Num mundo onde a indústria dos videojogos procura constantemente inovar e surpreender, algumas figuras destacam-se pela sua visão única e capacidade de despertar emoções profundas nos jogadores. Hidetaka Suehiro, é um desses nomes. Neste artigo, celebro a trajetória de SWERY e exploro como as suas obras me inspiram não apenas a jogar, mas também a escrever sobre a experiência de poder estar envolvido nesta indústria sempre com a curiosidade aguçada. Procuro dar-vos a conhecer um homem e as suas obras; um homem que acerta e falha, mas acima de tudo é um apaixonado por tudo isto, tal como eu e tu.

Altamente consumido pela cultura ocidental, Hidetaka Suehiro é um desenvolvedor de videojogos capaz de se reinventar constantemente após os seus controversos lançamentos, sem nunca perder a substância que repetidamente caracteriza as suas obras de culto. “Swery” como é apelidado pelo meio, já passou por imensas aventuras e algumas desventuras nesta indústria, tendo inclusive se retirando do meio em 2016 devido a alguns problemas com a sua saúde. Hoje, decido partilhar convosco um pouco da sua história, e principalmente os seus videojogos que tanto me inspiram e admiro. De Osaka para o mundo!

Swery começou na universidade de artes de Osaka, onde se formou numa carreira que tinha tudo para ser ligada ao cinema. Após a sua graduação, foi convidado pelo professor da universidade e respeitado director de cinema: Sadao Nakajima (falecido em 2023), a elaborar um roteiro como forma de mostrar as suas capacidades; algo que Swery ponderou.

Curiosidade Swery65 #1Presença nas Redes Sociais: Swery é extremamente activo nas redes sociais, especialmente no Twitter (X), onde interage com os fãs e compartilha pensamentos peculiares e observações do seu quotidiano.

Os videojogos da década de 90 já se encontravam a dar o salto gráfico de 2D para 3D, e Osaka era uma cidade muito bem representada no que de videojogos se tratava, já que alguns dos gigantes japoneses eram lá sediados: Konami, Square, Capcom, entre outros. A Playstation acabava de chegar muito recentemente ao mercado, e isto eram apenas algumas razões de se sentir atraído para uma pequena mudança na sua mentalidade.

E assim aconteceu; Hidetaka Suehiro ingressa na SNK, naquele que foi o seu primeiro emprego na indústria. O primeiro jogo em que trabalhou foi o título de luta Kizuna Encounter, onde participou no range de colisão (chamado hitbox) e alguns ajustes na inteligência artificial do personagem principal. Este era um projecto interessante, mas Swery desde cedo muito ambicioso, ansiava por mais; um título em mundo aberto que entregasse total liberdade ao jogador, infelizmente impossibilitado pela tecnologia da época, pela falta de fundos e pela sua inexperiência. Swery continuou a trabalhar da mesma forma: criar personagens e cenários para jogos como Last Blade, Last Blade 2 e Garou: Mark of the Wolves, este muito mais conhecido internacionalmente como um dos melhores trabalhos da SNK.

Foi então um pouco mais tarde, que Super Mario 64 chegou ao mercado, o ponto de viragem na mente do jovem Swery. A sua intelectualidade ficou abalada com o choque da tecnologia que esse jogo entregava, e era tudo o que sempre desejou fazer num videojogo; uma das suas grandes inspirações até hoje, na sua ambição pela criação destas obras jogáveis.

Três anos após trabalhar na SNK, entrou numa espécie de período sabático com a mentalidade de campeão: viver intensamente, até ficar sem dinheiro, literalmente. Sem planos; Snowboard, viagens, filmes e jogos, foi assim durante 6 meses até o dinheiro começar a fazer falta, e perceber que precisava de um novo emprego.

Swery regressa para trabalhar no desenvolvimento de um título de lançamento da consola mais impactante de todos os tempos, muito provavelmente. Extermination, um survival horror com conceitos muito interessantes e muito inspirado nos primeiros Resident Evil, na janela de lançamento da Playstation 2. Conseguem imaginar a pressão? A tarefa era imensa: a consola ainda não tinha sido concluída, e Swery já havia rebentado com a escala das especificações de desempenho. Quando a Sony corrigiu todas as especificações, tiveram que completar todas as correções em apenas 8 meses.

Foi no projecto seguinte que Hidetaka Suehiro teve toda a liberdade de director para criar um projecto em que se sentiu totalmente envolvido como um todo. Foi em Spy Fiction que Swery se introduziu com elementos de diálogo surreais e reviravoltas inesperadas na narrativa, algo que se tornou uma característica do seu estilo autoral de contar histórias. Embora o jogo tenha sido criticado por algumas das suas mecânicas e falta de originalidade em relação a outros jogos de espionagem da época, começou a ser notado pela sua abordagem única e humor excêntrico que perduram até aos dias actuais.

