Precisamente 16 anos depois, Psychonauts 2 está de volta, e da melhor forma possível. Tim Schafer, o fundador e grande responsável pelo processo criativo da Double Fine, brinda-nos com o que na minha opinião é a melhor obra do estúdio até à data.
Antes de vos escrever sobre esta sequela, permitam-me levar-vos até 2005 e contar-vos sucintamente o porquê do enorme carinho da Double Fine com esta saga. Psychonauts fora lançado exactamente nesse ano, precedentemente resultando num colapso financeiro para o estúdio norte-americano, até então independente. O título seria inicialmente publicado pela Microsoft, que mais tarde, por razões apenas (e ainda) especulativas, decidiu cortar o investimento. Tim, que já tinha explicado à sua equipa que não daria para continuar o projecto devido à escassez de verbas, foi então surpreendido após um e-mail da Majesco, que decidia assumir a publicação da obra, contribuindo assim para o crescimento da Double Fine, uma das desenvolvedoras mais criativas e apaixonantes da indústria do entretenimento.
O conturbado lançamento de Psychonauts a somar com o insucesso de vendas, poderia simplesmente ficar-se pelo limbo de uma das criações mentais de Tim, postergado e inerte. No entanto, por toda a luta, esforço e paixão, o nosso Raz e companhia têm um lugar bem apertado no coração da empresa, que compara de certa forma análoga a história do jogo à mesma, uma louca montanha-russa.
O começo por um legado preservado
Se esta for a vossa primeira experiência com este título da Double Fine, terão um vídeo introdutório com os acontecimentos chave do primeiro jogo. É tudo relativamente simples de entender, e não terão problemas em familiarizar-se com os personagens do jogo.
Psychonauts 2 começa exactamente uns dias após os eventos do primeiro jogo. “Wow, passou alguns dias e sinto que já lá vão muitos anos desde que estive aqui“. Podem esperar alguns diálogos deste género, que com certeza vos vai arrancar um grande sorriso, caso sejam dos saudosos como eu. Voltamos a controlar Razputin na sua longa jornada como nerd full-time, e psiconauta nas horas vagas. Sem demoras, somos apresentados logo de caras dentro da primeira de muitas mentes humanas que iremos visitar durante a jornada, o Dr.Caligosto Loboto, um dos personagens mais importantes do primeiro jogo. O objectivo é muito simples mas crucial, tentar através dos poderes psíquicos de interrogação mental, arrancar um nome do responsável pelo rapto de Truman Zanotto, o actual grão-mestre dos psiconautas.
Após a missão, que não corre da maneira desejada, Raz volta com os veteranos psíquicos Sasha e Milla para um lugar mencionado no primeiro jogo, mas nunca então visto: A Motherlobe. Trata-se do quartel general dos psiconautas, um dos maiores sonhos de vida do nosso protagonista, que conseguirá um programa de estágio apenas por um mero acaso.
Maligula, supostamente defunta há mais de 20 anos, parece de alguma forma ter a haver com toda esta situação, uma vez que por momentos é avistada por Raz na sua viagem mental. Após acordar na nave e explicar a situação, os restantes tripulantes confirmam os recentes rumores sobre o seu regresso. Para piorar a situação, existe um infiltrado na motherlobe, pronto a dificultar toda a tarefa de investigação. É assim que o jogo se vai desenrolando, de forma espaçosa e leve, pensando em quem joga pela primeira vez, e restaurando memórias dos veteranos da série, através das suas variadas referências.
Motherlobe e muita exploração cheia de humor pelo mundo de Psychonauts
Será na motherlobe que poderão ter um gostinho do impacto dos pormenores colocados em Psychonauts 2. Esta base dos psiconautas é uma das grandes novidades do título, sendo uma área muito bem realizada e de enorme prospecção para explorarem. Após a chegada, o impacto daquelas luzes néon com um leque de novidades e possibilidades, abalaram por completo o meu sensor de nostalgia, e desde cedo decidi parar a quest principal e dedicar-me afincadamente à exploração. Foi como voltar a meados de 2005 e voltar a ouvir os relatos e sonhos contados pelo nosso Raz ao falar daquele lugar. 16 Anos depois posso dizer que estive de facto na motherlobe (ainda que virtual), a viver os sonhos de uma criança cheia de curiosidade.
Além do Nerve Center, que é essencialmente a sala de comando de toda a base, serão recompensados por explorar todos os cantos mais escondidos. Tratando-se da base dos psiconautas, é lá que estão os escritórios dos mais respeitados e ilustres personagens, e muitos anos após ter finalizado o primeiro jogo, é muito gratificante poder agora verificar estas construções de espaços muito singulares ao estilo de cada um deles. Também existe um restaurante denominado de Noodle Bowl, uma sala de correspondência muito desorganizada mas supostamente eficaz, uma zona para Bowling (conheço a pergunta, e sim, poderão jogar), e até um cabeleireiro. Em adição à motherlobe, existem imensas áreas fora das mentes humanas para se aventurarem, e o melhor disto tudo é que poderão usar o ritmo que desejarem, visto que será possível voltar a visitar o que deixaram para trás, mais tarde.
Ao explorarem o universo de Psychonauts, serão recompensados por novas habilidades e muitos incentivos à progressão de nível, já que poderão evoluir o nosso protagonista até nível 102. Inicialmente, nem tudo será alcançável, uma vez que terão que desbloquear habilidades novas que vos permitirá chegar a locais inéditos, muuuuuito mais tarde.
