O estado das consolas portáteis

O mundo começa cada vez mais a olhar para os videojogos como uma fonte de rendimento não de milhões mas de biliões e isso faz com que todas as marcas queiram entrar na luta por uma fatia do grande bolo. Para isso há que se adaptar e estar de olho nas tendências que acompanham este nosso hobby.

Estar na linha da frente, e acima de tudo, na frente da concorrência é um desafio constante para qualquer marca e nos últimos tempos vemos cada vez mais uma luta feroz no que diz respeito ao acompanhamento das tendências que lhes trazem visibilidade. 

O desafio de diferenciar cativando não só as luzes da ribalta dos media mas também quem interessa, o cliente final, faz com que a parte de pesquisa e desenvolvimento esteja mais activa do que nunca e isso é visível na nova consola portátil da Lenovo, a Lenovo Legion Go.

Fisicamente

Usando um tamanho arrojado em toda a consola, podemos sentir desde logo que a Lenovo não se poupou em funcionalidades, nem que seja pelo espanto inicial que temos com a quantidade de botões que a consola tem (contando tudo o que é clicável temos 26 botões!) e pelo tamanho massivo do ecrã.

Pegando nas tendências que falávamos mais atrás a Lenovo pegou nisso mesmo, tendências e casos de sucesso e adaptou tudo no mesmo aparelho. Podemos ver ideias tiradas da Nintendo Switch com dois comandos destacáveis, um touchpad tirado de uma Steam Deck ou leds nos direccionais como a ROG Ally

Também em algum do hardware existem semelhanças com a Rog Ally, partilhando a mesma arquitetura no entanto com uma memória mais rápida (usando 16 GB LPDDR5X-7500MHz em vez de 6400MHz que por omissão a Ally tem) e duas versões de armazenamento, começando a mais baixa com 512Gb e a segunda com 1Tb. Aqui não existe diferença nos dois modelos como acontecia com a consola da Asus, sendo o processador em ambas as versões o Z1 Extreme.

Mas as ideias e pareceças ficam-se por aqui. 

Parece mesmo que houve uma reunião no departamento de pesquisa e desenvolvimento e alguém fez a pergunta “quais os pontos fracos numa consola portátil relativamente a um computador portátil para um jogador?”. E daí saiu o primeiro desenho para a consola: 

  • uma consola com um ecrã generoso
  • uma bateria gigante 
  • que fosse prática para jogos na primeira pessoa, principalmente jogos competitivos

E como conseguiram então juntar isso com as tendências faladas anteriormente? 

Se aumentar o tamanho do ecrã e da bateria foi um trabalho fácil, o último ponto fez com que a Lenovo tenha criado, talvez, um dos sistemas mais inventivos desde os Wii Remote em termos de periféricos. Com a ajuda dos comandos destacáveis, a Lenovo fez com que um dos comandos passasse a funcionar como um rato vertical. Com dois botões dedicados, uma scroll wheel e o respectivo botão central o comando assenta num adaptador (que não é mais do que uma peça plástica que faz com que o comando não caia e fica seguro através de um forte íman) e estamos prontos a jogar qualquer FPS com um comando, que parece um joystick mas que na realidade é um rato. (esta solução não foi, de todo, pensada para canhotos)

A solução acaba por ser engenhosa mas a adaptação não foi, no meu caso a melhor, talvez uma escolha com um comando horizontal em vez de vertical teria sido mais orgânico.

Jogar com os comandos desacoplados numa mesa ou até ao colo (no sofá por exemplo) permite descansar os braços e é algo natural para quem já está habituado a uma Nintendo Switch. Uma oportunidade perdida foi a não inclusão de um adaptador para juntar os comandos num só.

A consola conta com duas portas USB C muito bem posicionadas que nos permite carregar a consola enquanto jogamos, quer em modo portátil quer em cima de uma mesa. 

Os comandos, como já referi, são generosos, facilmente são retirados e colocados na consola através de uma pequena patilha que ao contrário da Nintendo Switch, onde os comandos acabam por ter alguma folga quando estão na consola, na Legion Go estes ficam como se não fossem, de todo, removíveis. A vibração acompanha os comandos em qualquer um dos modos e é, no máximo, fraca. Os analógicos assimétricos são precisos, com um rebordo anti derrapante e acompanhados de leds RGB. De notar que o analógico direito pode ser retirado para uma melhor adaptação no modo FPS. (é no mínimo enervante retirar pela primeira vez, pois parece que vamos arrancar pela raiz todo o analógico). Se a maior parte dos restante botões da consola são facilmente esquecíveis, os direcionais são bastante agradáveis, com um perfil baixo mas com um feedback bastante positivo.

