Gosto bastante de falar em imersão nas minhas análises, pois creio que a atmosfera que certos jogos criam para nos sugarem para dentro do seu mundo, transmite uma sensação quase transcendente ao plano real. No entanto, nos últimos anos, e embora ainda tenha tido a sorte de me sentir imerso em dezenas de jogos, como Witcher 3 ou God of War, sinto sempre que falta qualquer coisa. Não deixo de achar os jogos 10/10 ou o estatuto mais alto que queiram atribuir, mas passo-os em visão de túnel para a TV, não deixando (ou tentando não deixar) que nada perturbe a visão que as equipas tanto trabalharam para nos oferecer.
Esta visão de túnel, embora imersa, traz também solidão, não num mau sentido, em que sinta que me tenho de afastar de alguém ou deixar de falar com as pessoas, mas talvez seja mais fácil regressar uns anos para (tentar) explicar.
Na era Playstation 2, como já referi em alguns artigos e podcasts, tive a sorte de um familiar trabalhar para a imprensa, e assim poder jogar praticamente todos os jogos que fossem saindo (claro que ainda assim passaram imensas pérolas ao lado, que ainda hoje visito). E estes jogos, depois de saírem da mão do meu familiar pois já tinha conteúdo para a análise, vinha para o quarto de três irmãos que não tinham muitos gostos em comum, mas um deles, e talvez o maior, era jogar videojogos.
Assim, num modo quase ritualesco, ansiávamos pelo próximo jogo que seria trazido pela nossa mãe, saindo da escola a correr para saber se era o dia de discutirmos o quão “fixe” ou viciante era o novo produto. Fomos agraciados com uma miríade de experiências, sendo praticamente impossível (estimo eu, com a minha péssima matemática) completar todos os jogos que lá saíram, e todas estas experiências, traziam os seus defeitos e qualidades, algumas com um lado mais pesado do que o outro.
No entanto, e é aqui que o título, que na verdade é um paradoxo com o texto do artigo, entra em jogo, para nós era indiferente se o jogo vinha carregado de defeitos, pois a experiência de estarmos os três colados ao ecrã para ver quem conseguia completar níveis mais rápido, ou teria melhor pontuação nos que assim exigiam, ultrapassava quaisquer obstáculos que tornassem uma experiência considerada como má, ou só menos boa.
Jogos como The Great Escape, Over the Hedge, Mashed, ou até mesmo os clássicos como WWE SmackDown! vs. Raw 2006 e Pro Evolution Soccer 6 não traziam o peso de serem avaliados como videojogos, só traziam a leveza de serem experimentados por miúdos que se queriam divertir e perceber sobre o que é que era o novo jogo.
Claro que hoje em dia, com a internet e a facilidade de transmissão de informação, tudo se sabe em pouco tempo, mas naquela altura só nos guiávamos pela capa e imagens da jogabilidade, ou talvez um dos amigos com que jogávamos futebol e já o tivesse jogado, mas ainda assim, não era isso que nos impedia de experimentar os títulos, fossem quais fossem. Passaram pelas nossas mãos centenas de videojogos, e não me consigo lembrar de um único que tenha considerado mau, porque não havia visão de túnel, mas antes uma visão e experiência com “tenta lá fazer isto”, e “qual é o tempo que consegues fazer se jogares com os olhos fechados?”, que conseguiam tornar mesmo a mais frustrante das experiências numa coisa parva, e com piada.
Atualmente, o panorama dos videojogos está repleto de toxicidade, com videojogos a serem detestados antes sequer de saírem, equipas a serem criticadas porque dizem ou fazem X ou Y, e isto traduz-se numa tempestade que passa para a experiência do videojogo, pois antes de termos o jogo instalado e o comando na mão, já sentimos o peso de o jogar, mesmo sem nunca termos dado um passo naquele mundo virtual.
Claro que temos de ter a força mental de ignorar isto tudo e jogar sem influências, sendo este um dos motivos pelos quais não tenho redes sociais, mas a palavra espalha-se rapidamente, e com a exigência dos jogadores a aumentar, e a facilidade com que rapidamente se coloca uma equipa ou jogo na “lista negra”, a linha está mais ténue que nunca.
Já me estou a pseudodivergir (porque na realidade isto é sobre o que eu quiser escrever, mesmo que seja um tema por parágrafo) do tema do artigo, e fico-me por este parágrafo, mas isto para tentar explicar que, esta experiência de três miúdos hoje em dia tentarem jogar um jogo atual, já traz impressões ou opiniões passadas. Espero estar errado e que muitas pessoas tentem fazer isto.
Esta leveza que nós tínhamos a experimentar um jogo, trazia uma aura que ainda hoje sinto, sempre que passo os olhos pelas suas capas. Uma aura que, de certa forma, serve como escudo aos defeitos do jogo, por muitas más análises ou impressões que possa ter.
Há uns tempos instalei um emulador no meu computador e experimentei o Robots, adaptação do filme homónimo, com todas as melhorias que o PCSX2 oferece, trazendo o jogo quase a visuais da geração anterior, mas embora estivesse a gostar de jogar, quando completava uma zona, quase olhava para o lado por reflexo, ou estava sempre à espera de um comentário relativo às parvoíces que os robôs dizem à medida que passamos por eles.
A experiência, embora nostálgica, não foi a mesma, e já me sentia a ser puxado para o meu lado crítico, que embora desgoste, é desenvolvido sempre que me dão uma chave.
Embora o peso da nostalgia possa ser maioritariamente interpretado como nos agarrarmos às memórias do tempo em que jogávamos, ficando assim agarrado ao passado, eu acredito que pode ser recriado, em condições diferentes.
Vou pegar num exemplo que senti recentemente.
Aliado à constante misdirection que a From Software nos apresenta nos trailers, o que revelam sobre os seus jogos é tão vago, que qualquer jogador tem dificuldades em saber seja o que for antes de lá entrar. Logo, a experiência de reunirmos amigos para descobrir o jogo torna-se mais pura. Mas, temos de puxar pela tal força mental, pois mesmo uma experiência como estas, chega numa altura em que existe tanto escrutínio sobre um produto, que são feitas dissertações sobre quão má uma mecânica ou um boss podem ser.
Estou atualmente a jogar o DLC Shadow of the Erdtree com o já conhecido por vós Diogo Lopes, e estamos a completar o novo conteúdo totalmente em co-operação. A experiência de descobrir e lutar, mesmo sendo mecanicamente idêntica ao do jogo base, transforma-se numa viagem repleta de gargalhadas ou fascínio conjunto, colocando talvez mais recordações no conteúdo adicional do que no jogo base, que se trata de um dos melhores videojogos de todos os tempos, logo, também está carregado de boas memórias.
Estas deambulações foram uma tentativa de potenciar um novo olhar, e novas experiências para a comunidade. Deixem os tweets, o youtube e as opiniões para o pós-jogo, juntem-se com amigos, nem que seja para a primeira hora, e irão ver que a experiência e imagem que formam será completamente diferente, ainda que venham a descobrir que este está repleto de maus comentários.
Durante a escrita deste artigo ponderei bastantes vezes sobre alterar o nome para “A Leveza da Nostalgia”, pois acredito que se enquadrasse melhor com a leitura do texto, mas a verdade é que os pesos que carregamos, com base nas experiências que já tivemos, servem para moldar a nossa maneira de encarar novas situações, e é assim que tento levar a minha descoberta pelos videojogos.