Não sei se é só comigo, desconfio que não, mas há um conjunto de filmes que não conseguimos definir quando é que os vimos pela primeira vez, porque, de certa forma, estiveram sempre na nossa memória, quase parecendo que já nascemos com eles vistos. Até me posso esforçar para puxar pela cabeça e tentar recuar às primeiras memórias que retive, mas parece sempre que esses filmes já lá estavam, já faziam parte do meu imaginário. Acontece-me isso, por exemplo, com os filmes da trilogia original de Star Wars, os Bonds de Connery e Moore, os Batmans de Tim Burton e, como devem desconfiar por esta nota introdutória, com a trilogia original de Indiana Jones. Sou incapaz de definir no tempo a primeira vez que deitei o olho ao arqueólogo de fedora e chicote, mas é completamente indiscutível que Raiders of the Lost Ark, Temple of Doom e Last Crusade fizeram parte da minha meninice.
Além deste curioso facto, há que salientar também que a trilogia original de Indiana é, ainda hoje, um fenómeno cinematográfico e a mim, absoluto fã confesso de Star Wars, não me custa nadinha admitir que as três primeiras entradas de Indiana são muito provavelmente, em termos de qualidade global, a melhor trilogia que já nos foi presenteada. É que são os três extraordinários, não oscilando de qualidade entre eles, estão os três sempre em altíssimo nível. Por norma nestes casos há sempre (pelo menos) um filme que é francamente mais fraquinho que os outros, mas nos três primeiros filmes de indiana isso simplesmente não sucede. Aliás, nesse sentido, será a única trilogia em que eu posso afirmar inequivocamente que o meu preferido é o terceiro. Até pode ser um lapso de memória, o que francamente duvido, mas simplesmente não estou a ver outra trilogia em que tal aconteça. E isto acaba também, com alguma naturalidade, por ser um enorme condicionamento para tudo o que veio a seguir relativamente a este personagem.
E, no cinema, o que veio a seguir foi Kingdom of the Crystal Skull filme que foi totalmente sovado, tanto pela crítica como pelos fãs, mas que na minha humilde opinião acaba por não ser tão mau quanto o pintaram e ainda hoje o pintam. Sim, é claramente o pior filme de Indiana Jones e posso adiantar já que isso não se vai alterar com a estreia deste Dial of Destiny mas, apesar de tudo, o meu problema com este filme reside quase exclusivamente no personagem Mutt Williams. Se fizermos o exercício mental de retirar completamente aquele personagem da trama, o filme não só cresce, como se aguentaria muito bem. Continuaria uns furos abaixo dos primeiros? Claro que sim, mas como já aqui referi a fasquia colocada por qualquer um dos três primeiros filmes é muito, muito, muito difícil de atingir e praticamente impossível de bater.
E sobre Dial of Destiny, que chegou às salas nacionais no passado dia 29 de Junho, podemos começar precisamente por aqui. É verdade que este quinto filme da saga não consegue atingir o patamar estratosférico da trilogia original, contudo, isto não significa que não estejamos perante um bom filme que, indiscutivelmente, vale a pena ver. Simplesmente não chega ao olimpo de Indy, não é um filme extraordinário é apenas um filme bom, que está, e não é demais sublinhar isto, substancialmente melhor que o seu antecessor directo.
E a verdade é que o filme arranca logo muito bem, com o prólogo a decorrer em 1944 com um de-aged Indiana a tentar recuperar a lança de Longinus (curiosamente também conhecida como lança do Destino e que é o artefacto central de um arco da banda desenhada de Indy publicada pela Dark Horse) do castelo de Nuremberga somente para concluir que os nazis apenas possuíam uma réplica do artefacto. Pelo caminho, tem naturalmente que ultrapassar um conjunto de provações e acaba por travar o primeiro contacto com Jürgen Voller (Mads Mikkelsen) e com o verdadeiro artefacto central desta aventura, o Antikythera.
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É um prólogo demorado, tem cerca de vinte minutos, mas segue sempre a bom ritmo e está recheado de bons momentos e, francamente, é o mais perto que este filme se aproxima da santíssima trindade de Indiana Jones. E, para mim, muito contribuiu para isso o de-aging de Harrison Ford, pese embora claramente este seja um dos pontos que tem dividido opiniões já que têm sido várias as vozes críticas à qualidade do de-aging, mas confesso que não me causou qualquer celeuma. Se é perfeito? Ainda não, mas a evolução tem sido evidente e francamente parece-me já bastante aceitável. Aliás, onde acabei por notar mais incongruência foi na voz de Harrison que, aí sim, me pareceu demasiado envelhecida para um Indiana de 45 anos. Mas também não beliscou minimamente a satisfação que me deu esta sequência inicial.
Dar nota também que apesar de não termos a tradicional transição com o logo da Paramount Pictures, a verdade é que esse pequeno gag habitual dos filmes do Indy não se perdeu, mas desta vez coube ao logo da Lucasfilm Ltd. fazer a passagem para o cenário do prólogo. Aliás, ao longo do filme inteiro nota-se sempre um cuidado particular de se cumprir com os gags habituais da franquia e de ir polvilhando com diversos easter eggs e referências a momentos e personagens da saga.
