Era eu apenas uma criança com a sua Playstation quando me deparei com Final Fantasy VII, que me teria sido gentilmente emprestado, juntamente com outro jogo de grande importância, o Final Fantasy IX.

Sem sequer ainda ter iniciado os jogos, o facto de ambos estarem em caixas enormes com múltiplos discos já era surreal para mim, mas o meu cérebro em crescimento não estava deveras preparado para o que vinha. Ao colocar o disco na consola e visualizar no ecrã da minha CRT o esplendor de qualquer um dos 2 jogos, eu nem sabia como processar o que estava a acontecer. Nunca pensei que fosse possível criar um jogo daquele calibre, com um design de personagens e um mundo tão únicos.

Hoje trago-vos Final Fantasy VII Rebirth, a segunda de três partes do remake extremamente ambicioso da equipa de Tetsuya Nomura, que nos vem servir como, nostalgicamente, uma espécie de segundo disco do jogo. Será que conseguiram manter ou elevar os padrões de qualidade face à primeira parte? Eis que estou aqui para responder a essa questão.

A missão para salvar o mundo

Depois do final climático e intenso da primeira parte, a segunda parte carrega nos travões a fundo e diz-nos para controlarmos o carro apenas com a embraiagem ao início. Começamos com uma sequência de flashbacks relacionados com o passado de Cloud e Tifa em Nibelheim, onde Cloud conta ao grupo a sua história, e o jogador controla o protagonista durante esta secção inicial. Depois desta introdução, temos o nosso protagonista a acordar em Kalm, onde a nossa aventura começa.

A história, desta vez, atinge uma ambição muito superior à primeira parte. Não só temos a premissa geral que dá um objetivo ao grupo inteiro, também temos um foco enorme em dar importância às várias personagens do grupo, dando-nos revelações dos passados das mesmas. Apesar de termos o Nomura presente na direção do jogo, a história mantém algum nível de coerência (que é do agradecimento de muitos, deduzo), cheia de momentos emocionantes que, sem dúvida, irão deixar os fãs do original com os olhos a brilhar.

Artisticamente belo, tecnicamente limitado

Comparado com a primeira parte, temos algumas melhorias comparando com a primeira parte. Os modelos das personagens foram melhorados, com o grupo a usufruir de um detalhe e textura de materiais extremamente altos, com animações suaves e com transições naturais e fluidas. Os cenários são ricos em detalhe geométrico e vários objetos e decorações. A cidade de Kalm é bela e imersiva, mas quando o jogador sai da cidade para uma introdução à Legend of Zelda: Breath of the Wild das planícies verdes das Grasslands, aqui percebemos o quão ambicioso este projeto verdadeiramente é. Os cenários estendem-se muito acima da primeira parte, e a introdução de zonas florestais como as Grasslands dão um novo grau de complexidade artística e técnica aos visuais do jogo.

Infelizmente, nem tudo é perfeito, e deparei-me com algumas inconsistências técnicas que, em certas situações, podem “sujar” por completo o trabalho artístico fenomenal do jogo.

A iluminação do jogo é inconsistente, sendo mais notável com interiores, onde há falta de sombras realistas nos objetos, fazendo com que haja muitas situações de objetos que parecem “brilhantes” e que estão a flutuar no espaço. Juntamente com isto, algumas texturas no cenário apresentam-se numa qualidade aquém do resto do jogo, com uma resolução bastante baixa, quebrando por completo a coerência da apresentação.

Outro ponto importante, o jogo apresenta-nos 3 modos, um de gráficos e 2 de desempenho. O modo de gráficos é sólido, com uma imagem clara e nítida, mas detém de movimento pouco suave, devido à inexistência de motion blur no movimento da câmara. Os modos de desempenho mantêm os 60 fps com bastante estabilidade, mas sofrem de um problema que, nos dias de hoje, não devia acontecer. A solução de upscaling usada pela equipa é bastante datada, e, apesar da resolução interna não ser muito baixa, o jogo apresenta-se completamente desfocado, fazendo com que detalhes como cabelos, caras de personagens e vegetação fiquem completamente repletos de artefactos visuais. Nas cinemáticas, o problema é menos aparente, mas, quando tentei jogar com esse modo por pouco mais de 1 hora, deparei-me com os olhos cansados de tanto estar a encolhê-los para poder discernir os detalhes no ecrã. Isto é o caso para ambos os modos de desempenho, que não demonstram grande diferença entre eles.

