Pouca tarefa é tão exigente como apontar uma franquia com o mesmo absurdo nível de influência, no universo de manga e anime, como JoJo’s Bizarre Adventure, aventura deliciosamente divertida e repartida em várias partes ligadas entre si. O MUNDO bizzarro proveniente da imaginação de Hirohiko Araki já acarreta consigo oito partes desde 1986, e tem sido palco principal para estórias melodramáticas, repletas de conflitos sempre entre duas partes interessadas, definidas não só pela utilização de poderes eccentricos, mas também pelas respetivas posições em polos extremos num compasso moral. Parte da razão pela qual sou fã da propriedade, sem querer prolongar um trecho inicial já longo, prende-se pelo tom narrativo que caracteriza cada parte e pela criatividade encontrada nas lutas destas.

Parte de uma boa análise é assumir, por segurança, que quem a lê tem pouco contexto sobre o material fonte. Logo, apesar da manga e anime aproveitarem um estatuto quase erudito em classificações mundiais, a verdade é que JoJo’s Bizarre Adventure: All Star Battle R é um produto pseudo exclusivo para fãs. Afirmo pseudo porque, apesar de lúdico em certa medida (um estilo artístico único com várias personagens à pancada) este só é aproveitado por quem sente uma ligação próxima com a franquia. All Star Battle R atira do início ao fim imensas referências com pouco impacto perante um completo desconhecido. “Agora, Ulisses, a tua próxima linha dirá, “Contudo, a popularidade de JoJo’s Bizarre Adventure””.

Contudo, a popularidade de JoJo’s Bizarre Adventure (?!COMO!?) viria atingir patamares estratosféricos após 2012, graças ao estúdio de anime japonês David Production Inc. com uma adaptação modernizada e fiel à manga de Araki. Pouco tempo depois, em 2013 e 2014, a CyberConnect2 (.hack//, Naruto Ultimate Ninja Storm, Dragon Ball Z: Kakarot) e a Bandai Namco lançam All Star Battle no final do ciclo de vida da PlayStation 3, condenando o sucesso de um título cuja franquia ainda revelava ser um nicho no ocidente. Quase dez anos depois, conforme a lenda dos homens do pilar, renasce All Star Battle R em várias plataformas modernas, uma versão remasterizada a sessenta fotogramas que apresenta várias novidades desde dez novas personagens (com mais quatro por season pass em separado) até alterações inteligentes e acessíveis ao combate.

Todos os JoJo’s da parte 1 até a parte 8!

Uma dessas novidades apresenta-se sob o modo All Star Battle, opção offline que substitui o Story Mode da iteração anterior (para desgosto de fãs) com mais de cem combates diferentes. No início do processo de análise também partilhava emoções semelhantes mas, após consideração posterior, consigo compreender a decisão: JoJo’s Bizarre Adventure: All Star Battle R é, decididamente, uma PLATINA ESTELAR para fãs da propriedade e esses, com certeza, serão os sabichões do anime e/ou a manga. O antigo Story Mode pouco mais fazia senão trilhar as lutas canônicas com poucas linhas de texto contextuais entre os combates. Por um lado, não acredito que a velha máxima “é melhor que nada!” seja aplicável aqui, assim como o modo em questão não faz justiça ao enredo imaginado por Araki, servindo mais como verbo de encher.

Por outro, All Star Battle não faz qualquer ligação com a estória, preferindo disponibilizar não só lutas canônicas, mas também combates hipotéticos entre personagens de várias gerações! Achei que o mais divertido destes conflitos foram as condições impostas em ambos os lutadores, como regeneração de vida progressiva ou inimigos com menos defesa, mas mais poder de ataque, estabelecendo pontes com momentos pivotais na estória. Ainda assim é bastante criticável pela negativa, claro, a ausência de um modo de história mais robusto com capacidade para contar a EXPERIÊNCIA DOURADA que é a obra bizarra de Araki.

Para quem simpatiza com esta franchigia como eu, JoJo’s Bizarre Adventure: All Star Battle R transpira amor, carinho e respeito em todos os cantos desde o glossário que relembrará o fã mais esquecido de certas expressões ou significados, até aos insultos que as personagens trocam entre si antes de combater. São tantos mas pequenos e surpreendentes DIAMANTES ABSURDOS espalhados pelo título que é uma tarefa em si procurar por todas as referências inteligentemente colocadas. A magia do título vai além disto dado os seus visuais excêntricos e únicos, baseados no estilo artístico de Araki, sempre com uma estética à lá banda desenhada japonesa com tudo a que essa arte dá direito. Aliás, num menu próprio é possível personalizar o painél de vitória, alterando a pose da personagem, a frase veículada e até o carácter visual escrito!

