Um produto que acerta em todos os aspetos que o definem é algo que raramente experienciamos na indústria dos jogos. A volatilidade que provém de um produto complexo para um mercado massivo como os videojogos, naturalmente, resultam nesta dificuldade em realizar algo que demonstra uma qualidade competente em todos os seus aspetos.
Na minha opinião, a Atlus tem sido uma equipa que tem estado incrivelmente perto desse objetivo, geralmente havendo apenas 1 ou 2 aspetos dos seus jogos que demonstram menos atenção comparativamente com as restantes mecânicas e sistemas. Exemplos como os níveis de Persona 4, utilizando corredores gerados aleatoriamente com pouca variedade visual, demonstram exatamente este pequeno percalço onde a equipa demonstrou menos atenção e recursos em algo.
O jogo que vos trago hoje é a tentativa da Atlus de criar uma experiência onde todos os seus aspetos acertam em cheio. Um projeto ambicioso que envolve uma série de mecânicas presentes nos jogos anteriores da equipa, mas que traz também um novo mundo com conceitos e direção artística novos que refrescam o portfólio impressionante da equipa. Eis que vos apresento Metaphor: Refantazio.
A missão para salvar o reino
O protagonista desta história trata-se de um rapaz cujo nome irá ser personalizado pelo jogador, que, juntamente com Gallica, uma fada que servirá como um guia, dirigem-se em direção à grande cidade de Grandtrad, com o objetivo de salvar o príncipe que está há beira da morte. A salvação deste príncipe é de extrema importância pois o reino, de momento, encontra-se sem o seu rei, fazendo com que haja um risco enorme de se gerar um caos total devido à falta de uma força governante.
Esta missão não irá ser fácil e irás encontrar vários obstáculos e surpresas que irão moldar a história numa narrativa ambiciosa e complexa. Existem várias premissas que envolvem a história, com tópicos variados e constantes, que de certeza irão surpreender qualquer jogador. O pequeno resumo que dei apenas se insere para uma percentagem única de apenas um dígito do restante da história presente no jogo.
Tal como nos outros jogos da Atlus, temos aqui vários tópicos sérios a serem abordados, relativamente a estatutos sociais, raças, entre outros. A maturidade da história é algo que cimenta o espetacular mundo que foi estabelecido pela equipa, e nos traz uma sensação exorbitante de imersão que é bastante eficaz, fazendo com que eu ficasse completamente absorvido pelo mundo e a sua lore.
A história define-se pelo seu foco no exterior, onde sentes que o protagonista é apenas uma pessoa, que, apesar de ter um papel importante, encontra-se num mundo que vive e se resume mesmo sem ele. As várias experiências que irás encontrar durante a longa duração do jogo focam-se muitas vezes no mundo e nas restantes personagens, dando um aspeto mais amplo à história presente, e dando a autenticidade necessária para as restantes personagens poderem brilhar e ter um papel memorável.
Graficamente familiar, artisticamente ambicioso
Não irei perder muito tempo com a parte técnica do jogo, sendo que o que temos aqui trata-se da base simples de gráficos da Atlus que temos visto nos últimos jogos, resultando numa apresentação bastante modesta e sem grandes complexidades técnicas.
Esta simplicidade técnica não limita o lado artístico do jogo, sendo que temos aqui um dos jogos mais impressionantes visualmente apenas pela sua arte. O cenário de fantasia medieval é um bastante singular na coleção de jogos da Atlus, mas a equipa demonstrou uma competência exemplar ao apresentar-nos com o esplendor visual que é apresentado no jogo. Quando me deparei com uma vista distante da primeira cidade que visitamos, com o enorme monumento de arquitetura invulgar a absorver a atenção completa do jogador, imediatamente me apercebi que esta cidade vai ser memorável e impactante, cimentando a importância da mesma no reino onde se situa o jogo.
Algo que ainda impressiona mais que os cenários, são as personagens. Qualquer personagem importante para a história está incrivelmente bem desenhada, havendo uma excelente representação visual das personagens da party. Mesmo neste cenário invulgar, a equipa continua a demonstrar a sua capacidade de criar personagens que, apenas pelo seu visual, ficam pregados na cabeça do jogador.
Uns visuais impressionantes que demonstram que a arte reina no conceito de visuais num jogo, demonstrando que não é preciso uma grande complexidade técnica para deixar os jogadores de boca aberta.
