Sabes aquela sensação embasbacada de quando tens uns 6 ou 7 anos e te mostram, pela primeira vez, um mundo mágico e vivo muito para além de um ecrã?

Numa altura em que os efeitos visuais ainda estavam a testar as suas engrenagens, numa altura repleta de animatrónicos e efeitos especiais, onde o que a câmara via era muitas vezes o que ia para o ecrã, a fantasia e o imaginário eram uma verdadeira dor de cabeça para as produtoras conceberem minimamente algo mastigável para o espectador. E, diga-se de passagem, que o nível de exigência e crítico deste último não era em nada comparável ao de agora.

Ora, é no meio desses tempos que, como que por magia verdadeira, Harry Potter surgiu a par com gerações de crianças que viram no Wizarding World um mundo para lá da tela criado só para elas e como nunca antes tinha sido reproduzível por qualquer arte de ilusão.

Se consegues imaginar o momento em que viste pela primeira vez os filmes, e estás a ler este artigo, é porque, muito provavelmente e tal como eu, ficaste absurdamente maravilhado com esta nova interação do mundo mágico de Hogwarts. De repente, estamos a passear pelos corredores de Hogwarts numa recriação que te deixa sem palavras, e sentimo-nos novamente como uma criança de 7 anos maravilhada a olhar para as paredes, para os corrimões, os entalhes, as escadas e esculturas, as formas tão místicas de um castelo imponente, intemporal, repleto de vida e movimento…

Sabes, algo que sempre me fascinou neste Wizarding World é a mistura que quase nem se sente entre uma sociedade contemporânea que tanto se pode mover numa metrópole, como ao dobrar da esquina enveredar por um caminhito com aspeto medievalesco, decrépito, meio Idade Medieval, meio Vitoriano.

É certo que a história que Hogwarts Legacy nos conta nada tem a haver com a de Harry e companhia, numa sociedade mais moderna, e ainda bem, pois temos muita estima pelos jogos que adaptaram cada um dos filmes e livros com os seus cenários vibrantes e extremamente coloridos. No entanto, é uma história que se desenrola muito nesta parte do mundo que mais me fascina: um mundo mais antigo.

Sendo os filmes um bom ponto de partida para recolher e re-utilizar material, a Avalanche Software não se poupou a esforços, apesar de estar numa posição insólita em toda a franquia: de recrear todo o castelo, pedra a pedra. Todo ele transitável e explorável pelo jogador. Num castelo onde se sente um mundo, cada corredor sente-se único e, como não podia deixar de ser, cada paragem tem de ir buscar aquela criança em nós e maravilhá-la com o seu esplendor.

Para facilitar a navegação, também todas as suas secções foram pensadas para serem altamente distintas umas das outras e memoráveis, de forma a nos podermo localizar melhor no espaço. Pode parecer uma tarefa fácil e divertida à partida, mas esconde um desafio hercúleo de reunir ideias e influências para conceber sala a sala, esta amálgama de ambientes e transições!

Devo dizer que, ao fim das minhas primeiras horas de jogo, já estava a pensar precisamente em tudo isto, enquanto me maravilhava com a estética de Hogwarts. Inclusive, foi ao fim de pouquíssimas horas que comecei a planear este artigo, que tem estando, entretanto, a marinar por mais de um ano enquanto deambulo e procrastino mais um pouco a jogar. No entanto, desafiei-me a trazer-te agora esta visita guiada às maravilhas do passado que inspiraram a equipa a recriar o famoso castelo que temos diante de nós, e explorar estas raizes e correntes artísticas.

Também tens curiosidade em descobrir as linhas que definiram este visual final de Hogwarts? Então, vem comigo dessecar este trabalho incrível! E desde já quero agradecer aqui ao arquiteto John Hendricks que em muito facilitou este trabalho.

A Gótica Encantada: As Influências Medievais em Hogwarts

Indiscutivelmente, a escolha da arquitetura gótica para representar um lugar mítico como Hogwarts é certeira e infalível. Mesmo para quem nunca estudou história e cultura das artes, certamente, é impossível ficar indiferente à estética fantasiosa e ousada desta “Idade das Trevas”. Altura em que os arquitetos de outrora manipularam luz, sombras e, até, a própria Mãe Natureza para encher paredes, embelezar arestas e colunas, com os mais intrincados detalhes medievalescos.