O sistema de ventilação também está bem posicionado e para evitar casos como a Asus queimar os cartões SD, a única saída está posicionada longe de qualquer elemento amovível. O barulho das ventoinhas, mesmo quando a consola está a ser abusada, não é tão notório como a Steam Deck e longe dos níveis absurdos de ruído da Asus.

A bateria é de 49.2Wh o que faz com que acompanhe a Steam Deck OLED, contudo o tamanho do ecrã e o processador acaba por penalizar este aumento, sofrendo dos mesmos problemas que a ROG Ally, demasiado processamento que pode ser usado em jogos AAA, mas que é penalizado em jogos indie e retro não conseguindo acompanhar os consumos mais baixos da Deck. Existem três perfis de performance por omissão e poderemos ainda criar perfis próprios ao nosso gosto. Aqui perde para um sistema próprio e otimizado como a Steam OS, pois sempre que mudamos de jogos temos de alterar as definições manualmente. A parte da performance tem sido um dos pontos mais alterados a nível do software e os próprios perfis têm sofrido bastantes alterações.

Por fim deixamos o que em termos de hardware é o mais portentoso na consola, o ecrã.

Um ecrã de 8.8 polegadas, com uma resolução nativa de 2560 por 1600, uma taxa de refrescamento de 60Hz ou 144Hz e um brilho máximo de 500 nits. Por si só as características são fantásticas, acrescentando ainda ser touch este ecrã faz com que as sessões de jogo nesta consola sejam fantásticas. A calibragem das cores está também extremamente bem conseguida mantendo-se este ecrã ao nível do OLED da Deck e com o seu tamanho e resolução consegue-nos dar uma fidelidade muito maior que a consola da Steam. Isto é notório em todo o tipo de jogos, sendo um maravilha visual em muitos deles a resolução extra, pois perdemos um pouco do esbatimento da imagem, mesmo em jogos 2D.

Óbvio que esta qualidade tem um preço e muitas vezes o aumento da resolução significa o decréscimo dos frames, ou a diminuição das opções de qualidade dos jogos. Aqui é talvez o ponto que se torna mais subjetivo para cada um dos jogadores, quais os sacrifícios que estão dispostos a fazer para uma maior fidelidade, diminuição da resolução, decréscimo de frames ou diminuição das opções de jogo.

Software

A Lenovo faz-se acompanhar nesta consola com a sua aplicação Legion Space que tem duas vertentes. 

A primeira ajuda-nos no controlo da performance e opções várias da consola, que nos aparece como popup ao pressionarmos o botão dedicado (o tal que costuma ser o start e que está no comando direito).

A segunda é uma loja (que nos direciona para outras lojas) e que agrega também os jogos instalados noutras lojas. Confuso? Um pouco como nós também ficámos com esta aplicação que foi recebendo várias actualizações entretanto. 

Mas nem só da loja é feita a Legion Space, onde podemos também fazer configurações (onde existem as mesmas abas que no controlo da performance) mas também customizações dos leds, força da vibração e um sem número de configurações replicadas do próprio Windows, como som, Wifi ou Bluetooth.

Olhando simplesmente para a Legion Space por si só, é uma aplicação que nos permite (ou devia), mais uma vez, abstrair do mundo Windows, contudo ao contrário do que acontece com a Asus, aqui a abstração torna-se mais difícil, sobretudo por causa dos vários problemas que o software tem.

O grande problema está mesmo na aplicação principal. Não que as funcionalidades não estejam lá mas todo o layout é desagradável à vista, as imagens que aparecem relativas aos jogos têm um formato e resoluções estranhas, por vezes existem erros nas animações e tudo parece que está ao triplo da velocidade. 

É certo que muitos vão usar diretamente as aplicações das lojas como a Steam, GOG, Epic ou Xbox, mas para cativar mais utilizadores a Lenovo deveria ter dado alguma atenção ao look and feel da aplicação.

Também o ambiente Windows se faz notar várias vezes, a consola por vezes não entra em modo suspensão, e outras não sai do modo suspensão. A alteração de resolução não é feita de forma orgânica, por vezes alteramos a resolução e os jogos não a assumem e nem sequer a reconhecem nas opções, os pop ups continuam a aparecer no canto inferior direito, mesmo quando aumentamos a resolução e agora todos os pop ups aparecem a meio do ecrã em vez de se reposicionarem.

Comparação com a concorrência

O facto do comando ser utilizado como um rato e a capacidade de jogarmos com o ecrã de quase 9 polegadas apoiado no suporte traseiro faz-nos ter a certeza que um dos focos da consola foi o de poder ser transportada e ser utilizada não só como uma consola portátil mas uma consola de mesa. 

Algo tem de ser dito é que a consola é grande comparativamente à concorrência, podemos não ver isso numa folha de especificações pois as dimensões são muito semelhantes comparativamente à Ally ou Deck, mas é notória a primeira vez que pegamos na consola e isso pode ser um factor a ter em conta para alguém (como eu) que tenha uma pega pequena. A consola lembra os primeiros comandos da Xbox e isso nota-se passado algum tempo de jogo. Também o peso contribui muito para essa percepção. A Lenovo passa as 800g, quando a concorrência anda por volta das 600g.

