É assim que Meg’s Monster, na minha Xbox Series S, produzido por Odencat (Bear’s Restaurant, Fishing Paradiso) se apresentou: “Se ela chorar, o mundo inteiro morre”. Uma premissa ridícula, mas original que serve de bandeira para todas as seis horas de videojogo. Considerando o panorama atual na acesa discussão sobre videojogos, 14,99€ por algo puramente story driven roçará o ridículo (embora não partilhe essa opinião), mas a verdade é que tudo aqui incluído, e aquilo que nos é transmitido, vale isso e muito mais.
Porém, uma adenda: conforme referi Meg’s Monster é puramente story driven, e isto traz à ribalta possíveis spoilers em mente. Contudo, consciente de como eles são constituídos, farei o meu melhor para não estragar a experiência para além do que podes ler aqui, website oficial com uma curta sinopse da estória. Existe em mim uma genuína vontade de discursar sobre o que testemunhei, mas fazê-lo seria trair o que predomina numa análise. Mas já estou a divagar.
Na eventualidade de não consultares o sítio suprarreferido, deixo-te a minha sinopse do enredo: No submundo, local regido por monstros, uma pequena humana chamada Meg é encontrada por dois monstros, Golan e Roy. No entanto, ambos percebem que o choro desta menina trará o final dos tempos. Determinados a evitar esse apocalipse, decidem cuidar da pequena e ajudá-la a encontrar a sua progenitora.
É curioso o tenebroso, porém risível mote “Se ela chorar, o mundo inteiro morre.” quando o único indivíduo que abandona a trama no fim em lágrimas sou eu. Meg’s Monster é um videojogo que fará de tudo para tocar no coração, evocando a inocência e pureza de uma amizade improvável, entre três personagens distintas e o objetivo principal que as une. A narração e o enredo são as estrelas do espetáculo, com a jogabilidade em segundo plano para avançar o drama frente à conclusão.
É igualmente curioso Meg’s Monster, um título fortemente inspirado em Mother 3 e Undertale, não estar a ser um fenómeno entre a comunidade, assim como Undertale dominou as discussões online por cada canto quando surgiu. São inspirações inegáveis, começando pelo grafismo pixelizado e retro, percorrendo a banda sonora atmosférica e profunda, terminando no drama agridoce que aquece e entristece o coração de várias maneiras.
É ainda mais curioso com apenas seis horas de duração (eu terminei em cinco horas e vinte) ficar com uma impressão emocional tão forte das suas personagens, figuras das quais eu já sinto saudades apesar de ver concluída a sua aventura. Subjetividades de parte, isto servirá como prova irrefutável da sua excelente escrita e, consultando as opiniões alheias pela internet, não sou o primeiro ou último a achar o mesmo.
Tanta curiosidade de parte, perdoou-te se achares que o enredo caminhará por uns quantos plot twists expectáveis. Feitas as contas o somatório do enredo atinge notas semelhantes a tantos outros, com uma criança a ser protegida por um brutamontes, e um ou outro personagem que não aparenta ser o que é, mas Meg’s Monster está repleto de acontecimentos inesperados e outros que, apesar de aparente inutilidade para o desenvolvimento do enredo, são reutilizados inteligentemente até ao fecho das persianas.
Não obstante a motivação que propulsiona o trio principal, Meg’s Monster atribui características humanas não só aos habitantes do submundo, mas principalmente ao par Golan e Roy, autênticos bros, como eles se denominam desde que se conhecem. Parte da aventura lida, migalha a migalha, com a incapacidade de ambos vocalizarem os seus sentimentos, cada um pelos seus próprios motivos. Esta inaptidão nasce pela carência de uma comunicação verdadeira e honesta, um traço bastante humano.
São estas caracterizações, escondidas por véus que empurram a narrativa, espalhadas por múltiplas personagens, que criam uma forte ligação emocional num curto espaço de tempo. Apesar de todo o elenco secundário corresponder a um arquétipo clichê, como um par de rufias que mais tarde muda a sua maneira de ser, ou um líder intimidatório que é na verdade um cavalheiro, nenhum elemento fica excluído (com a exceção de um vilão demasiado simples) de desenvolvimento.
A banda sonora, composta por Reo Uratani, com um tema chamado Wishing Star (feat. Laura Shigihara) faz de Meg’s Monster algo ainda mais especial. Quiçá até seja o elemento final que liga toda a aventura, com faixas bastante simplistas, mas carregadas de ingenuidade e emoção como poucas experiências indie conseguem demonstrar; uma delas até utiliza uma vassoura como instrumento! Convido-te a ouvir alguns excertos aqui.
Divagado o suficiente pelo enredo e narrativa, refiro por último que a mesma mecânica progride de mão dada com o sistema de batalha por turnos à lá RPG tradicional. Como ferramenta para apimentar o desenvolvimento contínuo e narrativo, assim como introdução de elementos bizarros e fora da caixa, Meg’s Monster atira-te com batalhas, na verdade mais quebra-cabeças do que outra coisa, ao contrário de uma experiência turn-based como aquelas encontradas num título de uma Square Enix.
Caracterizo-as como quebra-cabeças porque, fora a falácia e engenhoca matreira que é o sistema de combate (elaboro sobre isto no próximo parágrafo) todos os confrontos culminam sempre em atacar, defender no momento certo, recuperar “pontos de vida” e atacar novamente. É um ciclo repetitivo em todas as batalhas, cuja monotonia é quebrada pela introdução espontânea de minigames que, frequentemente, providenciam vantagens a Roy e momentos lúdicos entre personagens. Contudo, lamento os últimos combates esticarem a corda além do necessário, abalando o seu impacto emocional.
Há pouco considerei o sistema de combate por turnos de Meg’s Monster uma falácia. Isto porque, em concordância com a trama, Roy é um monstro quase indestrutível com 99,999 pontos de vida. Este raramente sofre danos logo, a reviravolta está no estado psicológico de Meg, danificado por cada vez que testemunha Roy sofrer em batalha, assumindo-se como a verdadeira barra de vida. Não obstante a originalidade da ideia, a sua execução é um tanto enganadora com a teoria a ser exatamente igual a um sistema de combate tradicional.
Algo redundante no sistema de combate apresenta-se como uma característica RPG: subidas de nível. Todas as batalhas em Meg’s Monster são programadas, não existindo confrontos aleatórios. Desta forma não existe o conceito de grinding conhecido no género, nem tão pouco existem batalhas opcionais, mas a verdade é que após cada combate Roy sobe de nível e, com isso, ganha mais força e defesa, com a Meg a receber mais “pontos de vida”. Não me interpretes mal porque é sempre giro ver números a subir, mas não deixo de perguntar “porquê?”.
Outra coisa que não posso deixar de referir são os brinquedos que Roy e Meg utilizam durante a estória, em combate, para recuperar os “pontos de vida” de Meg ou atribuir buffs passivos a Roy, como mais ataque ou defesa. Quando escolhidos aparece uma curtíssima cinemática da dupla a interagir com o brinquedo, algo que derrete corações e aquece almas.
Por último, quando Meg, Roy e Golan não estão a avançar a trama principal, existirá ocasionalmente a possibilidade de explorar outro canto do submundo, através do mapa, para interagir com eventos opcionais que enriquecem mais a história e suas. Estes por vezes resultam em curtas e divertidas sidequests, momentos perfeitos para distrair a mente do que está a acontecer naquele momento, e focar em algo diferente para variar.
Meg’s Monster está disponível para Nintendo Switch, Xbox Series X|S, e PC via Steam.