Curiosidade Swery65 #2Influência da Cultura Pop e Surrealismo: Os seus jogos frequentemente incorporam elementos da cultura pop, referências a filmes, séries de TV e música. Swery também tem uma inclinação pelo surrealismo, algo que se reflete em muitos aspectos das suas narrativas.

Spy Fiction foi um projecto de 6 pessoas, inexperientes, mas cheios de paixão. Pela primeira vez a equipa abordou conceitos como captura de movimentos, e dobragem em inglês, e o grande ADN de um jogo extremamente limitado, foi sempre o conjunto de ideias que forjaram uma personalidade excêntrica. Este foi curiosamente também o primeiro jogo de Hidetaka Suehiro enquanto fundador da Access Games, a pequena empresa de Osaka, região em que sentia diminuir na indústria de videojogos.

É em 2010 que chega o maior cult clássico da carreira de Swery, com Deadly Premonition, um jogo notável por ser um dos mais polarizadores já lançados. Dirigir Deadly Premonition foi um processo complexo para Swery, já que se baseou em procurar capturar a atmosfera da série de Twin Peaks, e adicionar a sua própria visão única. Esta abordagem excêntrica permitiu criar uma experiência que misturasse elementos de terror, investigação, comédia e surrealismo, resultando num jogo que é, ao mesmo tempo, amado por alguns e criticado por outros. É precisamente a singularidade de Deadly Premonition que o torna tão memorável e intrigante para os jogadores.

Zach, estamos sem dinheiro!

Deadly Premonition queria fazer tudo, e mais alguma coisa. O título apresentava um mundo aberto em que os personagens da cidade seguiam rotinas diárias. Os eventos do jogo ocorriam em tempo real, com um ciclo dia/noite, clima dinâmico e personagens estranhas com as suas rotinas e afazeres, independentemente do jogador. Não era algo novo de facto, Shenmue já o fazia muitos anos atrás, mas não com a peculiaridade das estranhas personagens que Swery decidiu colocar nesta obra; a começar pelo protagonista: Francis York Morgan. Também conhecido como York, é um agente do FBI com uma personalidade extremamente bizarra. Sagaz e inteligente, York conversa com um amigo imaginário chamado Zach, o que leva a algumas interações de rachar a rir ao longo do jogo. O jogo também quebra a quarta parede diversas vezes, com o personagem principal a falar directamente com o jogador. Esses momentos de quebra da quarta parede não quebram a imersão, e tornam tudo muito mais especial na excentricidade da obra.

Curiosidade Swery65 #3Swery e o Café: Swery é conhecido pela sua paixão por café. Frequentemente gosta de fazer referência a essa sua paixão nas suas redes sociais e até incluiu várias interações muito cómicas em Deadly Premonition.

O desenvolvimento de Deadly Premonition foi marcado por desafios e restrições financeiras, como tem sido padronizado na vida de Swery. O jogo teve um orçamento limitado, o que influenciou a qualidade visual e a jogabilidade. No entanto, a equipa fez o melhor com o que tinham e conseguiu criar uma experiência memorável em todos os quesitos; até na música. O tema principal do jogo, Life Is Beautiful, composta por Riyou Kinugasa, tornou-se icónica, e é impossível de a tirar da cabeça assim que a oiças.

Se tivesse que escolher o jogo perfeito para quem conhecer Swery, Deadly Premonition seria a única resposta correcta. Isto, devido à obsessão do director com as várias referências à cultura pop nos seus jogos, e aqui além de não ser excepção, é ainda dobrado, quiçá triplicado; com referências claras a filmes, séries de TV e música, que os jogadores podem descobrir enquanto exploram a cidade. O título foi lançado apenas para PS3 e Xbox 360 no ano de lançamento, e mais tarde, a versão Director’s Cut foi disponibilizada apenas para PS3, com melhorias na jogabilidade e gráficos, e com algumas cenas de corte estendidas que aprofundam a história.

Hoje, Deadly Premonition pode ser jogado em qualquer praticamente todas as plataformas disponíveis, e é considerado um daqueles jogos de culto, que fazias as coisas de forma tão má, que acabou por ser bom.

O seu próximo projecto teve várias peculiaridades, destacando a exclusividade com a Microsoft (Xbox One), e o seu formato episódico: D4: Dark Dreams Don’t Die foi parte de um esforço da gigante americana para atrair jogos exclusivos para a sua consola na sua janela de lançamento. Um título lembrado por sua singularidade, narrativa intrigante e visão única de Swery, apesar da sua conclusão abrupta.

