Vamos esclarecer algo desde já, eu sou o vosso jogador mediano, sou aquele fulano que joga umas 3 horas semanais e umas 4 horas ao fim de semana.

Continuando nos esclarecimentos, também sou o vosso jogador que coloca 500 horas em Elden Ring, 300 horas no Super Mario Odyssey, 200 horas no Cyberpunk 2077, 100 horas em Hades ou 50 horas no Balatro.

Por estas minhas contas vê-se que não sou bom a matemática, ou então que me dedico com gosto a certo género de jogos que me colam, deitando por terra a minha primeira afirmação.

Nunca me considerei um verdadeiro jogador de me dedicar por inteiro a um jogo ou estilo, de ter a rotina de jogar todos os dias, mas sempre gostei de jogar, e para gostar de jogar há que ter algo muito importante, um bom produto para o fazer.

Não vou estar aqui a dizer que não existem bons jogos lançados nos últimos tempos que mereçam todo o apreço e dedicação, nem digo que não existam bons jogos a serem mantidos para continuar a cativar mais e mais jogadores – Cyberpunk 2077 e No Man’s Sky são dois ótimos exemplos disso mesmo – contudo a procura do santo graal parece estar a levar as empresas de videojogos por um caminho onde tudo é amarelo, e acreditem, nem todos gostamos de amarelo.

Se por um lado a assombração das micro transacções já chega a um nível de meme ridículo – e que de micro já nada têm – os jogos em live service têm sido mais uma doença que corrói este negócio de muitos milhões onde todos querem ter a sua fatia.

O investimento que está a ser feito não o está a ser com uma visão, não o está a ser feito com a visão de um jogador, não está a ser feito com a visão de alguém que quer dar algo icónico, algo intemporal, está a ser feito com a visão de alguém que olha somente para números e isso tem influenciado todas as movimentações que temos visto nos últimos tempos.

Os despedimentos, estúdios a desaparecer, lançamentos completamente furados, versões beta que não têm jogadores suficientes para serem um teste real, a saga de produtos inacabados, a insistência numa narrativa com pretexto, a falta de originalidade e acima de tudo, a falta de algo fresco, tem levado a que cada vez mais o velho ditado português tome força num mundo digital: “O cliente tem sempre razão”.

Mas não é essa a visão de quem olha para números, o facto de um jogo não ter as vendas esperadas, não tem feito mudar em nada a gestão dos grandes monopólios que, infelizmente, são quem toma as rédeas das tendências, pois no final do dia, o cliente só compra o produto que estiver disponível… ou não.

E é aqui que a comunidade tem demonstrado qual o poder que a carteira tem. Não é uma novidade, não é algo que muitas vezes se queira fazer, mas é algo que se tem de fazer, mesmo que isso implique os fracassos aos quais temos assistido e as fantásticas decisões que os senhores dos números têm tomado.

Eu penso em todos os artistas e programadores talentosos, todos os escritores, todos os músicos, todos os verdadeiros amantes de jogos que dedicaram ou pensaram dedicar parte da sua vida, não a jogar, mas a produzir algo que fosse jogável, para terem aquele orgulho de dizer “eu contribuí para isto”.

Penso em todas essas mentes brilhantes e como estão a ser capadas hoje em dia naquilo que seria, talvez, um projecto fraco, talvez um projecto que não vendesse mais do que 200 mil unidades, mas que foi transformado num live service, ou onde foram adicionadas micro transacções, ou que pela pressão da entrega saiu inacabado mas tudo vai ser resolvido no próximo DLC que irá custar somente dois terços do jogo. E que tudo isto resultou em números diferentes dos esperados, números que fizeram com que estas mentes brilhantes estejam agora a produzir outro tipo de valor, noutro tipo de empresas, que provavelmente nunca será visto pelo público em geral, nunca será motivo de orgulho.

Óbvio que as empresas existem para gerar lucros, e os senhores dos números são os responsáveis para que os lucros apareçam, mas se o cliente tem sempre razão, porque continuamos então a receber jogos em tons de amarelo, quando o que realmente queremos são jogos de todas as cores, que demorem mais um ano, mais dois, mais os que forem precisos na sua produção, desde que sejam feitos com a visão de que nós o iremos jogar, iremos dedicar tempo da nossa vida a entrar nesse mundo criado para ultrapassar os desafios desenhados e idealizados na mente de alguém, alguém que escutou a comunidade como um todo e não ligou somente às vozes que se querem mais ouvir, alguém que quis criar algo com valor, e aí sim, o valor é transformado em números, números que podem ser o ínicio de um caminho que os senhores dos números consigam entender, consigam olhar para o lado e ver os bons exemplos que existem de visões de pessoas geniais como as que existem numa Larian, numa From Software, numa Hello Games, numa Super Giant, numa The Game Kitchen, como num LocalThunk, como num Poncle.

Tudo isto numa pequena homenagem a todos estes developers, estúdios, no fundo pessoas que nos fizeram dizer com orgulho que, o cliente tem sempre razão, e estavam completamente certos quando lhes abrimos a nossa carteira e demos o voto de confiança para continuarem no caminho certo.