Às vezes, é bom fazermos uma paragem da correria que é andarmos atrás de todos os títulos AAA que queremos jogar. É verdade que todos os meses somos bombardeados com lançamentos muito antecipados, mas também é verdade que no meio de tanto jogo, em que muitos acabam por não corresponder ao nosso ritmo frenético e expectativas, podemos estar a perder algo realmente muito melhor. 

Jogos indie são assim, passam-nos muito ao lado, dado a um marketing mais contido. Mas, mesmo assim, recordo que, no ano passado, o jogo que mais me marcou foi, sem dúvida, Animal Cro– não, foi mesmo algo tão imenso de emoção como foi a aventura de Roki. Por sorte, calhei a dar um pontapé numa pedra e de lá veio essa preciosidade que nos fez transbordar de emoções pelos olhos. Eastward, o título que te trago hoje, pode não ter essa facilidade em chegar às nossas emoções e tocá-las como um violino mas, sem sombra de dúvida, foi igualmente um achado, uma aposta que fiz no escuro, e que me tocou como uma música muito especial a soar no coração.

Eastward é desenvolvido pela Pixpil e publicado pelos nossos amigos da Chucklefish, uma editora que venho a crescer a admirar por preciosidades como Stardew Valley, Risk of Rain, War Groove, Starbound, e agora também esta nova obra que se vem juntar à família. Pois então, estamos perante um RPG, como não podia deixar de o ser, mas um RPG que vive dentro do ecrã, e nos puxa para uma zona de conforto que, para mim, foi uma escapatória perfeita a tempos mais conturbados em que precisei de relaxar e jogar algo realmente para me divertir e apenas divertir. Começar qualquer partida, foi como se o meu cérebro entrasse imediatamente em modo férias, de forma tão implacável deixa-nos relaxar e quando damos por nós, só queremos estar ali a jogar e a continuar a jogar.

Muito deve-se por facto ao conforto visual que é o grafismo pixel art empregue no tratamento de Eastward, mas também ao regalo para os olhos que é estas cores vibrantes e harmoniosas que nos preenchem o ecrã. Surpreendente, acima de tudo, é o nível de detalhe das expressões e animações cheias de vida e totalmente inesperáveis. Prova disso é por exemplo não ser necessário iniciares conversa com um certo NPC para perceberes que é o próprio Miyazaki ali representado naquela personagem. Há, por um lado, uma espécie de assinatura indie, nostálgica e retro que vai crescendo e crescendo, e há por outro uma dedicação imensa a trazer estas personagens e a sua história para a vida. Mas o casamento que culmina nesta obra de arte é, ainda, fortificado pela cereja no topo do bolo: a banda sonora composta por Joel Corelitz. Esta é ritmada por registos eléctrónicos synthwave que marcam o espírito retro aqui revivido, e num par de horas deixam-te tão familiarizado com as suas músicas que tens a sensação de já teres ouvido isto em algum lado.

Não costumo escrever uma análise sem começar pelo enredo, para dar ao leitor uma pespectiva de onde se coloca no mundo onde está prestes a entrar de paraquedas, mas achei mesmo necessário este enquadramento inicial do nível de conforto que é inserires-te neste plano. 

Já a nível de história, esta tem um tom misterioso que nos alimenta capítulo após capítulo por mais que possamos pensar que o pior já tenha passado. Quando abrimos o jogo pela primeira vez, e todas as consequentes, somos recebidos por uma animação cinemática que nos mostra algumas das personagens excêntricas e do complicado enredo que iremos desembrulhar, e não posso deixar de a associar um pouco em certos aspectos a Ratchet & Clank: Rift Apart em termos de ambiente. No entanto, a história com que começamos a nossa senda está muito longe do que vemos na premissa daquela curta animação inicial.

Iniciamos o nosso caminho nas profundezas de Potcrock Isle, nos subúrbios de uma cidade existente a milhares de metros debaixo do chão e onde a humanidade subsiste à base do trabalho nas minas. Falar de um mundo acima do solo é heresia, mas tudo o que as lendas contam é que eventos catastróficos que envolveram a Humanidade, conseguiram destruir o mundo como era conhecido e torná-lo inabitável à superfície. No entanto, a nossa pequena Sam sonha em conseguir conhecer esse lugar. Esta é uma criança que John encontrou algo perdida na rua e acolheu no seu lar. Ambas as personagens são controladas por nós, e como podes imaginar, retêm um vínculo muito forte como que se de uma família se tratassem. 

