma maior liberdade criativa, em comparação com os soldados nazis da franquia de Wolfenstein.

O tipo de arsenal que podemos adquirir aqui, é também mais variado do que no Wolf3D. Pelo que tivemos direito a moto-serras, metralhadoras rotativas, que usavam as balas de forma mais eficiente, espingardas para alvos próximos, lança-misseis para os monstros mais resistentes, e outras armas futuristas com padrões de disparo únicos.

A jogabilidade é simples mas rápida. Ctrl para disparar, a Barra de Espaço para interagir com objectos, movemos a personagem para frente e para trás e a câmara para a esquerda e direita, e combinando com o botão Alt podemos esquivar lateralmente. Já nesta altura, tínhamos liberdade para modificarmos os controlos, pelo que rapidamente o esquema evoluiu para a combinação WASD mais rato, que agora usamos habitualmente. No entanto, ainda a nível de controlos, aqui não existiam saltos nem agachamentos, pelo que para ganhar, era preciso disparar rápido e sair do caminho dos ataques dos adversários.

Também foram introduzidos outros elementos novos ao género neste jogo, que hoje damos como garantidos, como armaduras que cortam a quantidade de vida que perdemos, power-ups de força, invencibilidade temporária, visão nocturna e até o simples dos mapas para vermos onde estamos.

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Mas esta é só a cobertura do bolo, agora vamos entrar no recheio que realmente colocou Doom no seu pedestal. Um terço do videojogo, foi distribuído de forma gratuita pelos quadros de mensagem na rede, garantindo que toda a gente tinha ouvido falar do mesmo. Agora era possível ligar quatro computadores para jogarmos com outras pessoas em modo cooperativo ou num modo competitivo de eliminação dos outros jogadores, chamado Deathmatch. Sim, foi aqui que começou o género mais popular de tiros em primeira pessoa online.

Também foi aqui o inicio da cultura dos mods, das modificações pessoais no computador, sendo que o software estava adaptado a receber ficheiros externos, com mapas e recursos simples diferentes dos de origem. Mais tarde o código de jogo foi lançado para o publico possibilitando modificações mais complexas, como por exemplo, colocar motores de jogo mais modernizados a correrem o jogo em desde smartphones a impressoras (não, não estou só a dramatizar). Ainda hoje, todos os dias, é gerado conteúdo novo para este videojogo, pelo que nunca houve uma longevidade de um único produto tão expansiva na historia do entretenimento como a deste Doom.

Com os tipos de fato e gravata, mais preocupados em criar FPS lentos e exageradamente cinemáticos, para vender em plataformas diferentes, o oposto com  alicerces bem assentes na terra, é sempre bem vindo. e com experiências novas disponíveis sem pagar na Internet, surge sempre uma boa oportunidade para voltar. Doom ainda hoje consegue resistir à passagem do tempo.

A versão original deste jogo tinha de ser encomendada pelo correio, mas hoje em dia podemos comprar a versão de retalho do jogo, com novos extras, em varias lojas de distribuição digital, como a Steam ou GOG.com, chamada The Ultimate Doom. Em alternativa podemos adquirir outras sequelas que usam em grande parte os mesmos recursos, como Doom II ou Final Doom, e fazer download de motores do jogo modernizados como ZDoom ou o mais purista Chocolate Doom.