Se, nos tempos da geração da Playstation 2, nos dissessem que iríamos pagar por um jogo que não vem acabado, com uma série de cosméticos e passes vendidos em separado, com o mesmo a receber conteúdo aos bocados, com intervalos de cerca de um mês por cada parte importante, juntamente com conteúdo irrelevante que serve só para te manter a jogar diariamente, a fazer quests relativamente genéricas num loop repetitivo, penso que sem dúvida iríamos achar a ideia completamente absurda. Com tantos jogos completos no mercado, sem qualquer conteúdo vendido adicionalmente, tal ideia não fazia sentido nenhum.

Eis que, após vários anos numa chuva constante de live services, chegámos a um ponto em que o mercado se encontra numa queda progressiva, tornando-se num completo jogo de sorte, onde apenas em situações específicas se consegue atrair o interesse dos jogadores.

O ano de 2023 já demonstrava um começo nesta decadência do género com uma série de jogos com poucos anos a ter de terminar o serviço, como o Babylon’s Fall, Knockout City, Marvel’s Avengers e Crossfire X. Por algum motivo, mesmo com estes jogos a demonstrarem a dificuldade de obter sucesso no género, a indústria decidiu continuar a insistir. Em 2024, um ano onde os jogos singleplayer demonstraram a sua capacidade de cativar e vender, tivemos um dos maiores falhanços no que toca a live services, mas também tivemos alguns sucessos, e vamos tentar entender por que razão alguns jogos falharam e outros conseguiram quebrar esta barreira extremamente desafiante.

Penso que já todos conhecemos a história de Concord, o hero shooter da Playstation que teve bastante investimento de marketing, com trailers e uma beta jogada por dezenas de streamers e youtubers. Concord foi lançado por 40€, com a promessa de um jogo completo e com heróis grátis para sempre. Penso que é algo bastante familiar, e, geralmente, até se trata de um preço bastante sensato. Infelizmente, outros aspetos de Concord não justificaram o seu preço, bem como a competição pesada de jogos gratuitos que iria ter de ser ultrapassada. Estes aspetos fizeram com que Concord durasse apenas cerca de 2 semanas após o seu lançamento, sendo os seus serviços terminados e o dinheiro devolvido aos jogadores.

Dentro do mesmo género, tivemos um jogo que demonstra um incrível sucesso, e conseguiu até ultrapassar a competição sem qualquer dificuldade. Estou a falar de Marvel Rivals, um hero shooter gratuito, onde todos os heróis no lançamento e que forem adicionados no futuro são disponibilizados gratuitamente, sendo a monetização do jogo completamente focada nos cosméticos. Com uma propriedade gigante como a Marvel, um valor de entrada imbatível e um ambiente competitivo justo e independente de qualquer adição monetária pelo jogador, Marvel Rivals demonstrou que o sucesso está no respeito pelos jogadores.

Ironicamente, temos também Helldivers 2 da Playstation, um jogo sobre “libertar” planetas de alienígenas “invasores”, trazendo uma dose de liberdade ao universo. Helldivers 2 é um jogo que custa 40€ tal como Concord, mas conseguiu cativar um grande número de jogadores e ainda hoje se mantém em pé e aparentemente saudável.

Uma captura de tela do videogame Helldivers.

Ora, porque é que jogos como Concord falharam e jogos como Marvel Rivals e Helldivers 2 conseguiram sobreviver? A resposta não podia ser mais simples. Apesar de Helldivers 2 ter um valor de entrada, o seu conceito é único no género, e o seu charme cómico é, na minha opinião, um dos aspetos mais apelativos do jogo. Helldivers 2 é um jogo que traz centenas de horas de diversão consecutivas aos jogadores, e com amigos a diversão é duplicada ou triplicada, fazendo com que o jogo consiga apelar à maioria das pessoas, quer gostem de live services ou não.

No que toca a Marvel Rivals, como já mencionei, tem a ver com o respeito pelo jogador num jogo onde o valor de entrada é zero. Apesar da competição intensa e do mercado dos hero shooters se encontrar bastante saturado, o fato de todos os heróis serem gratuitos e de apenas ser possível comprar cosméticos com dinheiro faz com que esta entrada consiga elevar-se acima dos restantes do género.

Relativamente a Concord, temos aqui uma lição que a Playstation pode aprender com o seu outro jogo, o Helldivers 2. Sendo lançado com bastante competição no género, Concord demonstrou um conceito e arte que não carecem de qualquer singularidade ou teor apelativo. Não só o jogo tinha um aspeto extremamente aborrecido, como a jogabilidade não tinha qualquer mecânica que o elevasse para algo único. Isto tudo fez com que o valor de entrada não se justificasse, considerando que haviam outras opções melhores, e gratuitas. Concord era um jogo que, antes do lançamento, já tinha os seus dias contados, mas a Sony quis arriscar e avançou até ao final do projeto, resultando numa enorme perda de dinheiro.

Penso que já percebemos o que define o sucesso de um live service, e o porquê de ser tão complicado de conseguir desenvolver e lançar um jogo no género. Nos dias de hoje, não se trata apenas de criar um jogo bom, mas sim algo que se diferencie dos restantes do género. Se quiseres entrar num género onde a competição é pesada, terás de oferecer algo que ultrapasse a qualidade/preço dessa mesma competição, o que obviamente se trata de um risco financeiro bastante grande.

Concluindo a minha lógica, na grande maioria das vezes, penso que o possível retorno que se pode ter neste género não justifica o enorme investimento necessário. No meio de dezenas, apenas 2 ou 3 sucedem, resultando num desperdício total de dinheiro e talento, que poderia ter sido melhor utilizado em experiências mais únicas e interessantes.

Num ano onde a grande maioria dos jogos nomeados e premiados se trataram de jogos singleplayer, penso que está na hora de pensar duas vezes e começar a investir numa nova era que floresce com a criatividade, arte e talento em criar experiências únicas e completas, respeitando o tempo investido pelo jogador, e encorajando a variedade e singularidade na indústria.

Vamos voltar para um tempo onde as coisas eram mais simples, e apenas lançar jogos de forma normal e concisa, ok?