Lançado exclusivamente para o mercado Japonês em 1994, Live a Live chegou com um conjunto de propostas com características muito particulares, e foi, quiçá, o RPG nipónico mais americanizado da época a nunca pisar o solo ocidental de forma oficial. Felizmente, tudo mudou em 2022, 28 anos depois.

Este clássico de culto de Takashi Tokita teve resultados não muito favoráveis no quesito vendas, no entanto, deu a beber da sua fonte mágica de inspiração para imensos projectos que surgiram após o seu lançamento. Não é por vias do acaso que este ano tenha surgido sem grande requisito dos jogadores, este merecido remake, quase como honrando o seu legado e principalmente todo o seu carisma de como contar histórias.

8 Personagens, 8 Experiências

A inerência de Live a Live começa imediatamente após o new game, quando o jogador tem que escolher uma das sete histórias iniciais, sem qualquer ordem orientada pelo próprio jogo. Diversidade na escolha não te faltará. Poderás assumir personagens da pré-história, da China imperial, do Japão no período Edo, do velho oeste americano, do presente (1994), do futuro próximo e do futuro distante. Só finalizando com todas as personagens é que desbloquearás o capítulo final e conclusão de toda a jornada de aproximadamente 25 horas.

Cada uma destas histórias tem as suas peculiaridades da época em questão, e detalhes muito únicos, ainda que por vezes Live a Live possa perder um pouco da essência do estilo RPG ao qual é categorizado, algo que irei detalhar mais abaixo.

Comecei pela pré-história — quando pensava eu que iria seguir uma timeline organizada ao meu estilo, desistindo logo após a conclusão da primeira campanha — com o personagem Pogo (o qual denominei simplesmente por Potato), literalmente um homem das cavernas. Durante este capítulo, não existe dobragem e muito menos linhas de diálogo. Os personagens comunicam por gestos e sempre de uma forma muito cómica, na condição em que esta é a época que antecede a invenção da escrita. São extremamente desajeitados e de pensamento e motivação arcaica, o que traz as suas vantagens. É neste capítulo que o crafting do jogo é apresentado e convida-te a experimentar, mesclando uma pedra com um pau, e assim progressivamente. Também é durante a pré-história que os combates e exploração são mais rudimentares, onde as armas são substituídas por fezes, e o nariz é a chave para detectar inimigos, naturalmente através do odor a quem um bom banho não assistia.

Pogo, vulgo Potato, não é a única personagem que tem habilidades exclusivas da sua campanha: Akira, o personagem do capítulo “Futuro Próximo” consegue ler mentes e assim antecipar acontecimentos. Já Oboro, utiliza a camuflagem a seu favor, que fará evitar combates desnecessários se assim for essa a tua ideia de jogo. Masaru, o personagem do estranho capítulo do presente, é capaz de absorver a movimentação e golpes dos adversários e usar a seu favor nas batalhas.

No entanto, 1994 era de facto 1994, e o jogo faz questão de nos deixar bem claro desde cedo. O que era uma megainovação no início dos anos 90, tornou-se hoje numa limitação com alguns elementos dos primórdios dos RPG. Se há remake em que podemos interpretar com o sentido literal da palavra, esse remake é definitivamente Live a Live, já que tudo da obra original se encontra aqui. O combate, sendo a base de toda a experiência e apesar de intuitivo, não dispõe de grande estratégia, e como todas as mecânicas se mantiveram da experiência original sem qualquer alteração significativa, sente-se bem o peso da idade. Sumariamente: temos uma grelha do estilo Fire Emblem, e cada movimento que fazemos para entrar no alcance do inimigo irá encher uma barrinha que assim cheia, perdermos o turno. Neste título não existe MP (Magic Points ou Mana), e todas as habilidades podem ser usadas como bem entenderes, e uma vez que o HP se regenera a cada batalha finalizada, consegues dar tudo do personagem em cada combate.

Onde também se sente bastante essa bagagem anciã dos tempos, é certamente na exploração, que é quase sempre muito limitada e pouco recompensadora como se de um experimento ainda se tratasse. Alguns capítulos abusam na repetição de orientação, e fazem com que visites os mesmos cenários vezes e vezes sem conta para que a história possa progredir.