Para quem jogou os títulos anteriores de Swery, D4: Dark Dreams Don’t Die era facilmente reconhecível como obra do director devido a muitas das curiosidades mencionadas acima, nos seus outros jogos. O jogo foi lançado em episódios, o que permitiu contar a história ao longo do tempo, semelhante a uma série de TV. A narrativa era dividida em capítulos, cada um explorando diferentes aspectos do mistério central. Cada episódio fornecia uma peça do quebra-cabeça na investigação do protagonista carismático, David Young, um ex-detective do Departamento de Polícia de Boston que possui a habilidade de recuar no tempo até momentos anteriores a eventos traumáticos. Com essa habilidade, David procura descobrir a resolução do assassinato da sua esposa, Peggy.

O seu estilo visual único, assemelha-se a uma novela gráfica, com personagens desenhados de maneira caricata e cores vibrantes. Essa característica distintiva contribuiu imenso para o charme muito único do jogo. Como seria de esperar à la Swery, a variedade de personagens caricatos e excêntricos são de um paladar único, cada um com a sua própria personalidade distinta e com papéis importantes para a narrativa.

D4 recebeu críticas geralmente positivas, e foi extremamente elogiado pela sua narrativa intrigante e estilo visual muito único. Apesar da interrupção do desenvolvimento, o jogo desenvolveu uma base de fãs dedicada que ansiava por uma resolução para a história nunca concluída. Foi uma enorme pena.

Em 2016, Swery anunciou que sofria de uma doença hipoglicémica severa, uma condição médica na qual os níveis de açúcar no sangue caem perigosamente baixos. Foi nessa altura que se decidiu afastar temporariamente da indústria de jogos e abandonar a Access Games, de forma a se focar na sua recuperação. O período de afastamento permitiu que Swery se concentrasse não só na sua recuperação, como em si mesmo, tendo de abdicar do segundo capítulo de D4, entre outros projectos. Foi mais um momento desafiador da sua vida, mas que conseguiu superar, dificuldades e retornar à indústria de jogos com sucesso, com a fundação da White Owls Inc.

A sede da White Owls Inc. está localizada em Osaka, no Japão, como não podia deixar de ser. Orientada por uma filosofia criativa que enfatiza a singularidade e a originalidade, o mesmo ADN que vem caracterizando Swery ao longo dos anos, que sempre acreditou que os jogos devem oferecer experiências únicas que se destaquem da norma, cativando os jogadores de maneira inovadora. A procura incessante por novas parcerias com outros desenvolvedores e editoras para trazer os seus futuros projectos ao mercado começaram, e o próximo projecto a ser lançado tem uma mensagem especial.

E foi com The Missing: J.J Macfield and the Island of Memories que a White Owls se estreou no mercado em 2018. Trata-se de um título puzzle-platformer com combinação de elementos de mistério e aventura à mistura, e com uma particularidade muito interessante: a mecânica de morte e regeneração. Infelizmente, este é um título criminalmente esquecido, e é de facto uma pena, pois aborda temas como a dor e o sofrimento que guiam a protagonista, e carrega consigo uma jornada física e mental impactante, representando uma história bem real da comunidade LGBTQ+, cheia de desafios, como poucas o fazem nesta indústria. Este é um título que até hoje mesmo não sabendo explicar, não o consigo voltar a jogar. Ficam as memórias impactantes que aquela jornada causou no meu ser, e o agradecimento por ter conhecido a obra.

Passamos agora para 2020, para uma das maiores desilusões da indústria: o lançamento de Deadly Premonition 2. Uns parágrafos acima, expliquei como este clássico de culto de seu nome alcançado com Deadly Premonition surgiu, e até hoje é adorado. Swery, esperava recriar o efeito do primeiro título aqui. No entanto, Deadly Premonition 2 não conseguiu o mesmo efeito do seu antecessor. A optimização nunca foi o seu ponto forte, e ter que desenvolver um título destes para a Nintendo Switch e PC, tornou tudo num pesadelo. Desde a qualidade gráfica extremamente fraca, aos movimentos clunky e irresponsivos, os diálogos uns furos bem abaixo do primeiro, e sobretudo a má performance do jogo, com quedas abruptas da taxa de quadros. Uma autêntica tragédia.