Num tom menos favorável está a jogabilidade online con il mondo intero. JoJo’s Bizarre Adventure: All Star Battle R não dispõe de rollback netcode, um recurso essencial para um videojogo de luta que preze manter um cenário competitivo vivo. A gamerant.com publicou um artigo que explica o termo aqui, mas trocado o complicado por miúdos: cada máquina local tenta prever (com exatidão) o próximo movimento do oponente, ao invés de esperar que essa informação chegue pelo canal de informação normal. A minha experiência pessoal não foi tão má assim com vários combates a decorrer sem problema (utilizando o Wi-Fi da PlayStation 5) logo a minha razão de queixa é pequena, mas uma pequena pesquisa revela que é uma crítica recorrente.

É importante relembrar que o ano de lançamento do título original dita um pouco as suas influências. JoJo’s Bizarre Adventure: All Star Battle R é um jogo de luta um-contra-um numa arena em 2.5 dimensões, consumindo inspiração de dois títulos: Tekken e Street Fighter 4. A inspiração em Tekken traduz-se nas esquivas e nos vários meandros dos níveis, eventos desencadeáveis com efeitos cómicos e nocivos à vitima. Street Fighter 4 está presente em quase todo o restante videojogo, desde influências no estilo artístico, até o resource management da barra de especiais e ainda um sistema ilusoriamente simples de link combos.

Para quem não entendeu, regra geral, existem dois sistemas prevalentes para iniciar uma combinação de ataques: link combos e chain combos. Link combos são desencadeados após o tempo de recuperação do ataque anterior enquanto o oponente encontra-se em hit stun. Estes, por norma, exigem mais habilidade devido à precisão necessária para responder a um timing. Chain combos (comuns em Marvel Vs. Capcom 3) acontecem quando os ataques são cancelados uns em cima dos outros ou seja, quando são acionados durante os fotogramas de recuperação do ataque anterior. Tentei, dentro das minhas possibilidades, explicar de uma forma fácil um elemento deste complexo mundo mas, para rematar um chuto final: um foco maior em link combos torna a ausência de rollback netcode ainda mais agravante, e um título com uma barreira de entrada um pouco mais apertada.

Dito isso, fora de contexto do online, o combate em All Star Battle R consegue providenciar sumo suficiente para satisfazer todos os fãs de um bom videojogo de luta. A CyberConnect 2 não só introduz os elementos expectáveis como special move cancels, super attacks, auto-combos, perfect guards, attack-canceling, as referidas esquivas e até insultos (que esgotam parcialmente a barra de ataque especial do inimigo se feito após ele cair ao chão e MORDER O PÓ) mas também diferenciais como Easy Beat, uma mecânica que desencadeia uma combinação de ataques especiais ao insistir num só botão (semelhante ao encontrado em Dragon Ball FighterZ) ou Rush Mode, um minijogo que ativa se dois socos colidirem ao mesmo tempo como é tão característico no anime com o Ora! Ora! Ora! de Jotaro face ao Muda! Muda! Muda! de Dio. Isto transforma as lutas em assuntos espalhafatosos e divertidos que maravilham qualquer espectador, com uns quantos salpicos de material fonte referente a cada personagem que torna a experiência única e inerentemente reconhecível para o ávido fã da propriedade.

Para um título como JoJo’s Bizarre Adventure: All Star Battle R que aparenta apelar tanto à sua base de fãs, com referências a tudo que diz respeito ao espantoso e bizarro mundo de JoJo, é surpreendente confirmar que estamos perante um videojogo bastante estratégico e detalhado. Uma adição à jogabilidade não presente na iteração anterior são Assists, personagens à distância de um clique que prolongam um combo ou salvam-nos de uma situação crítica com a mecânica Reversal Assist, utilizada para quebrar a investida do oponente.

Esta TENDÊNCIA PARA BATALHAR continua com as esquivas anteriormente referidas, utilizadas frequentemente para mudar de posição ao último segundo e castigar a agressão do oponente, abrindo oportunidades para contra-ataques devastadores. Contudo, todos sabemos que JoJo’s Bizarre Adventure vive de estilo e substância, algo que podem reproduzir com as mecânicas Stylish Evade (o Perfect Guard de outros títulos) e Stylish Guard, duas das mais difíceis de executar devido à exigência da precisão de movimentos, mas quando conseguidas abrem porta para castigar o inimigo, como a comunidade de videojogos de luta tanto gosta de dizer.