Isto obviamente não é um caso aceitável para um jogo AAA deste calibre, pelo que, para quem estiver interessado a jogar o jogo a 60 fps, aconselho vivamente a esperar por atualizações, pois este problema tem solução, e deduzo que a equipa irá certamente tornar o modo em algo competente e viável.

Um mundo inteiro para explorar

A grande adição nesta segunda parte vem de uma espécie de mundo aberto ao dispor para explorar. Dividido entre várias zonas, temos uma série de mapas enormes com várias atividades para explorar, utilizando como base a jogabilidade já familiar da primeira parte, juntamente com umas melhorias e adições interessantes.

Começando pelo combate, temos aqui o mesmo sistema híbrido que nos deixa controlar as personagens e atacar em tempo real, com a possibilidade de executar habilidades e magias pausando o jogo e selecionando no menu, desde que tenhas AP suficiente para o mesmo. Estas habilidades e magias têm vários usos, podendo ser utilizadas para fazer bastante dano, ou para tentar abusar da fraqueza elementar de algum inimigo, podendo pressionar-lhe, deixando a barra de stagger do mesmo mais fácil de preencher com habilidades que aumentem a barra mais facilmente. Quando o inimigo fica staggered tentas atacar-lhe com o máximo de dano possível, aproveitando o multiplicador de dano que provêm do stagger do inimigo.

Esta jogabilidade provém da base implementada na primeira parte, mas foram incluídas algumas pequenas adições que nos dão mais fluidez e variedade. Começando por algo básico, todas as personagens usufruem agora de ataques únicos depois de darem dodge, sendo possível, por exemplo, de atacares um inimigo no ar com Cloud, deixando premido o botão de ataque depois de um dodge, fazendo com que o protagonista dê um salto até ao inimigo, dando para realizar combos aéreos.

Outra adição importante são as habilidades que podes fazer em conjunto com os membros do grupo, estas habilidades podem ser defensivas ou ofensivas, geralmente dando bastante dano, ou podendo até defletir e contra-atacar magias como bolas de fogo. Quando uma personagem usa habilidades, a mesma vai preenchendo uma série de barras azuis adicionais, que podem ser utilizadas para realizar Sinergy Attacks. Estes ataques são extremamente poderosos, que juntam 2 membros num ataque ou animação cinematográfica espetacular. Os Sinergy Attacks têm várias vantagens, como dar-te uma barra extra de AP, ou aumentar bastante a barra de stagger do inimigo.

Estas adições acrescentam uma variedade saudável ao combate, tornando-o mais dinâmico e divertido. O facto de agora termos as personagens do grupo a cooperarem e atacarem em conjunto com Sinergy Attacks e habilidades únicas faz com que o grupo pareça mais próximo que na primeira parte, com uma sensação natural de cooperação e confiança que foram adquiridos com as aventuras que se passaram.

Algo que também se transferiu do primeiro jogo foram as secções lineares, geralmente se apresentando como dungeons com vários puzzles básicos como mexer transformadores para poder ter distância suficiente no cabo para conetar uma máquina, que depois ativa algo para poder avançar. Estas dungeons detêm o design competente já presente no primeiro jogo, sendo que, se não está estragado, não vale a pena arranjar.

Onde o jogo se difere são nas novas zonas de mundo aberto que irás ter a possibilidade de explorar durante a tua aventura. Estas zonas estão repletas de atividades e missões secundárias, sendo todas de caráter opcional. As atividades desta zona são bastantes, pelo que irei só exemplificar algumas. Temos atividades focadas em combate, como matar uma série de inimigos realizando uns objetivos específicos, como dar stagger ou evitar algum ataque específico. Atividades mais passivas relativas a minijogos de carregar nos botões num ritmo ou tempo específico com as lifesprings e os cristais das várias evocações que podes fazer. Estas atividades são de caráter simples e já bastante comuns no género, mas são uma boa distração e descanso entre as secções da história. O meu pequeno problema com estas atividades detém do tempo de espera após as completares, onde o jogo apresenta-nos na interface o progresso que fizemos na área ao completar a zona, sem nos deixar movimentar ou fazer qualquer ação durante o processo, resultando em cerca de 15 a 30 segundos de tempo de espera por cada atividade concluída.

