Não muito longe vão os tempos de grande euforia como houve com a estreia do Jurassic World, a primeira entrada da nova trilogia de filmes, que propôs reviver uma das mais emblemáticas franquias do cinema, e que continua até hoje a cultivar novos fãs a cada nova geração de espetadores. A estreia de Jurassic World foi, também, a minha grande estreia neste universo da redação de análises e, para marcar o lançamento da análise que te trago hoje, essa foi também recentemente relançada aqui na Squared Potato.
Com o duro golpe de uma sequela que não podia ter ficado mais aquém, a mossa inevitavelmente fez-se ainda sentir com a estreia de Jurassic World Dominion, que chega finalmente para encerrar o ciclo de experiências com este terceiro filme onde culmina esta busca pelo ADN que tornou Jurassic Park no culto em que se tornou.
Se é verdade que estamos um bocado fartos desta nova moda dos filmes de “legado”, também é verdade que sentimos falta destes velhos universos nos voltarem a arrepiar, e é neste misto de sentimentos que devo constatar que estamos a ficar um público muito desafiante. Reclamamos pela nostalgia do impacto, mas já não somos as crianças facilmente fascináveis de outrora, e quando nos dão o que queremos levamos as mãos à cabeça por andarem a remexer nas pérolas do passado e no seu legado. Reclamamos por darem novas caras e continuidade à história, sabendo nós da efemeridade que tão bem marca franquias como Star Wars, Ghostbusters e até o próprio Jurassic Park.
Isto é algo de que temos de ganhar consciência em nos habituarmos, pois o cinema ainda não completou os seus 150 anos, mas para sermos mais precisos, os primeiros ícones das películas só apareceram há 100 anos atrás. O que significa que cada vez mais teremos de saber lidar com estas passagens de testemunho se é que queremos que as franquias continuem entre nós no futuro. Nós sabemos. É difícil.
Temos aquele fascínio das memórias e a expectativa demasiado alta para sentirmos o mesmo que sentíamos pela primeira vez em crianças quando sentados, enterrávamos as mãos nos estofos fofos de uma cadeira de cinema e sentíamos toda a sala à nossa volta vibrar com o deslumbramento daquela criatura colossal no ecrã… Os passos… Os rugidos… Mas para as gerações mais novas, é importante que também deixemos o corredor livre para as novas produções não serem corroídas desta magia.

Sabendo de tudo isto, não me estranha que após tanta labuta, o Jurassic World Dominion seja, por fim, um filme de legado. Afinal de contas, demos luta a esta trilogia e numa última tentativa desesperada por salvar algo de bom, entregam-nos o que queríamos, despedem-se, e pela primeira vez temos um legacy que não inicia um novo ciclo no cinema mas sim o encerra. Dominion despede-nos de todas estas personagens, velhas e novas, num mundo mais populado por dinossauros do que alguma vez conseguiu ser explorado, mas que ironicamente, fascina pequenos e graúdos com essa magia como que numa última primeira vez.
É de se reforçar esta parte da diversidade de vida jurássica que sentimos neste filme, e o quão bem essa foi recriada. É certo que os fatos e animatronics já não fazem parte do processo destas produções, e que o CGI vem a trazer mais vida do que antes era possível. Mas creio que mesmo os mais aficionados pelos velhos efeitos práticos se vão sentir absorvidos neste ilustre elenco de criaturas jurássicas. É inevitável pensar neste novo mundo que Jurassic World Dominion nos apresenta, como que uma prequela a um mundo à Pokémon, ou até como uma abertura para uma abordagem diferente que pudesse levar a uma sociedade semelhante à dos Flintstones.