Uma nova era para a fórmula da Atlus
A jogabilidade de Metaphor: ReFantazio é algo que irá ser bastante familiar para qualquer fã. Temos um sistema tempo limitado que teremos de gerir para podermos preparar-nos para as missões principais, um sistema de relacionamentos com várias personagens para ganharmos vantagens mecânicas, e também um combate por turnos clássico baseado em preparação e de atacar os inimigos com as suas fraquezas de modo a ganhar-se a maior vantagem possível.
Durante as intermissões das missões principais, irás ter um limite de uma série de dias para poderes fazer a missão. Esta missão pode ser feita a qualquer momento desse tempo limite, sendo que, se a fizeres antes do tempo acabar, terás os restantes dias para poder fazer atividades secundárias, sendo que nunca irás perder este tempo estipulado caso queiras tratar da missão principal primeiro. Cada atividade demora uma parte do dia, sendo que tens 2 atividades por dia disponíveis – uma durante o dia e outra à noite. Estas atividades são as mais básicas e rápidas de se fazerem, sendo geralmente algo como ler um livro, que te irá aumentar um dos teus atributos sociais, ou algo como melhorar o relacionamento que tens com uma personagem, dando-te uma série de passivas vantajosas.
Os atributos sociais servem maioritariamente para poderes passar certos pré-requisitos para algumas missões secundárias e níveis de relacionamento com certas personagens, sendo necessário ter um atributo específico a um certo nível para poderes progredir nessas situações. O aspeto social geralmente é mais focado nas classes do jogo, denominadas de archetypes, onde cada personagem é referente a um archetype específico, e ao aumentares a tua relação com as mesmas, irás ter mais valias relativas ao archetype relevante da mesma. Estas melhorias geralmente envolvem a diminuição do custo para poderes desbloquear os archetypes para ti ou para o restante da party, bem como aumentar o número de habilidades que podes herdar de outros archetypes.
As missões secundárias variam entre adquirires um objeto para dar a alguém, ou teres de matar um boss, sendo muitas vezes missões que te levam para o exterior. Quando vamos para o exterior, podemos perder 1 ou mais dias devido ao tempo de viagem, sendo algo que requer alguma estratégia e gerência devida do tempo do jogador. Muitas vezes as missões secundárias levam-nos para pequenas dungeons, que têm um aspeto simples, não sendo extremamente labirínticas ou visualmente variadas.
Este aspeto de manuseamento do tempo é muito mais acessível que nos jogos do Persona, sendo que é possível realizar praticamente todas as atividades no tempo definido de forma bastante natural e simples, não havendo grande foco em realizar certas atividades em dias específicos, ou em responder de certa forma às personagens, de modo a subir o relacionamento de nível em certas situações.
Onde o jogo verdadeiramente mostra a sua maior variedade são nas missões principais, onde terás as dungeons mais complexas, com uma série de caminhos e atalhos, bem como alguns puzzles simples que irão dar um pouco de variedade aos níveis. Apesar de tudo, o foco principal do jogo é sem dúvida o combate por turnos, que, na minha opinião, demonstra a maior evolução da fórmula da equipa.
Antes de entrar em combate, tens a opção de poder atacar os inimigos em tempo real com a tua arma. Ao atacares os inimigos, irás fazer com que eles percam uma barra por baixo da vida deles. Ao esvaziares esta barra, os mesmos ficam atordoados, sendo o melhor momento para entrares no combate por turnos, onde irás ter um ataque grátis no início da luta, e os inimigos irão estar no estado atordoado, fazendo com que não consigam atacar durante um turno.
Dentro do combate por turnos, temos o clássico sistema de vários tipos de dano, onde tanto tu como os inimigos têm fraquezas e resistências a um ou mais destes tipos. Os tipos de dano estão divididos em dano físico e mágico, onde o dano físico é geralmente executado por armas como espadas e lanças, e o mágico é geralmente dano elementar como fogo e gelo.
Tens também opções ofensivas e defensivas no que toca a habilidades e posicionamento no combate. Podes atacar os inimigos com um ataque básico da tua arma ou uma habilidade relativa ao teu archetype, como uma magia de fogo ou um buff de ataque para os teus aliados. Antes de realizar a tua ação, podes também decidir se a personagem em turno irá realizar a ação na linha da frente ou atrás. Se estiveres na linha da frente, todos os teus ataques corpo a corpo irão fazer mais dano, mas também arriscas a sofrer mais dano. Já na linha de trás, os teus ataques à distância, como a magia, não irão sofrer penalidade de dano, e também terás uma melhoria na tua defesa contra os ataques corpo a corpo do inimigo.
