Muitos conheceram o universo de Pokémon há mais de 20 anos, quer pelo Anime, quer pelo ecrã do Game Boy Color. Alimentada pelas figuras de coleção, pelas cartas do TCG oficial e pelos inesquecíveis tazos, que guardávamos e trocávamos com amigos, a marca Pokémon foi crescendo ao longo dos anos, sustentada por vários pilares que iam mantendo e conquistando adeptos de diferentes gerações.

Ainda assim, apesar de todo o sucesso e das muitas memórias que guardamos, este artigo recua efetivamente no tempo, mas foca-se nos clássicos que explorámos no Game Boy Color, nomeadamente os da primeira geração, Red, Blue e Yellow, e da segunda, Gold, Silver e Crystal.

Não é necessária uma mente de Alakazam para adivinhar o teor deste artigo, até porque o título é bastante direto. Pokémon está diferente, mas será que era assim tão mais difícil do que é agora? Talvez. E porquê? Vamos descobrir.

A ideia de escrever sobre este tema planava como um Wingull na minha cabeça há algum tempo e agora decidi colocá-la em prática. Há pouco tempo completei novamente Pokémon Gold, já perdi a conta às vezes que o fiz, e de momento estou a jogar Pokémon Blue, que acaba por cair no loop de Pokémon que tenho o hábito de manter em andamento.

A série Pokémon teve início em 1996, quando Pokémon Blue e Red nos chegaram às mãos, no caso europeu em 1999. Um ano mais tarde, inspirado no anime, chegou Pokémon Yellow, protagonizado por Pikachu, que acabou por se tornar mascote da marca. Estes primeiros títulos levaram-nos até Kanto, região onde conhecemos os primeiros Pokémon da Pokédex, as estrelas do sucesso televisivo.

Com várias horas de jogo e quase ilimitados, colocaram a fasquia bem alta para tudo o que pudesse ser lançado posteriormente. Mais tarde, apanhámos o comboio de Kanto para Johto e conhecemos novos Pokémon, novos treinadores e uma região com segredos e mistérios próprios.

Pokémon Gold e Pokémon Silver, ambos lançados na Europa em 2001, e Pokémon Crystal, lançado mais tarde no mesmo ano, representaram um salto gigante, não só pela cor como pelos próprios gráficos e pela profundidade com que se apresentaram.

Relativamente desafiantes, estes seis jogos eram um verdadeiro sucesso nos intervalos da escola. Lembro-me bem jogar com amigos e de passar horas, sobretudo em Pokémon Gold, a procurar novos Pokémon e a tentar evoluir a minha equipa para poder progredir.

À época, tudo parecia fluir com o ritmo com que era suposto. A dificuldade não era questionada nem criticada, os limites impostos pela necessidade de troca de Pokémon para completar a Pokédex ou evoluir Pokémon eram encarados com naturalidade e como uma parte integrante do jogo.

Com o avançar do tempo e com pequenos detalhes que foram sendo atualizados, os jogos mudaram, os jogadores despertaram para novos formatos e a experiência acabou por sofrer alterações, tanto na dinâmica de jogo como na própria componente de desafio.

O que mudou?

Muito se comenta sobre o facto de Pokémon estar demasiado simples hoje em dia. Entre alguns comentários online, encontramos termos que vão de “aborrecido” a “menos repetitivo”, da crítica ao elogio. Numa perspetiva mais lógica, há quem diga que a simplificação serve para direcionar os jogos para um público mais novo e há quem diga que procura evitar a frustração do fracasso.

Concordo, especialmente com a última ideia, na medida em que, com o passar dos anos, o desafio de Pokémon desapareceu, levando com ele o efeito nostálgico que as primeiras gerações transmitiam. Não acredito que isso possa ter impacto nas vendas ou na adesão de jogadores da minha geração, a dos anos 90, quando Pokémon começou a ser um sucesso, mas há uma certa magia que pode acabar por se perder.

Na prática, creio que não passa apenas pelo facto de a idade e a experiência nos prepararem estrategicamente para jogar Pokémon. É verdade que estes fatores contribuem para o sucesso, na medida em que nos dão uma melhor noção de como funcionam as vantagens sobre adversários e de como podemos gerir a equipa de forma a vencer os combates. No entanto, isso não é tudo.

Aliás, basta regressar a Pokémon Red ou Blue, ou sobretudo a Pokémon Yellow, depois de ter passado por exemplo por Pokémon Sword & Shield, para perceber a disparidade de níveis de dificuldade. No fundo, mais uma prova de que o desafio não está necessariamente no jogador, mas no título que cada um decide jogar.

A tela de derrota deixou de aparecer desde que passei a jogar na Nintendo 3DS. Posso ter baixas ocasionais na equipa, mas escasseia a experiência traumática de ver perder o meu último Pokémon e de ser levado à força para o Centro Pokémon. E isto era algo recorrente nos títulos iniciais, logo desde as primeiras batalhas.