Se na sequela anterior sentíamos que os dinossauros perdiam o foco, exatamente da mesma forma como o último filme dos Fantastic Beasts parece ser sobre tudo menos as pobres criaturas fantásticas, neste filme se calhar temos tantas ou mais espécies de dinossauro a conhecer do que cenários, até. É fascinante redescobrir espécies que já fizeram parte de outras entradas na franquia, mas também é ainda mais refrescante podermos contar com surpresas que nos fazem diminuir o nosso ritmo de respiração, e, à escuta, controlar-mo-nos por ouvir cada movimento desta nova criatura.
Sabendo disto, se vais pelos dinossauros ficas bem servido, agora se pensas que vais ter igualmente uma estória que cative… Desengana-te. Este enredo foi escrito sem esforço. Um esboço de algo que está lá só por que algo teria de estar para terminar este ciclo. Um placeholder que não foi substituído por nada com mais substância. Um texto preguiçosamente desenvolvido e cheio de clichés, onde todos se encontram constantemente e nem dá para fingir ser “mero acaso” o tempo todo.
Um filme onde cenários que as personagens percorrem parecem enormes mas, no fundo, mostram-nos exatamente as mesmas localizações, como se as personagens tivessem ficado ali ao invés de seguirem, e não nos deixa engolir todas as coincidências que já tentámos despachar ao longo de mais de metade do filme. É mesmo muita preguiça e desmotivação em trazer uma base que nos faça sentir algo. Não se sentem quase as dificuldades, é sempre tudo a facilitar e a despachar estes encontros entre personagens e a desfazer nós atrás de nós.

Já é mais do que óbvio o que realmente gostei de ver dentro do filme, mas tentando ainda assim ver algo de bom nas personagens que temos, digo que a Maisie (Isabella Sermon) parecia muito mais promissora que qualquer outra personagem, mas não sentimos nenhum desenvolvimento. Lewis Dogson (Campbell Scott) que interpreta uma espécie de cruzamento entre Steve Jobs e Elon Musk, é uma personagem completamente insípida. Faz e diz as suas falas só porque é o texto mas a personagem não revela qualquer motivação, o que é sua característica, mas não deixa de ser insípida.
Gostei novamente de ver Omar Sy e Mamoudou Athie, mas este primeiro teve pouquíssimo tempo de antena para o que prometia, e o segundo apenas queria mais dele porque parece que a sua personagem era a única a ter genuinamente uma agenda e ordem de trabalhos neste filme.

Chris Pratt, Bryce Dallas, Laura Dern, Jeff Goldblum e Sam Neill vão, uns mais do que os outros, satisfazendo o espetador com os clichés que tipicamente teriam de existir num filme de legado, sendo cliché que as novas personagens ajam como que uma versão update 2.0 do seu par na trilogia anterior.
Há contudo uma personagem que também achei que podia ser mais explorada, sendo uma genuína badass entre o ilustre elenco de personagens que já conhecíamos: DeWanda Wise como Kayla só nos deixa a desejar por não a termos mais vezes no ecrã!

Eu não quero de todo estragar a surpresa final a ninguém. Já é tradição o que se sucede mas quero que desfrutes porque é para momentos como esse que este filme é bom. De facto, se me ponho outra vez a falar dos dinossauros não me calo, mas queria só deixar aqui uma nota “solta” e livre de spoiler: neste filme é de destacar-se o trabalho a construir e desconstruir a sonorização, que algures no filme é fulcral quando é utilizado um recurso a ecolocalização. Este, para mim, revelou-se o segundo momento mais especial no filme e o mais estranho ao mesmo tempo.
Isto porque se notou a falta de esforço em utilizá-lo devidamente. Algo que me torce bastante o nariz, e não consigo engolir é que se há sitio onde as ondas sonoras são mais propícias a serem lidas por ecolocalização, para detetar movimento é, por exemplo, quando ouves movimento à superfície água… Mas parece que não. E eu tinha de deitar cá para fora esta indignação/desabafo… De resto, no campo da banda sonora é mais do que já nos habituámos nesta trilogia: arranjos com o tema principal como base mas que entoam sensibilizados com a nostalgia.

Numa última nota, gostaria de pegar naquilo que me encheu os olhos com o Jurassic World e ver o que se foi perdendo ao longo desta trilogia. A primeira coisa que me salta à vista é a mensagem ambiental, que no primeiro filme até na estética dos enquadramentos da fotografia estava muito bem inserida. Por consequência, sinto também que, no geral, a direção fotográfica foi descendo em qualidade, sem grandes cuidados estéticos, ao passo que no primeiro filme desta trilogia foi monumental. Acho que também faltou aqui algo que falasse mais com o coração.
Talvez um certo resgate devesse ter tomado uma importância totalmente diferente, enquanto que, na verdade, tornou-se algo esquecível e as personagens pareciam não estar minimamente preocupadas com a situação… Em mais de metade do filme, dei por mim a perguntar-me o que se estaria a passar e, simplesmente, não tínhamos qualquer atualização sobre o seu estado. Dada a natureza da franquia, esta parte deveria ter sido lidada com mais coração e carregado a mensagem da franquia.