O homem armado com um martelo em busca de vingança está de volta aos cinemas portugueses, Oldboy – Velho Amigo (re)estreou recentemente nas nossas salas através da distribuidora Films4You, mas agora, em 4K!
Nos últimos anos o cinema asiático tem ganho uma atenção maior por parte do público e da indústria cinematográfica ocidental a grande velocidade. Obras como Parasitas de Bong-Joon Ho que inclusive ganhou Óscar de Melhor Filme e Melhor Filme Estrangeiro ambos em 2020, ou recentemente o fenómeno coreano da Netflix, Squid Game, têm tido um impacto enorme e conquistado cada vez adeptos das produções orientais. Só Squid Game manteve-se nos top das séries mais vistas da plataforma da Netflix e tem inundado as redes sociais com cada vez mais seguidores.
Dito isto, a meu ver estamos perante um ótimo timing para rebobinar um excelente filme de 2003 que não só se pode considerar um clássico do cinema coreano até hoje, como em certa medida serviu de inspiração para muitas outras obras que viriam no futuro nomeadamente do cinema de ação.
A primeira vez que vi Oldboy se a memória não me falha foi numa transmissão do canal da RTP2, numa das sessões de cinema depois da meia noite há muitos anos atrás nos meus tempos de adolescência. Apesar de ter sido exibido por cá só por volta de 2005, a imagem icónica de um homem apenas munido do seu martelo perdura até para aqueles que desconhecem o filme. Uns anos mais tarde, voltei a rever com outros olhos e com outra mentalidade, mas esta versão remasterizada em 4K não só foi uma ótima oportunidade de puder rever pela primeira vez numa sala de cinema (grande por sinal) como deu para observar mais ao pormenor a fonte de algumas inspirações modernas que conhecemos hoje.
E falando em inspirações, é curioso como no mesmo ano em que este clássico saiu, tanto as sequelas The Matrix Reloaded e The Matrix Revolutions como o primeiro volume de Kill Bill de Quentin Tarantino igualmente estavam para ser lançadas. Tudo isto para dizer que de uma forma ou outra, acabam por complementar-se umas às outras no género do cinema de ação e do neo noir.
Nota-se até bastante influência anos mais tarde em John Wick, seja por algum guarda-roupa escolhido, seja a maneira como várias sequências de ação com planos únicos são escolhidos. É engraçado até que uma peça musical do compositor italiano Vivaldi seja usada em ambas as obras de Oldboy e John Wick 3: Parabellum.
Na história conhecemos Dae-su, um homem casado e com uma filha, que é raptado e aprisionado num quarto de hotel sem qualquer explicação. Quinze anos depois é libertado. É-lhe dado dinheiro, um telemóvel e um fato novo. Desorientado, Dae-su luta para descobrir porque foi preso. Mas o seu raptor ainda tem planos para ele e envia-lhe mensagens que o incitam à vingança.
Quase vinte anos depois, a trama do filme ainda vai conseguir captar e chocar novos fãs que ainda não tenham tido oportunidade de visualizar esta obra.
Orquestrado de uma maneira que inicialmente nos deixa tão confusos quanto Dae-su quando é raptado logo no início, a linguagem visual, de uma certa forma abstrata, é aqui uma boa ferramenta para contar a sua história que vai construindo e desconstruindo como um puzzle. E neste caso numa projeção restaurada em 4K, é belíssimo poder apreciar todo esse aspeto visual como nunca tinha visto nestas dimensões, ou por outras palavras, toda a arquitetura do filme e narrativamente falando.
As duas cenas em particular que mais apreciei neste relançamento com todo o seu esplendor, foi quando acompanhamos todo o isolamento de Dae-su durante os 15 anos em que se encontra “confinado” no quarto e presenciamos a sua sanidade mental a esvaziar-se aos poucos e levando o mesmo à loucura e à introspeção. Ainda para mais nestes tempos atuais em que vivemos e passámos por algum isolamento social devido à pandemia, tais mudanças ou mesmo uma certa sensação de prisão são bem eficazes para nos provocar.
Quinze anos podem fazer alguém mudar muito e até mesmo camuflar o seu próprio ser, e a interpretação de Choi Min-sik como Dae-Su continua muito bem trabalhada (que mesmo em certos momentos conseguimos ler o que vai nos seus olhos). Sem entrar em spoilers (pelo menos para quem ainda não viu), todo o seu trajeto culmina num momento de enorme fragilidade e exposição no seu climax que como se costuma dizer em inglês, é talvez o maior payoff do filme e uma brilhante interpretação e versatilidade do ator tendo em conta as camadas da sua personagem.
A segunda cena (e pelo menos para mim a mais icónica de Oldboy até hoje) é claro, a cena de luta no corredor, que parecendo ser filmada num único plano na verdade demorou cerca de três dias de filmagem e perto de 17 takes culminando na sequência aproximada de 3 minutos e meio.
Num formato 4K, foi um privilégio poder apreciar uma das mais emblemáticas cenas de ação filmadas até hoje como se fosse uma sinfonia que acompanhamos do início ao fim no meio de golpes e dedos partidos pelo meio. Quase como o estilo de jogos clássicos 2D como Streets of Rage ou Street Fighter em que a câmara simplesmente fica focada só num único ângulo e apreciamos toda a coreografia acontecer diante de nós. Sem dúvida que só esta cena tão prazerosa de assistir nesta sua versão restaurada tecnicamente falando, já vale por si só o preço do bilhete.
Poderá não ter o mesmo impacto nos dias de hoje para quem assistir pela primeira vez, tendo em conta que vinte anos depois muitos realizadores já usaram e abusaram de estilos semelhantes, e por isso vão certamente relembrar ter visto já anteriormente em outras produções, mas ainda assim continua como um pedaço de história no mundo do cinema que veio inspirar mais tarde outros cineastas.
Em suma, no meio de uma semana recheada de estreias esperadas que ainda estavam para ser lançadas este ano, fica aqui a minha recomendação de ver ou rever uma obra prima do cinema coreano e em geral. Um conto de vingança cru e nu, que não se limita simplesmente a querer chocar o espectador de forma gratuita, mas que por trás disso há sempre um significado por trás, um subtexto a ser interpretado. Com uma estética única e um esquema cromático belo e interessante, acrescenta-se ainda bastante humor sádico pelo meio.
Costumo dizer que não é um filme para toda a gente (isto no bom sentido) porque de facto quanto mais pensamos na história (de certo modo simples mas bruta), mais nos frita a pipoca quando desvendamos as peças, umas inesperadas e outras que podemos talvez suspeitar mas não queremos acreditar.
Existe ainda um remake americano realizado por Spike Lee lançado em 2013 com Josh Brolin no papel principal, mas admito que ainda não tive oportunidade de espreitar o resultado.
Há muito para retirar de uma obra de culto como Oldboy – Velho Amigo, seja para cinéfilos ou para entusiastas do cinema de ação, e nada melhor do que o fazer numa ida ao cinema nesta versão restaurada em 4K. Aproveitem!