É-me complicado situar no tempo e na coleção quando é que Pokémon se tornou mais fácil ou de que forma essa simplicidade foi evoluindo gradualmente. O que é certo é que agora os treinadores são mais brandos e mais mãos-largas nas recompensas e os itens vantajosos parecem estar espalhados por toda a parte.

O facto de o grinding ter sido praticamente eliminado, em muito graças ao Exp. Share e a um menor intervalo nos níveis dos adversários de etapa para etapa, retira bastante peso ao desafio de Pokémon. Retira igualmente horas de jogo, geralmente destinadas a repetir combates com o propósito de ganhar experiência e subir de nível. Estas horas têm sido alocadas a outro tipo de atividades dentro do jogo.

Os mapas também têm facilitado. Muitos jogadores não esquecem a temível Victory Road e as grutas labirínticas que nos deixavam mais perdidos do que um Psyduck confuso.

Em termos de composição de equipas, houve ligeiras alterações que proporcionam um progresso mais fluído.

Se inicialmente, tínhamos de considerar os HMs (Hidden Machines) necessários para avançar e manter na equipa Pokémon que os suportassem, limitando tipos e movesets, ultimamente isso não tem acontecido. A eliminação desta condicionante trouxe a possibilidade de apostar em novos tipos de Pokémon e em combinações mais originais. Fora ou dentro de combate, as diferenças fazem-se sentir.

Basta pensar em algo tão simples como o facto de as notas de “Super Effective” e “No Effect”, que hoje surgem associadas a cada ataque, não existirem até há pouco tempo. Como consequência, era necessário aprender e calcular o efeito de cada ataque em cada tipo de Pokémon. Uma boa escola, rica em informação que não se esquece.

Mais e melhores itens

A logística também mudou. A mochila que transportávamos era relativamente pequena, obrigando-nos a fazer uma gestão muito mais rigorosa de itens, até porque encontrá-los no mapa era bastante mais complicado. Por sua vez, os itens vendidos no PokéMart tornavam-se mais dispendiosos, tendo em conta que o dinheiro arrecadado com cada vitória era muito inferior ao que conquistamos atualmente. Este desnível no poder de compra influenciava a forma como curávamos os Pokémon e como usávamos determinados itens.

E, por falar em itens, é inevitável referir que não existia Experience Share, ou Exp. Share, o melhor amigo de qualquer treinador que procure evoluir Pokémon com rapidez. Este é possivelmente o principal fator de impulso na forma como percecionamos a dificuldade dos jogos mais recentes. Ainda assim, sem querer ser parcial: Obrigado, Exp. Share!

Estou longe de querer fazer desta mudança algo exclusivamente mau. Se, por um lado, a supressão da dificuldade vai esvaziando os jogos de desafio, por outro lado, permite que o jogador se foque mais na história, evitando largos intervalos entre acontecimentos e a perda de motivação para acompanhar o enredo.

Apesar de ser adepto de um bom desafio, concordo que o excesso chateia, incluindo na dificuldade dos jogos. Ninguém gosta de sentir frustração. Ninguém gosta de não conseguir somar dinheiro para comprar itens, tal como ninguém gosta de não poder recolher um item sem ter der dispensar outro. São detalhes que acrescentam desafio, mas um desafio que nem sempre é necessário.

Por outro lado, o alívio do peso da dificuldade permite uma maior liberdade na composição da equipa, não exigindo a inclusão de Pokémon funcionalmente necessários.

Reconheço que este artigo parece um beco sem saída. Há um Snorlax a barrar o caminho e ninguém consegue passar. No fundo, por muito que escreva, é apenas uma reflexão sobre como os jogos Pokémon foram mudando, no sentido de se tornarem mais simples, mas também de comportarem novas histórias e dinâmicas.

Como em tudo, esta viragem tem vantagens e desvantagens, pontos que agradam mais e pontos que agradam menos. Não basta dizer que os jogos estão mais fáceis. É importante sublinhar que têm sido acrescentados e retirados pequenos elementos, tornando a experiência mais simples e leve.

Para além disso, a curva de aprendizagem e o facto de sermos jogadores treinados podem também ter impacto na forma como encaramos a evolução dos jogos ao longo da série. Em suma, podemos considerar que as mudanças passam tanto pelo jogador e pelo público-alvo da marca como pelas dinâmicas que foram sendo modificadas, no sentido de tornar a experiência menos repetitiva.

Felizmente, podemos reviver as aventuras originais e desfrutar das novas criações praticamente em simultâneo… mesmo que o catálogo de clássicos não esteja disponível integralmente em formato digital. Quanto a isso, resta-nos esperar!

E como não quero fechar o artigo sem puxar a brasa à minha sardinha preferida: se querem um Pokémon equilibrado, completo e carregado de conteúdo, não se esqueçam de espreitar Pokémon HeartGold & SoulSiver. A sério, é melhor do que encontrar um Rare Candy no final da Victory Road.