Nisto, as Catedrais de Gloucester, Durham e todo o complexo universitário de Oxford inspiraram as linhas góticas e mágicas de Hogwarts Legacy, levando-nos a passear por corredores abobadados com arcos ogivais que se revelaram verdadeiras obras de engenharia e arte, e que ainda hoje nos assoberbam.

Entre estes últimos, gárgulas vigilantes entre as demais esculturas e armaduras, protegem os alunos dentro e fora do castelo, onde a experiência sobrenatural transporta-nos para outros ambientes com os seus belíssimos vitrais coloridos e projeções de luz.

As Torres de Hogwarts: Símbolos de Poder e Mistério

Já outras edificações góticas, como o Castelo de Edinburgh, inspiraram as torres pontiagudas do castelo que insinuam a sua verticalidade e conferem ao castelo a sua mítica silhueta. Estas também eram utilizadas como um símbolo de poder que olha por cima do ombro sobre os que divagam abaixo. Não quero colocar-me aqui em grandes filosofias mas, nisto, não é muito interessante que estas alberguem algumas das mais importantes disciplinas para um feiticeiro como Astronomia e Defesa contra as Artes Negras?

Hogwarts Legacy

Torres tão bem assentes em monumentos como o Westminster Abbey, albergam ainda variadíssimas figuras de pedra, que trazem à luz os mestres dos entalhes de pedra e populam as vastas alas da edificação com mitos, lendas e crenças da Idade Média. Isto, numa busca pela partilha de conhecimento num período conturbado para a Sabedoria, onde o Neogótico ganha novas proporções em Hogwarts Legacy e na sua lore da antiguidade.

Os Salões e Corredores: Ambientes que Contam Histórias

Por falar em lore, é impossível não repararmos que cada quadro, cada escultura, cada vitral e vitrine, conta-nos uma parte da história de Hogwarts. Cada peça de decoração conta-nos uma história sobre o salão em que se insere e une o passado ao presente. Por consequência, também são ambientes que reunem alguns easter eggs do “futuro” para os fãs que se recordam dos mesmos dos filmes como a Grande Escada ou a Sala dos Troféus.

Em termos de arrumação e mobiliário, aqui entra a veia mais renascentista, nomeadamente, no que toca à biblioteca e aos dormitórios que instigam a curiosidade e a cultivar o intelecto dos feiticeiros. Com efeito, acertaram na muche, com estes adornados pelas cores respetivas de cada Casa, numa preocupação clara em fugir à escuridão gótica.

Fora destes ressintos, sente-se um pouco mais de espaço para respirar, num equilíbrio harmonioso característico desta arte de cultivar o pensamento. Com detalhes marmoreados renascentistas surge o ecleticismo barroquista que nos traz esculturas ricas em detalhes que se sentem pulsantes, vivas, e em pleno movimento, como o das Fontes de Neptuno e de Trevi, com composições mais horizontais e um toque de muita classe bem característica de Hogwarts. Uma plenitude monumental reformulada nas alas e átrios principais do castelo, que abdicam da complexidade arquitetónica para dar azo a muitos dos meus devaneios com a arte exposta e à curiosidade do jogador.

Mas se, por um lado, temos um equilíbrio barroco, por outro, sentimos um certo horror ao vazio muito característico da arte Rocaille. Esta foi uma corrente muito peculiar que preencheu paredes e tetos com as suas habilidosas ilusões ópticas, que no castelo de Hogwarts são inteligentemente aplicadas com todo o seu potencial, preenchendo com vida e motivos naturalistas cada remate do castelo.

Com estes remates, chegamos ao fim da nossa visita guiada pela arte que inspira o grandioso trabalho da Avalanche Software. A equipa teve em mãos a árdua tarefa de recriar, pedra a pedra, um monumento mágico que é símbolo de uma geração inteira, e o resultado é realmente fascinante.


Já tinhas reparado nestes detalhes ao longo das tuas aventuras por Hogwarts Legacy? Partilha connosco quais os sítios que mais gostaste de explorar no castelo, e o que te inspiram.

Joana Sousa
Apaixonada pelo mundo do cinema e dos videojogos. A ficção agarrou-me e não me largou mais! A vida levou-me pelo caminho da Pós-Produção, do Marketing e da organização de Eventos de cultura pop, mas o meu tempo livre, dedico-o a ti e à Squared Potato.