John é muito resiliente e comporta uma robustez física que o possibilita superar qualquer ameaça que se atravesse no seu caminho, de frigideira na mão. Embora ao longo do jogo consigamos mais armas, nomeadamente para longo alcance, sem dúvida que a frigideira é a rainha da pancadaria que o jogador distribuí contra os pequenos inimigos que encontram no seu caminho. No entanto, os bosses por si, já irão requerer alguma astúcia e pensamento estratégico em relação às ferramentas que temos em mãos.

Sam é igualmente resiliente, mas a força física que lhe falta é compensada com uns poderes misteriosos que lhe permitem dar stun a inimigos ou limpar o ambiente em volta. Com uma forte admiração por John, é de mencionar que vejo a Sam como uma versão re-imaginada da Ametista de Steven Universe – e, agora que o mencionei, tu também! Como já seria de esperar, o seu sentido aventureiro e poderes estranhos, levam-na a meter-se em todos os sarilhos possíveis, mas na sua ânsia por descobrir esse tal mundo acima do solo, o que será que John e Sam irão encontrar? Deixo para a tua imaginação antes de jogares por ti mesmo.

Assim como as animações surpreendem pelo detalhe vivo que inspiram, também o enredo nos surpreende com a profundidade do que vamos aprendendo com os papéis das personagens com que nos cruzamos. Pensar que este jogo começou por ser feito apenas por um trio de elementos no pequeno estúdio chinês Pixpil é mesmo algo surreal, não é? Mas ainda há mais alguns ingredientes que quero aqui destacar.

Earth Born

Apesar do pequeno espaço inventário a que temos direito, é de mencionarmos a clara inspiração em The Legend of Zelda: Breath of the Wild no que toca à parifrenália da cozinha. John pode até só carregar três coisas inicialmente, que te serão úteis a meio das batalhas, mas o Homem consegue carregar noutro dos seus bolsos batatas, alhos, cebolas, cogumelos, como se estivéssemos a jogar Skyrim. Contudo, para usarmos estes ingredientes temos de os combinar e cozinhar, e o estilo de animação aqui utilizado, e apresentação do prato resultante, todo esse tratamento faz sim, lembrar o famoso Bafo Selvagem que lançou a Nintendo Switch.

Uma coisa curiosa também é umas certas palavras portuguesas que aparecem pelo meio do jogo, como o nome de um edifício, o nome de uma personagem… é simplesmente curioso e sem razão aparente. Pensarão eles que terão inventado essas palavras?

Algo que me entreteve, para aí umas 3 horas de jogo, e no entanto não tem qualquer impacto no jogo, é por exemplo o jogo dentro do jogo, totalmente jogável. Earth Born é algo criado muito à semelhança e inspiração nos títulos RPG que se estrearam na NES. No entanto este pequeno jogo esconde algo por trás, com uma história muito semelhante à que é contada nas lendas que deram origem ao mundo de Eastward. Para os mais nostálgicos por JRPGs dos velhos tempos, esta passagem é encantadora.

Eastward foi, de facto, uma caixinha recheada de surpresas, e já está disponível para Nintendo Switch e na Steam para PC.

CONCLUSÃO
Surpreendente, caso ainda não tenhas percebido.
8
Joana Sousa
Apaixonada pelo mundo do cinema e dos videojogos. A ficção agarrou-me e não me largou mais! A vida levou-me pelo caminho da Pós-Produção, do Marketing e da organização de Eventos de cultura pop, mas o meu tempo livre, dedico-o a ti e à Squared Potato.
eastward-analiseEastward é um jogo absolutamente surreal, no bom sentido. Pensar que foi começado com uma pequena equipa de 3 indivíduos e que no entanto tornou-se neste produto, qual tudo o que o compõe detém um profundo nível de detalhe é no mínimo merecedor de uma passagem pelos The Game Awards deste ano. Louvável e aconselhável, especialmente se precisares de um jogo de escape da rotina.