Devo confessar que sou suspeito. Parte do meu interesse nesta série adveio da minha paixão por filmes ao estilo de Indiana Jones ou A Múmia. A descoberta de cidades perdidas ou de algum elemento perdido da História é algo que desde que era pequeno sempre me fascinou. Neste sentido, devo dizer que o primeiro filme que carregou o título d’O Tesouro, estrelado por Nicolas Cage, é um dos meus preferidos. Sempre achei que a conjunção perfeita de comédia e ação, com um toque humano tão genuíno que, apesar de fazer parte da casa do rato mais famoso do mundo, foge à armadilha da obra “pré-fabricada”, cuja “voz”, apesar de simples, é única.

Contudo, também senti algum receio. A Disney tem demonstrado alguma resistência em sair da já mencionada “armadilha”, sendo o Universo Cinematográfico da Marvel o expoente máximo desta tendência. Além disso, com a mudança para o formato televisivo poderia diluir alguns dos elementos que fazem d’O Tesouro uma obra tão fascinante aos meus olhos.

Posto isto, e passando já para a análise da série, se pudesse resumir O Tesouro: No Limiar da História numa palavra seria esta: brega. Apesar do título fantástico, esta é uma série com elementos estruturais tão ridículos que, por grande parte dos seus 10 episódios, escapa à identidade já consolidada pelos filmes que a antecederam. Seja em história, personagens ou música.

A começar pela história, achei-a genérica. Jess Valenzuela, uma jovem latino-americana de 21 anos, vê a sua vida virada do avesso quando, por obra do acaso, um estranho lhe dá uma pista para um tesouro relacionado com o seu passado familiar. Com a ajuda dos seus amigos, Jess irá testar as suas capacidades de resolver enigmas enquanto passa a perna a uma caçadora de tesouros que não tem mãos a medir para o alcance dos seus objetivos. Enquanto procuram pela próxima pista, a protagonista será forçada a questionar a lealdade de cada um dos seus aliados e se a procura por este tesouro centenário justifica os meios para a obtenção do mesmo. Isto, claro, aliado a certas situações caricatas, características deste tipo de histórias.

Ao acompanhar esta série semanalmente, senti que a história não é boa o suficiente para prender a respiração dos espectadores, levando-os a questionar o que é que vai acontecer. Em parte, isto deve-se ao quão genérica é a narrativa. Não há nada que não tenhamos visto em outras obras do género. Contudo, a meio da série, parece que a história se perde. Senti que os guionistas já não sabiam o que fazer, e então criavam situações que nada tinham a ver com a grande narrativa da procura pelo tesouro. A procura pela verdade das Filhas da Serpente Emplumada, os factos históricos ou a discussão de novas pistas, algo que se destacava nos filmes anteriores, é quase inexistente ou demasiado fraca quando acontece. A preocupação é avançar a narrativa da série. E com esta pressa de “andar com a história”, os guionistas criam situações tão absurdas e tão inverosímeis dentro do universo que parece que a série deixa de ser uma entrada no universo de National Treasure para passar a ser Outer Banks com um selo da Disney, manchando um pouco o legado dos filmes que a antecederam.

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A situação não melhora quando olhamos para as personagens. Jess é a típica protagonista de uma série genérica do Disney Channel. Digo isto, claro, negativamente, já que, apesar de haver espaço para algumas discussões interessantes sobre a sua hereditariedade, ou como o tesouro a está a afetar psicologicamente, pouco ou nada é feito. Simplesmente apresentam as situações e deixam-nas desvair. O que é uma pena, porque Lisette Olivera fez um bom trabalho como Jess. Senti que, dado um guião mais bem trabalho, poderíamos ter visto uma Jess muito mais complexa e interessante.

