Provocador, talvez fosse a resposta mais acertada se tivesse que descrever Not for Broadcast em uma só palavra. Desenvolvido pela NotGames e publicado pela tinyBuild, este curioso título foi lançado em janeiro de 2022, e tive o prazer de o analisar dois anos depois; na sua edição completa.

Not For Broadcast coloca-te no centro do controlo do National Nightly News, um meio informativo de um canal de TV local. O país vive um impasse político, e cabe-te a ti escolher o que transmitir de forma a influenciar as massas, ao mesmo tempo em que lidas com dilemas culturais, políticos e familiares. E aqui levas com tudo, celebridades com ego inflacionado e alcoólatras, a políticos enganosos e publicitários enigmáticos. O importante é controlares a perceção da audiência. Enquanto o fizeres, prenderás a atenção do público, mesmo que decidas se preferes seguir a linha do partido autoritário, ou se dás ênfase ao escândalo e aos libertários. É este o maior dilema do personagem, preso entre ideologias de um governo censurador e um movimento revolucionário ao extremo da palavra.

A jogabilidade passa-se toda na sala de transmissão. Alex, o personagem que controlamos, possui toda uma panóplia de comandos televisivos ao seu esplendor, e ao início pode parecer tudo limitado, mas mais tarde conseguirás mexer em cada um deles, da forma que bem te apetecer. Temos vários ecrãs, mas os mais importantes são o ecrã mestre que tem um delay de 2 segundos do principal, que sai realmente para o público, e é aqui que são possíveis fazer as façanhas televisivas, como censurar palavras, evitar ângulos mortos, possíveis intrusos que invadem o plano televisivo, entre outros incidentes. O jogo começa de forma suave, a explicar-te tudo o que é transmissível e o que não é, os limites e os tempos, e testa a tua capacidade de concentração de forma progressiva, chegando ao ponto em que te sobrecarrega de forma a que dês tudo para teres um bom pagamento no final.

Not For Broadcast intercala a simulação de trabalho na TV com um RPG de texto. Existem escolhas a serem feitas, e algumas decisões tomadas no presente poderão ser a tragédia ou a felicidade no futuro. Certos dilemas familiares podem ficar prejudicados em prol do trabalho, como abdicar de um fim de semana com a esposa porque surgiu imprevistos no trabalho, ou a censura levar a actos desesperantes de um amigo e familiar, e cabe-te a ti apoiar, censurar e até denunciar algumas dessas situações. Se jogaste Papers Please, vais ver aqui muitas semelhanças, e perceber que tal como esse jogo, existem muitas escolhas que até fazem doer o coração de as ter que fazer.

O formato live-action traz muito a este tipo de jogo. Os personagens são muito peculiares, com uma comédia típica britânica carregada de ironia, e muitas vezes a roçar o ridículo. Um dos segmentos mais engraçados e estapafúrdios do jogo passa-se no ginásio local, em que um novo desporto chamado Sportsboard – imposto pelo partido político – é apresentado. Sem querer entrar muito no campo de spoilers, permite-me dizer que se trata de um desporto cujo foco principal é lançar uma bola de 40 mm de um balde. O problema, é que a bola não existe, isto é tudo feito por mímica e o limite é apenas a imaginação, e bem; este segmento é ridículo de rir até doer.

Os actores são dos melhores que já vi num jogo live-action. Denota-se de forma clara que a equipa por trás deste projecto entregou-se por completo a Not for Broadcast. As escolhas de cast foram sublimes, e não existe uma pessoa a interpretar mal qualquer papel que seja. Voice acting no ponto, caracterização e representação sublimes.

Apesar de ser um jogo muito bom, tem dois pontos negativos um pouco cruciais, principalmente para o público que não fale inglês. O jogo conta com legendas em Português do Brasil, mas o grande problema é que para quem não entende inglês fluente, principalmente falado, pode-se perder no meio daquela trapalhada, já que é humanamente impossível estar a controlar os comandos e estar atento à história. Depois dos segmentos, podes voltar a ver o que se passou, agora com toda a calma do mundo, mas a graça de estar a ver a live em repetição já não é a mesma.

O tempo de campanha é o outro pilar negativo do jogo. Os temas são bons e as conversas satíricas ‘idem’, no entanto, achei exageradamente longo, e essa saturação foi-se notando também na narrativa. Demorei cerca de 8 horas para finalizar este título, e as últimas já eram extremamente arrastadas. Se removessem cerca de 2 horas à experiência, tínhamos uma narrativa garantidamente melhor, menos exagerada, e mais concisa na sua abordagem.

Esta versão que analisei cedida gentilmente pela tinyBuild, trata-se da versão completa, com banda sonora, que é de uma qualidade surpreendente. O tema principal é de longe o meu favorito: melancólico, com uma atmosfera de profunda tristeza e com acordes menores que ecoavam nas profundezas da alma.

Os DLC’s também foram testados, mas estes já sem o entusiasmo da experiência principal. São experiências sólidas, principalmente o timeloop, a expansão mais recente que te faz embarcar numa nova trama tensa onde te vês preso num loop temporal, e o grande objectivo é descobrir novas pistas a cada repetição, e desvendar a verdade por trás desse mistério. No entanto, falta o impacto do jogo-base, jogo esse que me surpreendeu imenso, e agradeço por o ter descoberto agora.

Um especial agradecimento à tinyBuild por nos ter fornecido uma chave do jogo para análise no PC (Steam).

CONCLUSÃO
Informação de qualidade!
8.5
Igor Gonçalves
Curioso, explorador, e fã de videojogos desde que me lembro, e em especial pela saga Metal Gear. Não jogo plataformas, jogo jogos.
not-for-broadcast-analiseNot For Broadcast é uma experiência única que te coloca literalmente no banco de transmissão a meio de um cenário político caótico. Decisões difíceis, dilemas e manipulação, é tudo o que podes esperar nesta narrativa rica em personagens excêntricos e momentos de cair a rir, e que ao mesmo tempo explora temas como censura, liberdade de imprensa e a manipulação da informação.