Made in Abyss (Meido in Abisu) é uma obra excepcional que tanto te pode ser aconselhada pelo teu melhor amigo como pelo teu pior inimigo. Combinando a fofura da aventura, mistério e emoção de pequenas crianças, com intrépidas e horripilantes experiências de sufocar o espectador mais sensível. Não obstante, foi uma experiência em que me atirei para o abismo totalmente às cegas, e a experiência conto-te de seguida.
Inspirado no mangá de Akihito Tsukushi, este anime transporta-te para um universo fascinante onde o Abismo, um enorme buraco na superfície, é personagem “central” em toda uma epopeia. Contendo diversos pisos e biomas, bem como criaturas singulares entre relíquias de um passado misterioso, sente-se cada vez mais omnipresente e instigador nesta aventura.

No meio disto, seguimos uma jovem órfã, Riko, e o seu amigo robô, Reg, enquanto exploram as profundezas do Abismo em busca da mãe que Riko tem a esperança de encontrar nas mais baixas profundezas desta irregularidade. O Abismo convida-nos, então, a atirarmo-nos a conhecer diversos biomas únicos e com características especiais, desde gravidade própria, clima, luminosidade, flora… Enfim, completos mundos cujas leis da física e do cosmos se re-escrevem.

Ver Made in Abyss é rever a senda de Zagreus a percorrer o submundo pelo caminho inverso. Num festival de cores e fofura, esconde-se uma enternecedora trama que NÃO É para miúdos! Digo isto com peso e medida, ao recordar que já no 4º episódio ia expulsando o almoço e até senti uma franqueza física que me fez ter de fazer uma pausa para apanhar ar fresco e me recompor. A última vez que passei tão mal foi aquando da mítica cena no 127 Horas em que ia mesmo desmaiando sozinha em casa.

A animação de Made in Abyss oscila entre o deslumbrante e o visceral. Imagina um mundo onde florestas brilham com cores sobrenaturais, criaturas alienígenas pulsam com vida orgânica, e ruínas de civilizações perdidas escondem segredos ancestrais. Tudo é desenhado com uma riqueza de detalhes que lembra pinturas de contos de fadas, mas com uma atmosfera que gradualmente se inclina para o surreal e o perturbador. Os protagonistas, de traços infantis e inocentes — quase como personagens saídos de um anime slice of life —, contrastam brutalmente com a violência e a escuridão que os cercam. Esse contraste não é acidental: é uma ferramenta narrativa que amplifica o impacto de cada tragédia.

O estúdio Kinema Citrus usa brilhantemente silêncios abruptos e close-ups claustrofóbicos, forçando uma paleta de cores inicialmente vibrante e quente, a desvanecer-se em tons pútridos e frios conforme a jornada avança, refletindo a corrupção física e moral que o Abismo impõe. E sim, há body horror — transformações grotescas que são animadas com uma crueza quase palpável, misturando fascínio e repulsa.

A banda sonora, composta por Kevin Penkin, é uma obra-prima que transcende o papel de “acompanhamento”. Ela absorve o oxigénio da narrativa, alternando entre êxtase e angústia. Orquestrações épicas, como em Hanezeve Caradhina, elevam o Abismo à categoria de um deus antigo, com corais em línguas inventadas que soam como hinos de uma civilização esquecida. Já temas como Tomorrow usam melodias simples e delicadas, quase infantis, para evocar a frágil esperança dos protagonistas no meio da escuridão.

Penkin domina a arte do contraste sonoro: num momento, violinos e pianos dançam em harmonias celestiais; no seguinte, batidas eletrónicas distorcidas e dissonâncias criam um caos auditivo que espelha o desespero da trama. Cada leitmotif é uma assinatura emocional: certas melodias reaparecem como fantasmas, ligando memórias, traumas e personagens numa tapeçaria sonora que dá peso a cada reviravolta.