Os restantes amigos de Jess também são igualmente rasos, assemelhando-se mais a estereótipos presentes neste tipo de histórias do que a pessoas.  Se Liam (interpretado por Jake Austin Walker) é o interesse romântico, Ethan (interpretado por Jordan Rodrigues) é a “voz da razão” e Oren (Antonio Cipriano) é o “engraçadinho” (que passa mais por irritante do que engraçado). Já Tasha (interpretada por Zuri Reed) é a melhor amiga de Jess e, na minha opinião, a personagem mais irritante de toda a série. Acredito que os guionistas usaram a personagem para dar alguma profundidade à narrativa, trazendo à tona algumas discussões sociais.

O problema está na forma como a personagem aborda estas questões, interrompendo o diálogo de cenas mais importantes para comentar sobre algum problema social ou usando-as para salvar os amigos de alguma enrascada, resultando assim em cenas de comédia. Sem contar, claro, com os poderes informáticos que a personagem tem. Se no começo da série Tasha era apenas uma produtora de conteúdo para a internet, no final da temporada já consegue entrar em redes de alta segurança com um laptop. É o tipo de inocência relativamente á tecnologia que passava por credível em 2004, mas hoje em dia nem tanto.  

O restante elenco ou é pouco memorável (com uma jornada que se resume a uma simples ação) ou verdadeiramente descartável. Ainda estou para perceber qual foi o propósito da personagem de Joseph D. Reitman, visto que a mesma não faz absolutamente nada para a história da série. Quero apenas dar destaque a Billie Pearce, a caçadora de tesouros interpretada por Catherine Zeta-Jones. Há algum tempo que não via nada de novo da atriz, portanto foi interessante vê-la de novo em ação num registo mais vilanesco. Já a personagem em si, tendo em conta a história da série, serviu o seu propósito e pouco mais. Tem lá a sua profundidade (mesmo que não seja muita), o que por si só já a destaca mediante as restantes da série.

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Queria só dar destaque à música utilizada na série. Trevor Rabin regressou à franquia para produzir a banda sonora da série. Aqui, Rabin aposta em temas que remetem para o México ou para as antigas tribos que povoavam o território americano. É uma boa banda sonora, sendo o destaque a música de abertura de cada episódio. É um tema que passa, simultaneamente, uma atmosfera de grandiosidade histórica (resgatando um pouco o trabalho anterior de Rabin na franquia) com algo mais energético. O resto da banda sonora é prestável, acrescentando pouco às cenas quando utilizada. Mas é com as músicas licenciadas que eu tenho alguns problemas. Geralmente, estas músicas são utilizadas como transição entre locais, prática comum a muitas séries de televisão. Mas as músicas utilizadas ou não fazem sentido nenhum em relação ao que está a acontecer na história, ou são irritantes.

Posto isto, há que deixar uma coisa bastante clara, quiçá contraditória aos pontos feitos ao longo desta análise: adorei ver No Limiar da História. Há que lembrar que esta é uma série infanto-juvenil, ou seja, muitas das coisas que foram ditas ao longo desta análise podem não ser tão relevantes para alguém que não cresceu ou tem tanto apreço por este universo. Algumas coisas que podem algumas pessoas, sejam elas incoerências na história ou ações que à partida não parecem fazer sentido, são comuns a este tipo de histórias. Confesso que ri muito com o ridículo desta série, e aquilo que me frustrou não apagou o quanto eu me diverti com esta série. No fundo, No Limiar da História propõe-se a criar momentos de diversão ao longo de 10 episódios de 45 minutos, e foi isso que ganhei.

O Tesouro: No Limiar da História já está disponível no Disney+.

CONCLUSÃO
Divertido
6
o-tesouro-no-limiar-da-historia-analiseApesar da identidade criada pelos filmes anteriores se apresentar de uma forma muito diluída sob a forma de personagens, frases, música ou até objetos, “O Tesouro: No Limiar da História” divertiu-me muito com aquilo que é: uma série de ação e aventura, com uma história e personagens pouco desenvolvidas, mas com uma diversão ao rubro.