Uma das maiores febres do momento é o Pokémon. Desde crianças a adultos, a palavra “Pokémon” dificilmente passa despercebida, mesmo para quem não conhece a franquia, ecoando por quase 30 anos! Atualmente, esta é a maior franquia do mundo, acumulando uma grande soma de receita (cerca de 98 mil milhões de dólares em receitas à data de escrita deste artigo), derivada da sua vasta gama de produtos. Entre estes, podemos destacar os videojogos, o merchandising, as séries de anime, filmes e, não esquecendo, o famoso jogo de cartas Pokémon Trading Card Game. Este último foi uma das grandes apostas feitas pela Nintendo, Game Freak e a Creatures, que se revelou um total sucesso.

Nos dias de hoje, Pokémon Trading Card Game é um autêntico sucesso de vendas, com uma forte aposta no segmento competitivo e conseguindo bater recordes ano após ano. Com cartas ilustradas por vários artistas, em diferentes estilos únicos, com efeitos e brilhos peculiares e atrativos que não só convidam-nos a jogar como também a colecionar estas peças de arte em cartão impresso. Com algumas cartas a tornarem-se cada vez mais apetecíveis para os colecionadores, este hobby tornou-se no centro de atenções de alguns investidores e scalpers. Estes começaram a absorver o produto das prateleiras, com o intuito de obterem lucro no mercado secundário à custa daqueles que simplesmente querem desfrutar do jogo. Lutas, roubos e branqueamento de capital são tópicos recorrentes associados a este hobby, o que é completamente surreal. Recentemente, a companhia tem estado a tentar combater a escassez do produto, com a introdução de mais stock nas lojas, na esperança de satisfazer a massiva procura destas cartas. Esta é a escala do sucesso que Pokémon Trading Card Game alcançou!

Explorando um novo mercado

Contudo, nem tudo foram apostas de sucesso, e é neste artigo que vou desenterrar algo que, na minha opinião, foi uma grande perda para a franquia Pokémon e para os fãs desta. Mas antes temos que recuar até ao ano 2006, época em que a franquia Pokémon encontrava-se na sua terceira geração (ou quarta geração no Japão). O “boom” da franquia encontrava-se já em ação, e o Pokémon Trading Card Game estava de boa saúde e em contínuo crescimento. Em simultâneo, noutro mercado, os jogos de figuras em miniaturas estavam a ter também o seu destaque. Hero Clix e Mage Knight são dois exemplos que (provavelmente) serviram de incentivo para testar as águas neste mercado e produzir um novo jogo, com o propósito de alcançar um outro tipo de público. Foi então que nasceu um novo segmento, chamado de Pokémon Trading Figure Game!

Demonstração na loja Mulligan Games

Este jogo de estratégia para dois jogadores, concebido por Tsunekazu Ishihara, Kouichi Ooyama e Masayuki Miura, envolve pequenas figuras Pokémon (6 figuras em cada lado num jogo normal ou 3 para um jogo iniciante), colocadas em cima de uma pequena base rotativa, onde o objetivo é moverem-se num caminho delineado no tapete de jogo e chegarem até à base do oponente (GOAL). Um objetivo muito simples mas ao mesmo tempo bem complicado de alcançar. Cada figura possui um conjunto de ataques e habilidades representadas na sua base, que servem para derrotar (ou bloquear) os Pokémon do oponente, deixando o caminho livre para chegar ao objetivo.

Contudo, as ações de combate são aleatórias, pois estas exigem que ambos os jogadores girem as bases das figuras, de forma a que um pequeno ponteiro dite a ação que cada um fará. Depois ambos comparam os resultados e conferem quem tem o maior ataque, quem conseguiu defender-se/esquivar ou quem ativou uma habilidade especial, isto numa espécie de hierarquia de prioridades, dependendo da cor resultante. Branco com Branco vence quem tem mais ataque, Branco vence a vermelho, roxo vence a branco e vermelho, dourado vence a todos menos azul que vence tudo, entre outras. Quando um Pokémon é derrotado, este vai parar ao Pokémon Center, onde só poderá ser jogado novamente quando sair de lá, assim que outro Pokémon for também para o Pokémon Center, substituindo o que já se encontrava lá.

