Hoje vamos falar do filme mais badalado do momento. Embora não goste de seguir o mainstream, não podia deixar passar a oportunidade de assistir a Joker no grande ecrã e, perante essa experiência, analisá-lo sob a perspectiva de alguém que procurou fugir a todos os trailers e a todas as discussões sobre o filme. Sem quaisquer expectativas, eis que o fui ver, e o que te trago agora é meramente a minha opinião pessoal sobre a minha experiência.
Desde já, e como sempre, te digo que aqui na Squared Potato não trazemos spoilers para as nossas análises, pelo que podes ficar descansado caso ainda não tenhas visto o filme.
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História
Começando por tocar na História, vamos ao que interessa. Estamos a falar de um filme que procura dar uma história de origem a um dos vilões mais controversos de sempre, e cujo passado sempre foi cheio de lacunas e de mistérios… Muitos, mas MUITOS foram os filmes que ousaram aventurar-se nestas encruzilhadas, e se deram muitíssimo mal. Mas JOKER foi simplesmente impecável.
Aqui assistimos a um build-up perfeitamente cronometrado, com um argumento inteligente, que não precisa de te dizer tudo para saber que entendeste precisamente a mensagem que te quiseram passar. Um nível absolutamente do melhor que já vi nos últimos anos.
Nem tudo precisa de ser dito ou explicado. Tu vês e assimilas o que te é dado.
Um argumento que sabe respeitar o espectador e não recorre ao abuso excessivo de explicações para empatar o filme. Mostra-te exactamente tudo o que tem a dizer de uma vez só, e sabe que tu compreenderás a partir daí todas as suas referências. Isto é um feito impressionante, que permitiu a Todd Phillips (A Ressaca) e Scott Silver (8 Mile) fazer render cada minuto do filme para manter esta construção de personagem a um ritmo perfeito.
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O truque que faz a atmosfera deste filme adensar-se, e sentirmos a tensão e antecipação a cada momento, é sabermos precisamente que, a cada passo dado, este é mais um passo que irá culminar no vilão que conhecemos. Com isto (e como já disse que o argumento não recorre ao uso excessivo de explicações para as acções do personagem) é importante referir que o mesmo argumento apresenta-nos um misto de situações perfeitamente alinhadas que ajudam o espectador a entender perfeitamente o lado de Artur Fleck, e de como a sociedade o tornou num monstro.
Mas aqui tocamos num aspecto delicado. Sublinho o “delicado”, até porque quando me sentei na sala de cinema, a meu lado apareceu um pai que teve a ousadia de levar uma criança com menos de 6-7 anos a ver este filme. E não foi um caso único. Vi várias crianças na sessão a ver as mesmas cenas que eu vi.
Ora para o personagem chegar onde chegou, é preciso passar por situações extremas, de verdadeira repulsa. Aliás, as cenas de violência neste filme são muito impactantes e visuais. Situações que me fazem entender que o espectador consegue tomar o lado da personagem por conseguirem conhecê-la tão bem, e por entenderem a humilhação, a depressão, a violência e a sociedade em que vive constantemente.
E com isto, as crianças que referi (quando chegavam os momentos de maior tensão e a nossa personagem dava novamente um passo para se tornar o vilão) riam-se contentes e satisfeitas, porque para elas este era o herói, e era “bem feito”.
Com tudo isto, e para fechar este ponto, é importante deixar em nota que Joker é, de facto, um filme trágico, com momentos de grande impacto visual, mas que também não deixa de ser um drama. Tem os seus momentos parados, mas que nos permitem saboreá-los a cada minuto.
O facto de o ter visto no cinema teve, sem dúvida alguma, a sua magia, por permitir uma maior imersão ao espectador. Mas este é, contudo, um daqueles filmes que me faz questionar se terá o mesmo impacto quando o mesmo começar a passar nos canais televisivos nos sábados à tarde… Pois não é qualquer um que tem um Home Cinema em casa para estas cenas.
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Visuais
Começando pelo personagem principal, digo-te que aqui temos simplesmente um dos melhores conceitos visuais de sempre para esta personagem numa adaptação para o grande ecrã. Para mim, este Joker desenhado por Mark Bridges (O Artista) debate-se no primeiro lugar com o de Lindy Hemming (Mulher-Maravilha) no papel interpretado por Heath Ledger.
Outro marco brilhante que me deixou absolutamente deslumbrada em Joker, foi a sua cinematografia. Com planos tensos e uma sonoplastia impactante, temos ainda uma direcção fotográfica absolutamente gritante que tinge a tela com composições que revelam um imenso sentido estético. A combinação de cores não deixa nada ao acaso, pelo que reflecte e aprofunda ainda mais as emoções em cena. Aliada a uma direcção fantástica de Todd Phillips, temos uma edição que nos deixa respirar e absorver os os planos, permitindo ao seu argumento brilhar uma vez mais.
E se pensavas que a sonoridade poderia ser, de alguma forma, menosprezada aqui, enganas-te! Com muita inspiração nos anos 80, Hildur Guðnadóttir (Sicário – Infiltrado) compôs uma banda sonora que nos remete para a Golden Age de Hollywood e o seu incrível legado.
Este é, de facto, um filme que explora com imenso profissionalismo todos os elementos que compõem um grande filme!
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Interpretações
Sem papas na língua, Joaquin Phoenix (O Gladiador), estabelece aqui um novo nível de performance que simplesmente será um desafio surreal de ultrapassar para quem ousar vestir a pele deste vilão em adaptações futuras. Para além do actor nos trazer uma gargalhada tão mais contagiante que fez o público se rir com ele, o mesmo passou por um regime tão severo para nos apresentar esta figura tão magra e mal nutrida, que me faz impressão. Conseguimos ver quase os ossinhos todos… brrr
Um dos grandes nomes a partilhar espaço de cena neste filme é Robert de Niro, que aqui desempenha o papel de um comediante num talkshow. Apesar de não ser obviamente dos melhores papéis de personagens secundárias no reportório do actor, o mesmo conferiu à sua personagem um tom algo sério e bastante familiar como apresentador. Apreciei imenso o seu tempo de antena, e bem que não me importava de ver um programa do género dirigido por ele.
Conclusão
Joker é uma produção de elevadíssimo nível que merece ser apreciada no grande ecrã para total deleite do espectador. Não acho que veremos muitos filmes como este, mas a DC tem aqui certamente um caminho a explorar, onde tem mais espaço de manobra para nos trazer grandes obras que têm estado em falta desde a trilogia de Nolan.