Se existe género de jogo, cuja mistela semântica originou o termo Metroidvania (amálgama já conhecida das franquias Metroid e Castlevania) mais completo eu ainda estou por descobrir. Atenção que não estou aqui a confessar um singelo favorito, mas sim uma constatação quase factual: Metroidvanias, para os novatos, são videojogos com mundos interligados, enfatizando a exploração onde vários acessos estão, frequentemente, barrados por vários obstáculos. Estas barricadas só são ultrapassadas mediante aquisição de um novo poder ou item, correlacionando vários aspectos criticáveis, como jogabilidade e level design, num só pacote.
ENDER LILIES: Quietus of the Knights apresenta um mundo ficcional e sombrio, palco perfeito para todas as comparações com os Dark Souls desta vida, assim como tudo o que é dark fantasy em subgénero. A narrativa segue Lily, sacerdotisa inocente e amnésica, portadora de um ar angelical e inofensivo onde, após o seu acordar, um espírito – Umbral Knight – desenrola o tapete de boas-vindas e informa o seu dever: ficar a seu lado para sua protecção. Isto serve como gancho para resgatar a atenção do jogador, apesar de ser um clichê há muito conhecido no meio.
Tanto a Adglobe como a Live Wire, em conjunto com a editora Binary Haze Interactive demonstram ser grandes fãs da narração encontrada em Dark Souls. No entanto, para sua infortúnia, as técnicas aqui empregues são semelhantes, à excepção das ocasionais cinemáticas, narradas em pseudo-poesia trágica e por várias (várias!) cartas perdidas pelo mundo fora. Quero com isto dizer que, apesar de ENDER LILIES ser suficientemente compreensível, pelo menos no que diz respeito às duas personagens principais – Lily e Umbral Knight – prefere complicar tudo o resto, transformando o que poderia ser simples e emocional em complexo e enigmático. No entanto, sendo completamente honesto, a caracterização de Lily é excelsa dentro da área de protagonistas silenciosos.
Mais forte que a narração é, sem dúvida, a jogabilidade inspirada em elementos de ambos os subgéneros Metroidvania e Soulslike. Neste caso em específico o combate em ENDER LILIES acontece indiretamente, via manifestações psíquico-espirituais ou, noutros termos, Stands! Sim. Estou a referir os espectros populares encontrados em JoJo’s Bizarre Adventure. Durante o decorrer da aventura estes fiéis espíritos lutam em lugar da Lily, desferindo golpes a torto e direito. Chega quase a ser button mashing, mas não por completo, alguns inimigos exigem esquivas atentas e ágeis, outrora a consequência resulta em morte prematura. Conclusão: um sistema divertido que consegue traduzir algumas nuances Soulslike num plano bi-dimensional.
Fora do combate entra em destaque o elemento Metroidvania na equação. O level design, embora magistralmente desenvolvido, sofre de um mal comum dentro deste subgénero: a monotonia do retrocesso aquando aquisição de novos poderes. Felizmente a solução encontra-se bem aplicada: as recompensas pelo recuar são figurativamente tangíveis pois nunca uma viagem em ENDER LILIES é vista como redundante. Curioso é o reparo que este título consegue ser mais Soulslike que Metroidvania até neste aspecto, não fossem vários elementos como as respites (bonfires) ou prayer heals (estus flasks) amalgamarem-se como mecânicas vinculadas à cartografia tão reconhecida do género. É uma mistura bem-vinda e uma lufada de ar fresco para algo que começa já a ser pastilha mastigada, regurgitada e mastigada de novo. Obrigatório é, no entanto, fazer este reparo: videojogos Soulslike são muito semelhantes a Metroidvanias, mas o inverso não se constata tanto assim.
Infelizmente a provação de Lily é uma de vasta solidão. ENDER LILIES preenche as vistas com um estilo artístico gótico que roça a estética de um conto de fadas, mas nunca com a mesma piléria de um público secundário com quem interage, algo recentemente comum no género do título em análise. Entenda-se que o mundo aqui exposto é sombrio e solitário, algo que está em concordância com a narrativa mas caramba, não restou mais ninguém no mundo para dois dedos de conversa? No entanto, pondo de parte por momentos esta queixa (in)significante, os meios pelos quais Lily atravessa conseguiram infligir um misto de emoções em mim: terror e claustrofobia num domínio infestado por aranhas gigantes, perdido numa espécie de laboratório subterrâneo, entre outros! É um desígnio extremamente bem concretizado.
Não obstante a carne para canhão ser apenas isso, os bosses encontrados em ENDER LILIES são intimidatórios, diversificados e em certa medida desafiantes. À boa medida de um Soulslike cada inimigo desta categoria assemelha-se a uma dança contemporânea europeia: coreografada e praticada. A possibilidade de enfrentar estes desafios sem treino prévio é possível, mas exige uma capacidade de reflexo enormíssima. Frustrante que isto pareça é, na realidade, um bom prelúdio para quando a vitória está nas nossas mãos: o nostálgico sentimento de vitória preenche-nos, relembrando o quão doce consegue ser o desafio na medida certa.
Antes de terminar a análise a este colosso em ponto pequeno destaco também a música: vários são os momentos onde a banda-sonora enche e transborda de emoção. The Witch’s Breath, por exemplo, relembra muito a Amusement Park de NieR:Automata; um elogio exímio por si só dado que é o meu dez-dez pessoal. A Holy Land, noutro registo, é uma construção soberba em piano que tanto lembrou Shin Megami Tensei como Code Vein. Harmonious, cuja partitura é toda ela emocional, quase funciona como uma extensão da própria Lily, protagonista silenciosa até à letra, mas que consegue cantarolar num tom melancólico como só uma criança pura e inocente, num mundo devastado e sombrio, o consegue fazer. Poderia concretizar mais reflexões, mas deixo o restante para vossa descoberta.