Muitos podem relacionar-se com a experiência de evitar spoilers. Ficar de fora das redes sociais, afastando-se de amigos e ou colegas de trabalho que estão discutindo um desenvolvimento recente, ou publicando artigos reveladores… Mas a psicologia dos spoilers tem algo a dizer sobre isso.
A principal razão para este clima de eremitismo social é pelo simples factor surpresa, ou seja, evitar saber elementos da história para este elemento se manter intacto. Porém, às vezes, há pouca lógica nestas crenças e no nosso comportamento. Por exemplo, não soubermos o que vai acontecer será assim tão crucial para desfrutarmos de algo? Então porque vemos séries/filmes ou jogamos a jogos que gostamos mais do que uma vez?
A Psicologia dos Spoilers
Pode ser uma surpresa, mas a exposição a um spoiler pode levar alguém a desfrutar ainda mais de uma história e dos seus desenvolvimentos.
Uma explicação possível tem a ver com o conceito psicológico de “fluência”. Quanto mais fluente é algo, seja uma história, uma música ou um acontecimento, mais fácil será de processar e entender. Estudos de psicologia demostraram que quanto mais fácil algo for de processar, maior será a probabilidade de gostarmos.
Uma maneira pela qual a fluência pode tornar uma história mais agradável é que reduz a necessidade de fazer inferências sobre onde a história está a ir ou o que uma personagem está a pensar ou a sentir. Provavelmente, já experenciaram este elemento, inconscientemente, ao ouvirem música. Na primeira vez que a ouvimos, por vezes, não a achamos nada de especial. Mas depois desta se tornar mais corrente e familiar podemos antecipar e prever como se desenrolará, percebemos que realmente gostamos, isto porque a música se tornou mais fluente.
Ou seja, se uma fluência por si já for alta, os spoilers geralmente não terão efeito em desfrutarmos de algo, isto porque já estamos situados no seu ambiente. Evitar obsessivamente qualquer coisa pelo potencial de revelar uma reviravolta no enredo é um pouco injustificado. Provavelmente, porque apreciaremos o media qualquer das formas.
No Final, Depende do Jogador
Mas e se estivermos convencidos de que fomos expostos a um spoiler antes e isto realmente arruinou a nossa experiência? O psicólogo Benjamin Johnson apoia a ideia de que a maneira como respondemos aos spoilers pode depender da nossa personalidade.
Estes separam-se “na necessidade de cognição e na necessidade de afecto”. Pessoas com alta necessidade de cognição gostam de pensar e tendem a procurar actividades cognitivamente exigentes, como palavras cruzadas. Analogamente, indivíduos com muita necessidade de afecto gostam de sentir e tendem a buscar actividades emocionais, como assistir a vídeos emocionantes ou outras actividades que evocam emoções. Embora esses dois traços de personalidade pareçam opostos, estão ligados.
Psicólogos concluíram que pessoas com uma grande necessidade de afecto tendem, em média, a desfrutar de histórias intocadas mais do que histórias estragadas. Isto pode acontecer porque desfrutam de experiências emocionais que beneficiam mais da incerteza e da antecipação de não saber o que vai acontecer.
Como parte deste estudo, foram apresentados aos vários indivíduos uma breve descrição de várias histórias e perguntaram aos mesmos o quanto gostariam de ler. Algumas dessas descrições continham spoilers e outras não. Curiosamente, os pesquisadores descobriram que os estudantes com pouca necessidade de cognição tinham, em média, maior probabilidade de querer ler as histórias. Isto pode ocorrer porque os alunos esperavam que as histórias estragadas fossem mais fáceis de processar. No entanto, esses alunos, mais tarde, gostaram de ler igualmente histórias “estragadas” e intocadas. Noutras palavras, neste caso, as intuições desses estudantes que achavam que iriam gostar mais de histórias estragadas estavam erradas.
Outros Factores a Ter Em Conta
Também é preciso situar outro grande elemento dentro de um spoiler: o contexto. Muitas vezes ao sabermos de um desenvolvimento, ou enredo, desconhecemos o seu efeito contextual. Aqui vou pegar no exemplo do infâme spoiler que toda a gente conhece, a morte da Aerith no Final Fantasy VII de 1997.
Sabiam que, desde a primeira hora, este impactante spoiler esteve presente? Isto porque bastaria rodar a caixa do jogo e tínhamos uma imagem com o Cloud junto do corpo inanimado da sua companheira, mergulhando-a nas águas da cidade dos antigos. Ou seja, o spoiler esteve lá o tempo todo. No entanto, como o contexto era desconhecido, não teve impacto. Traduzindo este pequeno exemplo no mundo actual, muitas vezes, ao publicarmos imagens, ou sabermos de desenvolvimentos prévios, não deveria destruir esta experiência. Isto porque não conhecemos o seu contexto, ou onde a sua narrativa se insere.
Apenas temos indicadores, mas com base nesta, por vezes, a nossa experiência pode ser incrementada. Por sabermos que um acontecimento pode surgir, mantendo-nos mais vigilantes, com uma certa dose expectativa, e sabendo que o nosso tempo empregue nesse media será recompensado.
De certeza já sentiram aquele factor surpresa desagradável quando um meio de entretenimento não correspondeu às expectativas impostas. Sabermos de antemão um acontecimento pode evitar perdermos o nosso tempo ou dinheiro com o mesmo.
Por vezes, a nossa espectativa prévia em algo também pode ser um aliciante de surpresa. Pegando, novamente, em Final Fantasy VII, mas desta vez no seu recente Final Fantasy VII Remake, este efeito foi realizado de uma maneira absolutamente sublime. O jogador sabe de antemão o que vai acontecer, mas como foram inseridos os Whispers/Feelers e estes modificaram certos elementos-chave da história, obrigaram o jogador a questionar as suas intenções numa história previamente estabelecida, transmitindo mais valor e surpresa não pelo desconhecido, mas sim pelo conhecido e expectável.
Conclusão
Penso que as crenças quanto a spoilers são demasiado exageradas, fazendo mesmo questionar a certos indivíduos se realmente queriam assistir, ler ou jogar a algo. Se um acontecimento, ou acontecimentos, for prejudicial para desfrutarem de um destes meios de entretenimento, então algo está mal.
Este efeito foi retratado exemplarmente pelos célebres humoristas Gato Fedorento, onde estão algumas pessoas numa fila para um filme de cinema, e passa um individuo e diz: “Este filme enquadra-se no expressionismo alemão dos anos 30!” De uma força exagerada, o resto da fila à porta da bilheteira fica desanimado, e já não vai ver o filme.
Mesmo sendo de uma forma humorística, este é o efeito que muita gente tende a revelar exageradamente ao afastar-se das redes sociais, ou outros comportamentos, simplesmente para evitar que a sua experiência seja violada. Na minha óptica, saber algo de antemão não deveria constituir-se num elemento de dissuasão ou afastamento no desfrutar de qualquer obra, mas sim num elemento de expectativa e de descoberta.