Mas os VENTOS DOURADOS de JoJo’s Bizarre Adventure estão nas personagens caricatas e burlescas, cada uma delas um regozijo à alma considerando que estão não só visualmente coerentes com o estilo da manga, mas também deliciosamente estratégicas a nível de jogabilidade. Foram todas divertidas de experimentar apesar de partilharem, em larga parte, um esquema básico de controlo (auxiliado pela mecânica Easy Beat) que ajuda imenso quando queremos transpor a informação que aprendemos de uma personagem para outra. Ainda assim, cada uma traz algo à mesa que a define de uma forma muito própria; as personagens que utilizam Stands, por exemplo, são muito semelhantes ao estilo de combate encontrado em Persona 4 Arena.

Em todos os confrontos físicos sempre senti All Star Battle R como um fighter que implora pela ofensiva sem lugar para defesa, sendo quase essencial aplicar a máxima quantidade de pressão possível sem desfalcar, que por si só convida à aprendizagem de combinações de ataques mais extensivos (têm o modo Practice para esse efeito). Uma das mecânicas presentes no kit de qualquer lutador são os Flash Cancels, habilidades que anulam o ataque a decorrer para mudar a estratégia naquele preciso momento.

O mais próximo para referência que lembro, dentro do meu conhecimento limitado, são os Roman Cancels de Guilty Gear, embora o Flash Cancel seja simplificado pela execucação de três botões de ataque ao mesmo tempo. Uma característica que desejo realçar (novidade nesta versão) são hitstops. Apesar de não ser uma mecânica utilizável pelo jogador, hitstops são pedaços importantes de game design para jogos de luta em 2D por, como o nome indica, existir uma espécie de paragem momentânea após cada ataque. Isto veicula a sensação de poder e peso em cada movimento ofensivo ou defensivo que transmite mais fluidez ao título.

Para o jogador com foco no offline, para além da diversão inerente à jogabilidade, encontrada em modos que detalharei brevemente mais em baixo, existe longevidade no título com desbloqueáveis cosméticos e outros diversos para utilizar em Customize Mode, sítio onde o vosso cartão de visita é personalizado para os combates online. Porém, é na Gallery Shop que utilizamos o dinheiro recebido para comprar modelos 3D, música, vozes, etc. Conteúdo por descobrir e adquirir não falta, embora seja tudo um pouco efémero no grande esquema das coisas.

Os outros modos são Arcade, com um Challenge Battle onde o jogador escolhe uma personagem e nível de dificuldade para participar em oito combates contra oponentes aleatórios escolhidos pelo computador (COM) e também Endless Battle, com o próprio nome a estragar a surpresa sobre como funciona. Em Versus encontramos lutas multijogador contra outro humano ou COM através de Single Battles, Team Battle Mode e Tournament Mode, este último o mais interessante para partilhar com vários amigos. JoJo’s Bizarre Adventure: All Star Battle R ainda detém de alguma variedade offline, apesar de ser sempre mais do mesmo.

Nota #1: E sim. Antes de passar à conclusão quero só confirmar que continuamos a ter Boys Man Man, Zipper Man, Six Bullets, entre outros. Entendedores entenderão.

Nota #2: Escrevi toda esta análise a ouvir a banda sonora de JoJo’s Bizarre Adventure. Algo que, infelizmente, não é possível fazer em All Star Battle R devido à (possível) falta de licenciamento para tal.

CONCLUSÃO
Fanservice
7.0
Ulisses Domingues
Desde muito cedo um confesso apaixonado pelos mundos da PlayStation e consolas Nintendo. No entanto a vida dá muitas voltas e agora o seu amor foca-se nas novas Xbox Series. Nada como paixão à primeira vista, não é verdade?
jojos-bizarre-adventure-all-star-battle-r-ps5-analiseDa mesma forma que Daniel Aço’zinho levou um enchurrilho de porrada gostoso durante vinte segundos ou como o utilizador da Rainha Mortífera sofreu com uma ambulância acidental nas trombas, JoJo’s Bizarre Adventure: All Star Battle R proporciona momentos dignos durante os combates de uma página das obras de Araki, tendo sempre o contexto de videojogos de luta em mente. Não só se apresenta como um produto que respira e transpira fanservice; o pacote definitivo para fãs da propriedade, mas também como um fighter extremamente competente e convidativo para novatos (em certa medida) sem nunca esquecer aqueles que exigem um desafio maior. Admito que All Star Battle R peca na ausência de rollback netcode, numa estória robusta ou de uma maior variedade em modos offline, mas compensa em tantos outros campos que só tenho uma última sugestão: caso ainda não sejas fã da franquia então está na ORA! ORA! ORA! de dar uma oportunidade ao anime e/ou manga, converteres-te e experimentar este título em jeito de celebração dos trinta e cinco anos do que é a aventura nipónica mais bizarra de todo o sempre.