Se há dúvida de que estamos a assistir ao apogeu da cultura coreana no cinema, essa está prestes a dissipar-se. Em boa verdade, têm sido os serviços de streaming como a Netflix, os seus grandes propulsores de disseminação, e em especial nestes últimos tempos, estes vêm a mostrar-nos cada vez mais e melhores conteúdos.
Basta, por exemplo, falarmos de Parasite, obra-prima que recebeu as atenções e louvores do mundo inteiro, mas também de obras como Sweet Home, que nos deixaram grudados ao ecrã como uma criança agarrada a um doce. No entanto, não quero que me interpretem mal, pois os nossos amigos coreanos já há muito que merecem todo o mérito que vêm a receber nestes últimos tempos. Afinal de contas, não nos esqueçamos que, por exemplo, também no campo dos videojogos, estes são um dos pilares mais importantes do mundo, especialmente no que toca, por exemplo, a MMORPGs.
Os nossos amigos, contudo, viraram-se agora para o espaço e para o mundo, de olhos postos num futuro onde vemos os fantasmas das preocupações actuais e dos momentos que estamos a viver. O resultado? Um dos filmes mais internacionais de que me lembro de ver no passado recente. Um filme onde há espaço para diferentes idiomas e culturas coexistirem no ecrã, e quase não há nacionalidade que prevaleça, apenas uma humanidade imensa que nos liga a todos.
Missão Victory, ou no seu título internacional Space Sweepers, ou ainda no original Seungriho, retrata um futuro a 71 anos de distância da publicação desta análise. Num cenário que me lembra mais recentemente de Valerian e Elysium, testemunhamos o interlúdio da odisseia espacial que tem como finalidade levar a humanidade a colonizar Marte, e a torná-lo num planeta habitável após a Terra ter esgotado grande parte dos seus recursos, e estar a chegar à exaustão iminente. A temática ambiental é de facto um veículo condutor do enredo, e apesar de toda a esperança que temos num futuro em Marte, especialmente agora que o rover Perseverance e o helicóptero Inginuity aterram com sucesso no planeta vermelho, a verdade é que passamos o filme inteiro de coração pesado, com um sentimento muito próximo de homesick e de culpa pelo estado do nosso velho planeta azul.
“A esperança foi extinta. A Terra ainda respirava, mas estava em suporte de vida. Com a Terra já não habitável, o único lugar que nos restava para ir era para cima.” – Missão Victory
À semelhança de Elysium e de Alita, também aqui existe uma clara separação entre classes que dividem a raça humana. Temos os que vivem uma vida confortável numa estrutura artificial, uma espécie de simulação de uma utopia, e temos a classe operária que sobrevive dos restos, para pagar as dívidas que se vão acumulando com o trabalho, sempre no nó da forca. Se por um lado a ciência avançou ao ponto de quase duplicar a esperança média de vida para uns, a verdade é que para os outros, cada dia é vivido na pressão de puder ser o último.
É entre estes últimos que encontramos o nosso grupo de personagens principais. A tripulação da nave The Victory conta-se pelos dedos, e sobrevive a apanhar detritos das estruturas que mantêm a colónia espacial a funcionar. Mas estes não são os únicos a sobreviver destes despojos, de facto há uma luta desenfreada, como que uma competição, entre diversas tripulações que procuram subsistir sobre o valor deste lixo espacial. No entanto, a The Victory tem um dos melhores pilotos de todos os tempos: Tae-ho. Um tipo que mesmo descalço, consegue se empenhar em conduzir com grande destreza.
Desta tripulação, tenho a dizer que apesar da história comovente de Tae-ho (Song Joong-Ki), que surge como um motor para o argumento do filme, este sente-se um pouco frio de mais, assumindo uma posição contraditória à pessoa mais emotiva que seria de esperar pelo espectador. Já a Capitã Jang (Kim Tae-ri) é uma personagem que acima de tudo se mostra uma Badass a todo o momento, e procura não mostrar sentimentos nenhuns. Tiger Park é o último elemento de carne e osso desta tripulação, e apesar de ser o mais ameaçador do grupo, é também o que revela mais o seu lado humano. Por fim, temos Robot, cujo nome diz tudo, e que qual Chappie, e sem revelar muito, tenho a certeza absoluta que vai gerar muita empatia aí por casa.
Esta gente vivia toda os seus dias normalmente, quando se deu a notícia de que um robô, Dorothy, com a aparência de uma criança muito inocente e com a capacidade de fazer explodir um planeta inteiro, teria fugido de umas instalações e estaria agora em fuga… Claro está, esta acaba por aparecer abordo da Victory, e agora a questão prendesse, se a tripulação deverá devolvê-la às autoridades, fazer um negócio chorudo com a “venda” da criança, ou deverão mantê-la em segredo e ajudá-la a viver uma vida normal. Imensas são as questões porque que nos debruçaremos pelo caminho, onde nem todas as máscaras escondem inimigos ou aliados.
Com diversos twists e várias cenas com impacto em que nos sentimos sem chão, Sung-hee Jo, dirige esta jornada que não tem muito a destacar-se de tudo o que já vimos no grande ecrã, mas que, no entanto, condensa muito bem uma história complexa, emotiva e com diversos dilemas a debater. As emoções entram a bordo e o espectador sente-se no meio da acção.
Com a ajuda de bons efeitos visuais, apreciamos grandes cenas de acção que vão desde sequências de combate, a cenas de corridas de naves espaciais. Há alguns planos que revelam uma animação 3D um pouco falsa e que parece saída de um videojogo da penúltima geração, mas dada a exigência deste projecto, onde o CGI está permanentemente a intervir e em maioria com boa qualidade de execução, facilmente nos esquecemos destes pequenos momentos. Afinal de contas, lembremo-nos que até em Away tivemos alguns descuidos apesar do ritmo mais parado da trama, mas igualmente exigente a retratar a vida no espaço.
Missão Victory encontra-se disponível na Netflix.