Este jogo foram fruto de muitas das experiências do director. O estado escolhido onde se passa o jogo foi Louisiana, assim como algumas das próprias experiências de vida de Swery desde 2010. O seu inglês melhorou muito desde o primeiro jogo, e com isto veio a facilidade de viajar até muitas mais cidades americanas, conviver com mais pessoas, experienciar a cultura Americana e perceber quais os grandes problemas que assolavam o país. Desigualdade, questões raciais, questões de género, drogas, doenças, são muitas das experiências vividas pelo mesmo durante as suas viagens. Depois disso, ele mesmo sofreu com a doença grave que expliquei acima. Isto tudo foi o resultado que, de uma forma ou outra, apareceram todas no jogo.

As críticas nunca foram levadas muito a sério por Swery, que sempre defendeu que Deadly Premonition 2 era um jogo muito único, e numa entrevista à Power Up Gaming, até chegou a comprar a obra a uma comida que por muito que possa ter uma aparência desagradável, depois de a provar logo se verá que o sabor é outro. Infelizmente não foi o meu caso. Provei, tentei degustar o máximo possível, e não deu. Adorei de morte Deadly Premonition, e não consegui finalizar a sequela até aos dias de hoje, exclusivamente devido aos seus graves problemas de performance.

E é The Good Life a sua obra mais recente até então lançada, num mergulho bizarro do quotidiano Inglês. Neste novo título, somos transportados para a pacata vila inglesa de Rainy Woods, um lugar aparentemente idílico que esconde segredos sombrios. A protagonista, Naomi Hayward, é uma fotógrafa em dificuldades financeiras, e chega à vila com a esperança de se estabelecer financeiramente, pagar as suas dívidas, e desvendar um mistério local.

A atmosfera peculiar do jogo, com personagens no mínimo excêntricos e eventos bizarros a que Swery nos habituou, reflete a sua visão única do sobre a vida e a morte. O desenvolvimento do jogo foi marcado por grandes desafios, como a pandemia de COVID-19, que atrasou o lançamento, mas que nos convidou a pensar e reflectir sobre a vida, a morte e a natureza da realidade.

Curiosidade Swery65 #4E se não houvessem os jogos? Se não tivesse feito jogos, Swery afirmou num Q&A no Reddit que provavelmente teria sido um monge budista a tempo inteiro, e no seu tempo livre, provavelmente escrevia romances. Brincou com a situação, e disse que essa talvez fosse até melhor que a sua minha vida atual.

O que torna The Good Life tão peculiar é tudo o que já vimos nas suas obras, desde o convívio do quotidiano com o sobrenatural. Durante o dia, os moradores de Rainy Woods vivem uma vida pacata, a cuidar dos seus jardins e fazendo os seus afazeres. No entanto, à noite, eles transformam-se em gatos! Sim, em gatos, e sem razao e qualquer explicação aparente.

O ciclo repete-se. O jogo recebeu críticas mistas, a apontar problemas técnicos, falta de polimento e mecânicas repetitivas, mas tudo isto se evapora quando o nicho — que como eu — escolhe as obras de Swery para se deixar envolver nas vertentes mais garantidas das suas criações: histórias loucas e extravagantes, repletas de reviravoltas e mistérios, que nos fazem fechar os olhos a qualquer e mais algum problema/defeito existente.

O próximo jogo de Swery tem a mente mágica do criador de No More Heroes, Goichi Suda — carinhosamente tratado por Suda51 — a seu par. São duas mentes carregadas de pólvora prontas a distribuir conceitos loucos, e Hotel Barcelona, o nome do próximo indie, promete ser um um dos títulos mais surreais do ano (2024), e não duvido nada.

A semelhança entre estas duas mentes são idênticas, e tal como Swery sem medo de apostar no desconhecido, Suda51 também já afirmou que não vai abrir mão das suas ideias ‘excêntricas’ por causa das críticas nas redes sociais. Hotel Barcelona será um jogo de acção 2.5D que fará paródia dos clichés clássicos dos filmes antigos de terror serie B. Mas como pouco ou nada mais do que isto sabemos, será episódio para outros futuros artigos.

O que está para vir nos projectos de Swery, será sempre uma incógnita. É do seu ser, ser um livre espirito criativo, e assim continuará por muitos anos, espero eu. Os seus jogos não são perfeitos (longe disso), mas é a sua visão única e peculiar, o risco criativo que o recompensa com títulos que se destacam dos restantes, por simplesmente não ter medo de experimentar. É um Swery desta vida que me faz tanto gostar desta indústria, e de a fazer diferenciar de várias formas de tantas outras. Este artigo não é profundo, serve apenas para dar conhecer as obras de um dos grandes mestres nipónicos, que muitas vezes sem fundos, faz magia por onde passa.

Igor Gonçalves
Curioso, explorador, e fã de videojogos desde que me lembro, e em especial pela saga Metal Gear. Não jogo plataformas, jogo jogos.