Um dos grandes pontos positivos que Psychonauts sempre nos testemunhou, foi o seu primor na dobragem, que continua brilhante e mais expansiva. Agora, existem ainda mais diálogos opcionais para ouvir, sempre com aquele humor muito característico da série, com linhas de diálogo que incentivam outras, ideal para novos jogadores que pretendem conhecer mais deste louco universo. Se a conversa não for muito do vosso agrado, porque não explorar as poucas mas boas missões secundárias, e serem recompensados por isso? Uma vez mais, as possibilidades são imensas, dependendo da adaptação ao estilo de jogo de cada um.
Criatividade e jogabilidade sem limites
Os universos criados pela Double Fine sempre foram muito peculiares, com um charme muito característico da desenvolvedora norte-americana, e Psychonauts 2 não foge à regra. Este é um título que manuseia muito bem o conceito de condições mentais como ansiedade, pânico, stress pós-traumático, dependência, e todos estes problemas do foro psicológico que cada vez mais afectam o nosso ser. Numa das primeiras mentes que visitamos, (que curiosamente nos apresenta um novo poder psíquico na série), despertamos através de um erro irresponsável, a quebra de defesa contra o vício do jogo que provavelmente já estaria bem resolvida e vincada nessa mente. Ao mesmo tempo que originamos esse problema, descobrimos no seu subconsciente uma amargura imensa por ter visto o seu trabalho ter sido plagiado por um suposto colega de trabalho, e posteriormente remorsos por ter agido de uma certa maneira que não vos irei spoilar. Toda esta mescla de conceitos e ideias é estrondosamente brilhante, e causa momentos de jogabilidade espalhafatosos, no bom sentido da palavra.
Estas condições, muito bem definidas através das suas cores, elementos e criatividade visual impressionante, serão observadas nas viagens mentais que farão na pele de Raz, pelos inúmeros cérebros à disposição durante toda a jornada. As possibilidades de mecânicas colocadas dentro destes pequenos mundos é de fazer cair o queixo, quase que literalmente. Não pretendo explicitar muito mais estas mirabolantes viagens, já que muitas destas mentes que irão visitar durante o jogo, são agregadas de uma vasta importância para toda a narrativa.
Psychonauts 2 leva o género de plataformas ao limite. O jogo brinca com a perspectiva, sempre com imensa leveza e simplicidade, e carrega consigo uma variedade tão densa de possibilidades na jogabilidade, que nunca me causou cansaço. Tanto podem estar a utilizar os poderes à disposição para combater com alguns inimigos e bosses, como podem estar num plano de concepção 2.5D dentro de uma máquina de jogos de azar, tentando ganhar prémios antes dos créditos acabarem. Tanto podem estar a conduzir um veículo num puro deleite “platafórmico” visual, como podem estar num concurso do estilo masterchef a tentar convencer os jurados mentais a aprovar os vossos pratos. É completamente surreal e de uma frescura imensa, fugindo sempre do factor repetição que muitas vezes este estilo causa. O melhor de toda a experiência, é verificar como a Double Fine conseguiu aplicar aqui uma execução tão aprimorada em toda esta diversidade na jogabilidade.
Todos os poderes presentes no primeiro jogo, estarão à vossa disposição desde muito cedo! No entanto, como seria de esperar, um breve tutorial explica as suas funções e quais os pontos fortes para uso em cada inimigo. Ao longo da jornada, irão aprender novos poderes muito interessantes, que podem também ser evoluídos através de badges adquiridas nas máquinas do Otto Mentallis (OttoMatic), espalhadas um pouco por toda a parte. Além destas badges, podem comprar também itens de HP, cosméticos, e bolsas para aumentarem a vossa capacidade de carregar itens.
A jogabilidade é muito familiar ao primeiro jogo, mas inteiramente adaptada para o ano presente, com mecânicas mais simples, mais agilidade do personagem durante os combates, e comandos mais responsivos, no entanto, o combate ainda está longe de ser perfeito, continuando a ser o Calcanhar de Aquiles da saga. Além dos poderes (por muitos já conhecidos) clássicos, as missões secundárias também vos darão algum movimento extra, para auxiliar no combate. As batalhas contra os bosses são sempre muito singulares na execução, e muitos deles requerem uso dos poderes mencionados acima, portanto, espero estimular-vos através desta leitura, à exploração, de modo a facilitar um pouco mais, seja na procura dos pequenos cérebros que aumentam a vida do personagem, ou créditos do jogo para aumentar os poderes de combate.
Um extra mas muito importante: As opções de acessibilidade estão presentes no jogo — OBRIGADO DOUBLE FINE —, para quem possa sentir dificuldade, seja por alguma impossibilidade mecânica, ou visual.
Música, celebração e #JackBlackNoComando
Se chegaram até aqui, provavelmente já reparam as quantas vezes repeti a palavra variedade e alguns dos seus sinónimos. Esta é maioritariamente a palavra que define o jogo, e a experiência audiovisual encaixa-se no padrão. Todas estas trips mentais são acompanhadas com as suas faixas musicais próprias, devidamente encaixadas no mood mental em questão.
São cerca de 3 horas de música, uma vez mais composta por Peter McConnell, com melodias desde o Jazz Noir ao Rock, e com a presença do brilhante Jack Black nas vocais. Brain in a Jar, será uma das brilhantes faixas que poderão ouvir numa das mentes mais loucas do jogo, uma autêntica viagem psicadélica ao estilo hippie dos anos 60.
Psychonauts 2 terá a sua estreia mundial a 25 de agosto, incluído no Xbox Game Pass, e para as plataformas Xbox Series X|S, Xbox One, Windows, Xbox Cloud Gaming, PlayStation 4 e PlayStation 5 (com retrocompatibilidade).
Agradecemos imenso esta cópia de review, que foi gentilmente cedida pela Xbox Portugal.