No topo do ecrã, tens os teus pontos relativos ao limite de ações que tens neste turno, sendo que, por defeito, terás uma ação por personagem na tua party. A estratégia deste sistema de combate vem exatamente destes pontos, onde é possível estenderes o número de ações que tens disponíveis. Se atacares o inimigo com a sua fraqueza, irás gastar apenas meio ponto. Outra forma de poderes gastar meio ponto vem de simplesmente passares o turno de uma personagem para a seguinte, fazendo com que haja uma razão bastante vantajosa de não fazer qualquer ação com as personagens que não têm qualquer aproveitamento das fraquezas de um inimigo. Esta mecânica é bastante satisfatória, pois muitas vezes irás conseguir duplicar o número de ações que podes fazer, atacando um inimigo várias vezes durante o teu turno, fazendo bastante dano. Podes também sacrificar 2 ações (ou, caso seja meio ponto, sacrificas apenas esse meio ponto) para realizar um ataque em conjunto com outra personagem. Estes ataques são extremamente fortes, sendo uma boa forma de encorajar o jogador a formar uma estratégia de quando gastar os pontos extra para atacar com toda a força ou para ser mais defensivo e cauteloso.
Devido à capacidade de poderes desbloquear e alterar o archetype de qualquer membro da equipa, pelo custo de MAG, um recurso que ganhas ao completar missões e derrotar inimigos, o combate neste jogo torna-se mais acessível que os jogos anteriores da equipa. Isto faz com que não haja tanto fator sorte, algo que é sem dúvida bem vindo no género. Outra adição que achei bastante beneficial é o fato de simplesmente poderes repetir as lutas a qualquer momento com o pressionar de um botão, fazendo com que, caso tenhas calculado mal as tuas ações, possas simplesmente recomeçar a luta e tentar outra vez. Tudo isto com um sistema de autosaves bastante generoso e (finalmente) respeitoso do tempo do jogador, onde nunca irás perder horas de progresso devido a não teres conseguido salvar o jogo num dos pontos especificados.
Considerando o número impressionante de archetypes (cerca de 40), temos aqui uma forma de acrescentar uma variedade quase infinita de possíveis configurações para a tua party. Alguns exemplos de archetypes interessantes são: o Brawler, um archetype focado em punhos, que utiliza a barra de vida para as habilidades; e o Knight, um archetype que utiliza uma lança, e foca-se em defender os aliados, gerindo o foco do inimigo.
Os bosses irão desafiar a tua capacidade de estratégia e decisão, fazendo com que tenhas de ter o maior cuidado em quando queres atacar com o maior dano possível, curares-te, ou defenderes-te de um ataque super forte. Algo que me impressionou, é que, desta vez, os bosses, tal como a maioria do jogo, respeitam muito mais o tempo do jogador, sendo geralmente de duração rápida e não se tornando muito cíclicos na sua duração.
A jogabilidade de Metaphor: ReFantazio define-se como algo que, em todos os sentidos, é bastante familiar para os fãs do género. Penso que o fator que é mais importante aqui são as mudanças que tentam remover um pouco do tédio que é bastante comum no género, mas tentando manter o desafio e a qualidade dos sistemas intato. Penso que a equipa sucedeu incrivelmente bem neste aspeto, resultando numa jogabilidade que mantém a sua devida complexidade, mas que não se estende para o domínio da repetição exagerada ou do tédio de um boss de 45 minutos em que realizas um ciclo de ações repetitivas. Na minha opinião, define-se como um crescimento e evolução dos sistemas que popularizaram os jogos da equipa, mostrando-os numa das suas formas mais competentes.
Uma ópera militar épica para uma história épica
Definitivamente algo que me apanhou de surpresa, a música no jogo apresenta uma mistura invulgar de temas orquestrais com um ritmo e melodias bastante militares, bem como coros e vozes de opera num épico sonoro que define a grandeza da missão do nosso protagonista no seu esplendor máximo. Quando o jogo decide juntar estas 2 vertentes numa só, temos um resultado bastante único e eficaz, que traz uma singularidade bastante especial à atmosfera do jogo. Um OST com umas abordagens bastante interessantes e algum risco, mas que, na minha opinião, funcionou de forma perfeita. Uma pura obra de arte sonora.
Agradecemos à Ecoplay por nos ter cedido esta chave para análise, para a plataforma PC (Steam).