Para dar uma camada extra à estratégia, cartas e ação foram introduzidas no jogo. Estas são muito semelhantes às dos Trading Card Game, incluindo a própria arte ilustrada. Cada carta tem um propósito durante o jogo e só poderá ser utilizada uma vez. Seja recuperar um Pokémon de volta para o jogo, substituir outro em jogo ou conceder mais ataque a outra, estas são algumas das poucas variedades, mas muito essenciais, cartas de jogo.

A produção das figuras ficou a cargo da Kaiyodo, uma empresa de grande renome na indústria de figuras no Japão. Estas possuem um grande detalhe, acima da média do que se poderia encontrar noutro tipo de figura naquela altura. Algumas destas figuras apresentam efeitos como chamas envolventes, água a escorrer pelo pokémon ou pedaços de pedra a serem agarrados e a partirem-se. São estes e outros detalhes que elevam ainda mais o desejo de as obter. Num pequeno à parte, algumas miniaturas de Pokémon que fizeram parte de sets de Pokémon Trading Card Game foram também produzidas pela Kaiyodo. Portanto se tens alguma dessas figuras, conseguirás testemunhar o nível de qualidade que me refiro.

Em contrapartida, algumas figuras possuíam detalhes tão minuciosos que estes eram alvo de danos com uma incrível facilidade, tornando-se em certa parte inviável jogar com estas pelo receio de as partir. Em particular especialmente com as crianças, atrevendo-me a dizer que poderiam partir uma figura em poucos minutos após saírem da caixa.

O “sol” de pouca dura e um “ouro” em escassez

Na altura da sua apresentação ao público, foi revelado que o Pokémon Trading Figure Game, contaria com 3 Sets (coleções). O primeiro chamado de Next Quest, composta por 42 figuras, com mais a adição de 16 variantes mais raras (cristal e em pérola) de algumas das figuras. O segundo, chamado de Groundbreakers, possuía também 42 figuras. E o terceiro, ainda sem nome, igualmente apontou para as 42 figuras. Infelizmente, após o lançamento do primeiro set do jogo no mercado, este não conseguiu satisfazer as expectativas da empresa e acabou por ser cancelado, logo antes do segundo set Groundbreakers começar a ser exportado para todos os territórios, com poucas unidades a chegarem às prateleiras.

Alguns fatores foram a causa do seu cancelamento, sendo um deles o preço elevado de produção das figuras, quando comparado com as cartas, que eram muito baratas e mais fáceis de produzir em massa. Logo a seguir veio o ponto que já referi anteriormente, que era a fragilidade das figuras, bem como a sua base, que poderia quebrar o “pin”, responsável por permitir que a figura rode na sua base. Para colocar o último prego no caixão, o jogo não era viável no espectro competitivo de Pokémon Organized Play (atualmente conhecido como Play! Pokémon). Isto por um conjunto de motivos, como a natureza do jogo ser em certa parte aleatório e ao mesmo tempo esta aleatoriedade poder ser manipulada, treinando a força aplicada no girar das figuras para alcançar os resultados desejados. Isto sem falar nas constantes disputas entre jogadores que poderiam fazer alguma batota e não conseguirem ser expulsos pelos árbitros (Judges) por falta de provas.

Com o jogo a ser cancelado, o que foi feito das figuras? E mais curiosamente, como é que existem figuras do terceiro set a circular no mercado secundário se nunca foram oficialmente lançadas? Bem, não havendo provas da sua veracidade, existe a história de que assim que o cancelamento do jogo foi anunciado, foi dada ordem para que as figuras atualmente em produção nas fábricas fossem todas destruídas. Ora, se bem conhecemos como o mercado chinês, estas foram na verdade recuperadas e vendidas no mercado secundário chinês, como por exemplo o Aliexpress ou no eBay. No entanto, dado que o jogo já foi cancelado à mais de 15 anos, poucas figuras do terceiro set podem ser encontradas, com um preço bem acima do normal (10 euros para cima). Já as figuras de Groundbreakers, por incrível que pareça, são as mais raras de se encontrar, dado que provavelmente a grande maioria já tinha sido exportada das fábricas para as nossas terras (e destruídas cá no ocidente).

Algumas são tão difíceis de encontrar que tornam-se num verdadeiro desafio encontrar a fotografia de uma online com qualidade nítida. E preços, estamos a falar de figuras que podem chegar tranquilamente a valores acima de 300 euros! (algumas até sem a base). Se estás a pensar em colecionar todas, boa sorte. Para conseguires tudo, não basta teres uma carteira gorda, à que descobrir ONDE e QUEM as vende! Não te desanimes, com sorte ainda consegues encontrar algumas figuras da coleção Next Quest em plataformas online a preços menos ridículos (à data deste artigo).