As missões secundárias são de interesse variado. Estas apresentam-se como pequenas histórias simples onde o grupo ajuda os vários NPCs presentes no mundo. Geralmente as missões envolvem situações como seguir um cão para o mesmo fazer uma entrega, protegendo-o de qualquer perigo no caminho, ou ajudar uma pessoa a encontrar um certo tipo de ingrediente. As missões apresentam objetivos e premissas simples, sendo geralmente bem divididas em grupos de 3 a 5 missões secundárias por cada capítulo do jogo.

Por vezes, serão introduzidos minijogos com pontuações, dando vários prémios ao jogar como equipamento e dinheiro. Estes minijogos são variados, como disparar com uma espingarda para vários alvos num tempo limite, ou algo como um duelo de boxe onde terás de te esquivar dos ataques do oponente e atacar-lhe quando o mesmo apresenta uma falha na sua defesa.

Estes minijogos são divertidos em si, mas, infelizmente, muitos dos mesmos são apresentados durante a história, do qual somos obrigados a ter de os jogar, interrompendo por completo o ritmo e a urgência da mesma. Este problema seria menos impactante se não fosse tão focado em várias horas da história, estando presente em cerca de 3 a 4 capítulos seguidos, algo que me deixou aborrecido por vezes.

Durante a história, temos a presença de vários bosses climáticos. Estes bosses apresentam uma qualidade comparável com a primeira parte, usufruindo de uma cinematografia impressionante e utilizando as mecânicas de combate presentes de uma forma competente e satisfatória.

Final Fantasy VII Rebirth é verdadeiramente ambicioso, com conteúdo que ultrapassa a primeira parte por mais do dobro das horas. O mais impressionante é a liberdade que é dada ao jogador, sendo até possível nunca ingressar em qualquer atividade de mundo aberto, seguindo apenas a história de uma forma completamente linear. A meu ver, o conteúdo opcional pode-se tornar um pouco cansativo, mas, devido à sua vertente completamente opcional, trata-se apenas de conteúdo extra que o jogador pode optar em completar assim que é introduzido, ou até deixar para depois de acabar a história, utilizando o menu de seleção de capítulos que é disponibilizado após o final do jogo.

Um pequeno pormenor a acrescentar relativo à acessibilidade. O jogo não usufrui de quase nenhuma opção de acessibilidade, sendo algo bastante decepcionante. Não houve esforço para sequer incluir uma opção de alterar os controlos, estando o jogador preso ao que a equipa decidiu, o que não faz qualquer sentido nos dias de hoje.

Um musical nostálgico e emocionante

Para surpresa de ninguém, as composições presentes nesta segunda parte são do teor mais alto da indústria. As melodias icónicas que definiram uma geração inteira de consolas e inspiraram inúmeros jogos são-nos apresentadas da forma mais bela e respeitosa possível, com uma orquestra talentosa e uma gravação de topo. Não há música como a música de um Final Fantasy, e quando se trata de um aglomerado das melodias mais icónicas do género do JRPG, Final Fantasy VII moderniza e evolui as obras criadas pelo fantástico Nobuo Uematsu de uma forma simplesmente fenomenal.

Agradecemos à Ecoplay por nos ter cedido uma chave do jogo para análise.

CONCLUSÃO
Re-evoluído
9.5
final-fantasy-vii-rebirth-analiseFinal Fantasy VII Rebirth eleva a segunda parte deste projeto para um patamar extremamente ambicioso. Apesar das limitações técnicas apresentadas pelo motor, e alguns tropeços de ritmo na história, Tudo culmina num produto que nos traz o melhor balanço de combate, história e level design da série.