A Steam Deck continua a dominar o mundo Steam, onde os jogos indie vão brilhar e toda a integração Unix da consola está pensada ao pormenor, tudo isto em detrimento de um ecrã com resolução mais baixa mas com uma tecnologia de peso, OLED. A longevidade da consola em termos de bateria não é comparável com os restantes pois continua a estar um passo à frente.

A Asus ROG Ally apresenta-se talvez como a consola mais portáteis de todas, com um processador de topo mostra-se com um preço intermédio entre as três, com um ecrã de qualidade mas que comparativamente acaba por perder, quer seja contra a resolução e afinação da Lenovo, quer contra a tecnologia da Deck. Aqui a bateria é o factor penalizador da consola.

A Lenovo acaba por estar no patamar superior quando falamos no preço de mercado e isso faz com que se queira algo mais da consola. Os acessórios incluídos e os upgrades em relação à concorrência directa (bateria e ecrã vs ROG Ally) torna apetecível todo o pacote, contudo posiciona a consola num lugar onde o preço já justifica olharmos também para um verdadeiro computador portátil.

Conclusão

Se no início deste artigo começámos por referir o acompanhamento das tendências por parte das marcas, também aqui a Lenovo acompanhou uma que, infelizmente, tem assombrado o mundo dos videojogos.

Apesar de um dos pontos a favor ter sido a grande evolução em termos de software, não será difícil de imaginar que muitas das interações que ocorreram poderiam ter sido evitadas no lançamento. Cada vez mais somos usados como “testers” em produtos que adquirimos e isso deixa sempre um sabor agridoce. Óbvio que se olharmos para uma Steam Deck ou a ROG Ally, também isto acontece, as atualizações são constantes e o facto da Ally e a Legion Go contarem com um Windows 11 não ajuda, em nada, em termos de estabilidade da plataforma.

Mas nem todas as tendências seguidas foram más. A aposta em alta fidelidade foi, sem dúvida alguma, ganha pela Lenovo. Jogar na consola é muito agradável à vista quando conseguimos encontrar o ponto caramelo nas definições. A consola tem uma qualidade de construção muito acima da média e em momento algum olhamos para a consola e sentimos que a Lenovo tenha poupado por completo nos materiais.

Não podemos deixar de referir que a tentativa de evolução da Lenovo em termos de input tem de ser vista com bons olhos (apesar de na minha opinião não ter sido executada da melhor forma). Arriscar num primeiro lançamento em controlos amovíveis e num input nunca antes visto numa consola portátil demonstra que a Lenovo está a levar a sério as consolas portáteis e quer a grande fatia da quota de mercado.

Embora a gama de preço já roça o mundo dos portáteis para jogos, esta consola tem de ser, sem dúvida, aconselhada para qualquer jogador que queira uma consola que se posicione no topo da hierarquia. A Lenovo conseguiu uma primeira geração que ataca a concorrência de forma feroz e não teve medo na inovação e em arriscar, acaba por dar um tiro no pé muito por causa do software e do incontornável mundo Windows.

+ Pontos Positivos

  • A evolução do software que acompanha a consola durante a nossa estadia com a Legion Go tem sido uma agradável surpresa. Com interações constantes nota-se que a Lenovo está atenta à comunidade e as melhorias são vistas a conta gotas.
  • Comandos desacoplados são uma nota positiva para o conforto, perdendo uma oportunidade de ter um comando externo, mas a qualidade como um todo foi muito bem conseguida.
  • A caixa de transporte está pensada para a consola e vem com a consola! Não ter de pensar em acessórios de terceiros ou adquirir algo oficial em separado.
  • O ecrã generoso que acompanha a consola é fantástico, a resolução que consegue alcançar consegue dar uma fidelidade aos jogos acima da concorrência (quando consegue acompanhar no refrescamento) e bater-se em termos de cores com uma Steam Deck.

– Pontos Negativos

  • A pega dos comandos na palma das mãos não tem a curvatura das outras consolas, mesmo a Nintendo Switch tem um rebordo arredondado que não se torna tão cansativo como a Legion Go com a sua superfície plana.
  • O botão de menu (vulgo start) no comando esquerdo leva bastante tempo a habituar, o posicionamento foi pensado para o modo FPS. Também os botões traseiros são bastante afoitos e são vários os inputs por engano (mais uma vez ter mãos pequenas com estes comandos volumosos fazem com que a pega seja mais fechada e provoquem estes inputs acidentais).
  • Windows continua a não ser uma boa plataforma para jogos.

Agradecemos à Lenovo pelo envio de uma unidade para análise.