Enquanto gamer dos anos 80 e 90, os indie permitem-me reviver um passado marcado por gráficos “pixelixados” e jogabilidade simples. Porém, este “charme” típico de gerações passadas foi, frequentemente, resultado da limitações técnicas que as caracterizaram. Um exemplo disso é Metal Gear que, conforme mencionado na “Odisseia de um Bit“ — altamente recomendada! –, estava planeado ser um jogo de acção. Contudo, as limitações técnicas da MSX levaram Kojima a adoptar uma abordagem mais… “furtiva”!
Em suma, há situações em que os limites nos obrigam a ser mais criativos. Limites estes característicos de máquinas como a NES, o ZX-Spectrum e outras tantas. E é assim que chegamos ao tema deste artigo: um criador de jogos que simula (parcialmente) as limitações de outrora!
Pico-8… bits?
Pico-8 é uma aplicação para criação, descoberta e partilha de pequenos jogos. E com “pequenos”, refiro-me às limitações técnicas que foram propositadamente implementadas, como a resolução (128×128 píxeis) e o número de cores (16). Desta feita, é típico dos jogos da Pico-8 terem um ambiente “pixelizado” e minimalista, tanto nos gráficos com no som.
A aplicação é composta por diversos componentes, como um editor de código e complementos para criar música e gráficos. Contudo, existe ainda uma linha de comandos e um catálogo de jogos, onde se pode consultar e organizar as obras feitas pela comunidade.
As limitações, a consola e o “mercado” são, a meu ver, peças integrantes para o estabelecimento de um “ecossistema” à base do Pico-8. A linha de comandos é alusiva ao terminal de um computador antigo. As limitações técnicas, por sua vez, garantem identidade e nostalgia aos diversos jogos já criados com o Pico-8. E finalmente, o catálogo une e inspira uma comunidade, talvez à semelhança do que se sucede com jogos à base de conteúdo editado (Super Mario Maker, Little Big Planet…).
Jogos (i)Limitados
Mas fará sequer sentido falar do Pico-8 sem apresentar alguns dos seus jogos? Afinal de contas, são todos gratuitos e jogáveis tanto no Pico-8 como no browser. Não vão encontrar aqui grandes produções nem experiências longas, mas pode ser que algum destes jogos clique convosco.
Em termos de comandos, praticamente todos usam as setas e as teclas Z, X ou C do teclado.
Celeste… Espera, o quê?
Celeste, um dos jogos mais condecorados de 2018, começou como um pequeno projecto no Pico-8. E já nesta versão “primordial” era evidente a jogabilidade polida que marcou esta referência indie.
Não há muito mais para dizer. Se ainda não estão convencidos em adquirir a versão comercial de Celeste, mesmo com uma análise encorajadora, podem sempre experimentar este jogo. É gratuito e até inclui objectivos opcionais e desafiantes!
Advent Calendar 2018
Tal como o título sugere, Advent Calendar representa um calendário de advento de natal. Contudo, este destaca-se por ter jogos no lugar de doces (ou queijos), que iam ficando disponível a cada dia do calendário.
Entre estes 25 mini-jogos, destacam-se conceitos interessantes, como golfe com uma bola de neve, esqui à base de cartas, e um trenó que dispara lasers! Mas se tivesse de escolher dois, seriam Santa Panic (dia 9) e Bingle Jells (dia 25).
Em Santa Panic, um ou dois jogadores têm de embrulhar e arrumar presentes antes que as crianças nos encontrarem. Já Bingle Jells… é um jogo bem mais difícil de explicar! Basicamente, é preciso rebentar com sinos e sobreviver a enfeites de natal, mas as mecânicas de jogo garantem uma experiência autêntica e viciante!
Demakes “a montes”
Um demake é uma adaptação de um videojogo popular, mas recriado com base em sistemas tecnologicamente inferiores ao original. E graças às suas limitações propositadas, o Pico-8 é propício à criação deste tipo de jogos.
Segue-se então uma lista de alguns demakes do Pico-8 que, na minha opinião, merecem ser destacados:
- Low Mem Sky – som atmosférico, mundos enormes, jogabilidade existente… tal como o original!
- Super Mario Bros – possivelmente melhor que muitos clones de Mario que por aí andam…
- Wizards Rule – demake de Wizards of Wor para arcadas, mas é tão bom que podia ser remake da versão Atari 2600
- Nano Man – clone do Mega Man com aspecto (e dificuldade) impressionante!
- Pico-man – é claro que ia haver um clone do Pac-man!
- Succer – mais “rudimentar” que Kick-off e Sensible Soccer?
As “barreiras” que nos definem
Os limites não são ultrapassados com força bruta, mas sim contornados com criatividade. E a criação de jogos no Pico-8 é, por si só, uma espécie de meta-jogo para gerir recursos ao máximo.
Com todos os motores de jogo e memória hoje disponíveis para qualquer computador, é fácil esquecer as condições que levaram os génios de outrora a desvendar soluções ainda hoje relevantes. O Pico-8 é, para o jogador moderno, uma autêntica lição de História em game design!