Uma experiência bem recebida, mas fora do alcance de muitos

Eu próprio possuo uma coleção “simpática” destas figuras, sendo que o meu propósito não é só de as colecionar mas também levá-las até a algumas pessoas para que elas possam conhecer um pouco desta “relíquia” perdida no tempo. Tendo já levado a eventos, como a convenção AlgarveCon e mais recentemente à loja Mulligan Games, a curiosidade chamou a quem passava pela mesa e todos, sem exceções, os que experimentaram o jogo adoraram o seu conceito e até perguntaram onde poderiam obter o jogo. Com grande lamento, tive que explicar em breves palavras que o jogo foi cancelado e que obtê-lo não é financeiramente viável.

Demonstração no Evento Algarve Con

Algumas pessoas, têm tentado facilitar a entrada para o jogo sem terem que gastar rios de dinheiro. Para isso, fazendo o uso de apenas um dado de 24 lados e convertendo as bases das figuras em cartas, com as ações das bases traduzidas para vários intervalos de resultados pelo dado. Desta forma, qualquer um poderá arranjar um dado numa loja online e com uma impressora imprimir qualquer figura e jogar em casa. Ainda que a experiência não seja verdadeira, pois carece do conceito de rodar as figuras, a estratégia permanece intacta. Além disso, torna-se mais fácil em termos de espaço de arrumo. Contudo, parece que essas mesmas pessoas, com algum receio de possíveis processos legais, têm removido esses pdfs imprimíveis da internet.

O renascimento (e falecimento) digital do jogo

Passados 7 anos após o cancelamento do Pokémon Trading Figure Game eis que o jogo renasce digitalmente para os Smartphones, pelas mãos da HEROZ, companhia que, curiosamente, dedica-se à tecnologia de inteligência artificial no mundo do tradicional jogo de tabuleiro japonês: Shogi. O jogo, agora chamado de Pokémon Duel (Pokémon Comaster no Japão), era um free to play, cuja gama de figuras era muito superior ao do jogo físico. Como maneira de obter lucro, o jogo tinha a sua mecânica de gatcha, onde o jogador poderia utilizar itens de jogo ou dinheiro real, para tentar obter novas figuras. Sendo que tudo aqui era digital, podíamos fazer upgrades às figuras utilizando materiais obtidos no jogo, aumentando a dimensão de alguns dos ataques. Além disso, as figuras podiam ter várias habilidades e até mesmo Mega Evoluir ou utilizar Z-Moves, mecânicas que na altura poderiam ser vistas nas gerações 6 e 7 dos jogos mainline de Pokémon. O jogo contava também com um modo história em adição aos modos online contra outros jogadores. Tudo parecia fantástico até que, em Outubro de 2019, a The Pokémon Company, publicadora do jogo, decidiu encerrar definitivamente os servidores do jogo, matando mais uma vez este conceito tão único e interessante.

Como uma pequena luz no túnel, uma pequena comunidade de fãs decidiu então pegar no jogo e criar a sua própria versão modificada, num servidor privado, de nome Kaeru Duel. Esta versão contém algumas melhorias e adição de mais conteúdo, mantendo-se totalmente gratuita e com um canal de Discord aberto a todos os fãs que desejem partilhar a sua experiência, procurar dicas ou simplesmente pôr-se a par das novidades. Infelizmente a aplicação só se encontra disponível atualmente para dispositivos Android. Portanto se possuíres um dispositivo iOS estás sem sorte.

Pokémon Trading Figure Game foi um jogo divertido, com uma mecânica bastante original que, infelizmente, não singrou, quer no seu formato físico ou no digital. Sejam pelos elevados custos de produção, pelo desinteresse do público, ou pela falta de mais divulgação, o facto é que o jogo apenas mora na memória de um pequeno nicho de fãs, que sonham pelo regresso do jogo. Um jogo que será uma das poucas joias perdidas da franquia.

E tu, já conhecias o jogo, ou possuis algumas figuras? Conta-nos tudo nos comentários!

Bruno Dores
Um fanático por Nintendo, de nome "Nintendista", que procura mostrar ao mundo o lado mágico da empresa que o acompanhou durante toda a vida.