Os capítulos são extremamente variados e únicos, e enquanto alguns seguem aquela base tradicional de um RPG dos anos 90, outros demarcam-se completamente do estilo. Um desses capítulos ausentes da fórmula de progressão e características RPG, é definido por uma sucessão de lutas contra bosses, onde basicamente escolhes o adversário e partes para a pancadaria, simples assim.

Curiosamente e contrariando-me um pouco, o meu capítulo favorito é exactamente um desses que são completamente fora da caixa, e passa-se no futuro distante. Sofrendo igualmente da ausência de mecânicas RPG e combates, este capítulo compensa com uma história muito inspirada em 2001: A Space Odyssey, e principalmente na saga Alien.

No Futuro Distante controlamos Cube, um robô criado por uma mente humana da tripulação, designado inicialmente para auxiliar as pequenas tarefas como entregar cafés e pequenos afazeres, com intuito de poupar o tempo precioso da tripulação com coisas desnecessárias, e se focasse inteiramente na missão, transportar um espécime alienígena. Infelizmente, a missão dá para o torto: a criatura escapa e alguns tripulantes começam a aparecer sem vida, causando uma tremenda paranoia a bordo, onde todos acabam por desconfiar e acusar o próximo de sabotagem. Onde é que eu já vi disto? E não, não me estou a referir a Among Us.

Se continuas a ler até aqui e ainda estás indeciso se realmente este é o RPG que queres jogar, talvez fiques contente em saber que a fase final do jogo é a mais emocionante, e que te convida a perceberes o porquê de controlares estas personagens em eras tão dissemelhantes. Sem entrar no campo de spoilers, deixa-me indicar-te que é nessa fase final que Live a Live se expande e consegue mostrar o seu maior potencial tanto narrativo como no bom e velho estilo tradicional RPG de progressão, e o porquê de estar muito à frente do seu tempo, lá nos anos 90.

HD-2D, um estilo que veio para ficar

Se a Square Enix (Squaresoft no passado) foi a desenvolvedora e distribuidora pioneira dos maiores sucessos RPG da indústria a alavancar o género, o mesmo evento parece estar a suceder com o estilo visual HD-2D que parece ter chegado para ficar.

Este estilo muito vistoso de usar sprites 2D em cenários 3D é um regalo para os olhos, e esta beleza muito distinta já começa a ser um padrão Square Enix. Começamos com Octopath Traveler, mais tarde Triangle Strategy, e além de Live a Live, já foi confirmado o uso desta apresentação visual em Dragon Quest III Remake. Provavelmente outros títulos futuros também seguirão este modelo gráfico, já que Yosuka Matsuda (presidente actual da Square Enix) assim o deseja.

O mundo de Live a Live é muito entusiástico em detalhes, e é seguramente o jogo que mais beneficia deste estilo gráfico. A diferença deste remake para o original é impressionante. É um mundo vivo, detalhado, colorido e todo ele mergulhado num charme retro que me cativou desde a primeira apresentação na Nintendo Direct.

No que toca à sua sonoridade, Live a Live também conta com algumas novidades. A banda sonora foi remixada, mas os temas originais de Yoko Shimomura e da sua equipa continuam com aquele encanto da década de 90.

A Square Enix decidiu caprichar em todos os sentidos neste remake, e adicionou dobragem dos diálogos com actores bem experienciados, tanto na versão japonesa como na versão inglesa, algo que naturalmente não poderia ser feito em 1994, e que torna o jogo com uma história muito mais palpável e sentida.

Agradecemos à Nintendo Portugal por nos terem cedido uma chave de análise para a plataforma Nintendo Switch.

CONCLUSÃO
Variedade de estilos!
8
Igor Gonçalves
Curioso, explorador, e fã de videojogos desde que me lembro, e em especial pela saga Metal Gear. Não jogo plataformas, jogo jogos.
live-a-live-analiseLive a Live é a dose certa para quem procura fugir dos padrões extensivos RPG e viver 8 experiências diferentes e relativamente curtas, a acompanhar com o aprimorado e mais belo visual HD-2D utilizado até à data num videojogo. Um título exclusivo Nintendo Switch a não perder!