Depois deste prólogo o filme segue para 1969 onde um Indiana Jones de 70 anos que está prestes a reformar-se é abordado pela afilhada Helena Shaw (Phoebe Waller-Bridge) que volta a colocá-lo na pista do Antikythera. Por outro lado, Jürgen Voller, o ex-nazi que agora colabora com a NASA, também mantém a sua busca pelo Antikythera para pôr em prática o seu plano de reescrever a história e alterar o desfecho da Segunda Guerra.
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A partir daqui o filme acompanha a busca pelas duas metades do artefacto iniciando o percurso em Nova Iorque, passando por Tânger, pelo mar Egeu até chegar à Sicília, sempre a um ritmo elevado, sendo que, na minha modesta opinião, considero que o filme ganhava se tivesse, aqui e ali, algumas pausas para que alguns personagens tivessem um maior desenvolvimento e gerassem mais empatia e até mesmo para que as lutas interiores e emocionais de Indy pudessem ser melhor exploradas, já que claramente tinham sumo, mas, pela leveza com que são abordadas, acabam por soar demasiado a verbo de encher.
Para além do ritmo apressado, podemos ainda apontar como negativo o abuso do CGI ao longo do filme, mas especialmente no terceiro acto. É que se nestas linhas eu já defendi o de-aging de Ford, o que mantenho, também tenho que assumir que depois há uma utilização demasiado ostensiva dos efeitos digitais, o que acaba por plastificar demasiado o filme e contribuir para que se distancie negativamente dos três primeiros que, com naturalidade óbvia, recorriam aos efeitos práticos para atingir o resultado visual pretendido, o que acaba sempre por humanizar e tornar mais realista o resultado final.
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Mas estas acabam por ser as maiores críticas que podemos fazer a James Mangold, que claramente passa no teste, mesmo tendo a responsabilidade natural de ser o primeiro a realizar um filme de Indiana Jones depois de Spielberg e também a responsabilidade acrescida de o fazer depois do mal-amado Kingdom of the Crystal Skull. Mas a versatilidade de quem realizou filmes tão diferentes como Girl, Interrupted, Identity, Walk the Line, 3:10 to Yuma, Logan ou Ford v Ferrari pareciam descansar os fãs que estaria à altura de pegar nas rédeas de Indiana Jones e francamente considero que o resultado final é positivo.
Já nos actores, Harrison Ford continua bastante confortável de fedora e chicote, este personagem é verdadeiramente seu e isso sente-se sempre no ecrã, mesmo nesta versão de Indiana Jones com 70 anos (relembrar que o actor completa 81 anos no próximo dia 13). A acrescentar a esta familiaridade e quase propriedade do personagem, também temos que conceder que interpretar um grumpy old man não será exactamente o papel mais difícil do mundo para Ford.
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E também Phoebe Waller-Bridge parece muito confortável na pele de Helena Shaw. É certo que as opiniões não são unânimes e até posso conceder com muita facilidade que a personagem poderia estar melhor desenvolvida, mas a verdade é que a actriz responde sempre com categoria ao que o argumento lhe vai pedindo e a própria personagem é efectivamente digna do lore de Indiana Jones. Por outro lado, o seu sidekick Teddy Kumar (Ethann Isidore), bem tenta ser uma espécie de nova versão do Short Round, mas simplesmente não resulta e nada acrescenta ao filme.
Já do lado dos vilões, Mads Mikkelsen está irrepreensível, como sempre. O actor parece ter uma predisposição para interpretar vilões, mas fá-lo sempre com categoria e distinção, e assim vai colecionando papéis nas mais conhecidas franquias cinematográficas. Já foi Le Chiffre em 007, Kaecilius no MCU, Gellert Grindelwald no Wizarding World e o seu Hannibal Lecter na série televisiva é digno de olhar nos olhos da versão cinematográfica de Anthony Hopkins. Pelo caminho ainda foi Galen Erso em Rogue One, Rochefort no The Three Musketeers e agora junta o universo de Indiana Jones à coleção com o portentoso Jürgen Voller, cujo único reparo que posso fazer é lamentar que não tenha mais tempo de ecrã. Em contrapartida, os henchmen de Voller são pouco mais que figuras de corpo presente e são essencialmente esquecíveis.
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Dar ainda nota para a banda sonora, onde temos novamente John Williams na batuta e que, apesar dos seus 91 anos, continua em altíssimo nível, oferecendo-nos mais um score extraordinário que não só abraça perfeitamente o filme como também é bastante agradável se se ouvir só por si.
Tudo somado, Dial of Destiny acaba por cumprir e, apesar de ficar aquém da qualidade estratosférica das três primeiras películas de Indy, é indiscutivelmente um bom filme que merece ser visto em sala. Se podia ser melhor? Efectivamente podia, até porque sendo muito provavelmente a despedida do grande ecrã deste personagem talvez não fosse despropositado terem ousado um pouco mais, especialmente no final, mas isso não invalida que tenha saído da sala com um sorriso nos lábios e um fedora castanho na cabeça.