Desta vez as retro-análises não levam-te a um jogo mas sim a uma Era onde tudo era diferente e por sua vez único. Como foi viver e crescer enquanto gamer nos anos 90? Realmente é uma pergunta introspetiva que nesta faixa etária já muitos de nós fizemos. Posso desde já numa fase muito primária deste artigo relatar-vos, que é algo que recordo com alguma saudade.

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Para começar e partindo do início, não tínhamos o mesmo grau de consumismo. Era praticamente impossível ao comum mortal, pré-reservar, ou até jogar um jogo no seu próprio dia de lançamento. Esse néctar estava destinado aos mais abastecidos. Isto não só devido ao elevado índice de inflação, mas também aos videojogos que não tinham a mesma visibilidade e destaque que têm nos tempos presentes. Estes eram na sua maioria vistos como brinquedos. O facto da Concentra distribuir os jogos da Nintendo ao nível nacional, ainda deverá estar presente nas memórias de muitos e só reforça mais essa ideia. Jamais alguém da classe média gastaria 14.990$00 num jogo (para terem uma ideia estaríamos a falar de cada um custar cerca de 75,00€, quando traduzindo a mesma quantidade monetária aos tempos actuais). Imaginem irem às compras, e com o já referido valor, trazerem um carrinho cheio de comida para quase um mês, para terem uma ideia de como era diminuta a aquisição de videojogo. Por vezes jogávamos ao mesmo jogo um ano inteiro.

A solução para adquirimos ou repormos a nossa ludoteca, passava por três grandes estágios. O primeiro e talvez o mais relacionável, era que os mesmos seriam apenas adquiridos em ocasiões especiais, como aniversários, natais, e até quando transitávamos de anos escolares, sendo um esforço e incentivo que sempre existiu por parte dos meus pais. O segundo, e talvez o que ainda vivemos, era esperar por campanhas de baixas de preço. Mas acreditem que mesmo assim, juntar 7.990$00 para cada jogo era um esforço hercúleo para uma criança! O último e mais saudoso, era reunirmos-nos no recreio, e conversarmos uns com os outros, comentando que jogos tínhamos em nossa posse, realizar empréstimos ou até trocas. Só através destes elementos seria possível, passarmos um dia de um Sonic the Hedgehog 2, para um Streets of Rage 3. No entanto, estes valores deram uma reviravolta imensa, a meados dos anos 90, com a chegada da Playstation, dos CD’s e dos Modchips, mas já lá vamos…

Mortal Kombat versão Mega Drive vs Super Nintendo

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A informação também era escassa, isto por não existir Internet. Hoje em dia até confesso que temos informação a mais. A qual muitas vezes é disfuncional, chegando a ser pejorativa neste media. Sim, porque neste tempo, não contávamos os pixeis, e existir uma port na nossa máquina de determinado título era o suficiente. A única excepção enquanto meninos picuinhas, passou pela versão de Mortal Kombat na Mega Drive, incluir sangue, ao passo que a versão da Super Nintendo não incluiu, nem mesmo através de códigos. Para mantermos-nos informados, até tínhamos de pagar, para podermos ter acesso a revistas. Mega Force, Nintendo Power, e até aqueles pequenos guias de truques e dicas da SEGA, enchiam-nos de felicidade, ao mesmo tempo que esvaziavam as nossas carteiras. Existiu uma época em que as bancas estavam rodeadas de revistas de videojogos, não só nacionais, como a Mega Score ou a Super Jogos, como também internacionais, como revistas espanholas, inglesas ou até brasileiras.

Quem conseguia realizar um combo no Street Fighter II, realizar Fatalities no Mortal Kombat, ou revelar todos os segredos no Final Fantasy VII, era rei e senhor da turma, bem como de todo o recreio escolar, e as revistas sabiam e ajudavam muito bem nesse facto. Felizmente assistimos a um boom repentino de interesse pela chegada da Playstation, pelo modo de vida estabilizar, e pelos jogos adoptarem a forma de CD’s (reduzindo o custo dos jogos, e facilitando a sua aquisição), e este foi o grande “senão” da Nintendo 64. A informação também rumou para outro grande media: a televisão. Foi mais ou menos neste período, que começámos a assistir a diversos programas alusivos a videojogos. O mais conhecido foi sem sombra de dúvida, o Templo dos Jogos, na Sic, contudo Cybermaster, Cybernet e o Último nível também são nomes que não devem ser menosprezados. Até porque demonstraram um olhar completamente diferente, de um magazine maioritariamente de notícias, e críticas.

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Devido a estes valores, a exposição de videojogos também foi muito alargada, chegando a se criar produtos dos mais bizarros, como foi o caso dos perfumes Sonic, Coca-Cola e gelados Super Mario, a séries animadas, ou ícones que transitaram de media, como foi o célebre caso de Lara Croft, em Tomb Raider para revistas, bandas-desenhadas e até mais tarde para o cinema. No meio de tanto deleite digital, uma criança/adolescente, teve mesmo de encontrar outras vias. A resposta passaria pelos modchips, pequenos chips que instalávamos à candonga para copiarmos os jogos uns dos outros. Neste tempo literalmente quem possuía um gravador de CD’s tinha um fonte de rendimento extra ao final do mês. Isto porque procurávamos mesmo indivíduos que não só se propusessem a gravar os jogos dos nossos amigos, como a adquirir jogos que nem sequer pisaram o solo europeu, (descarregados através de um modem de 56k, ou se fossem muito sortudos, linhas Rdis).

Este foi o caso de dezenas de RPGs para a PlayStation tais como, Parasite Eve, Brave Fencer Musashi, Chrono Cross, Wild Arms 2 ou Xenogears. Realmente nunca percebi porque estes jogos falharam o barco para a Europa quando para muitos, estes até foram a causa primária para instalarmos Modchips. Muitas vezes adquirir estes jogos era bastante perigoso. Isto por serem enviados à cobrança, ou dirigirmos-nos pessoalmente a alguém que não conhecíamos de lado nenhum, encapuçados e trocarmos 500$00 por um CD. Blocos de notas e canetas parecem elementos pouco comuns para um jogador nos tempos actuais, contudo nesta Era, estes eram mesmo vitais para recuperarmos o nosso progresso. Através de Passwords, seria possível retomarmos a nossa partida, ou viajar imediatamente para um nível. As mesmas surgiam de todas as formas e feitios, desde simples texto, a bolinhas, a palavras que mais pareciam que tinham soltado um gato a passear pelo teclado… E com isto, eram raros os jogos que ofereciam possibilidade de gravar o nosso progresso, sendo muitos desses naturalmente os RPGs.

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Com tantas limitações, elementos e alguma nostalgia, vejo os tempos actuais como um reflexo e evolução dos descritos. Já se perguntaram se as competições de Cybermaster ou do Último nível, não seriam versões muito arcaicas de uma competição de eSports? Reparem que todos os elementos estavam lá, até mesmo o conteúdo e fluxo era essencialmente o mesmo. E reunirmos-nos em casa dos nossos amigos ou familiares em redor de uma consola, ou computador, e comentarmos enquanto uns jogavam, não seria esta uma pintura rupestre de Let’s Plays, ou Youtubers? E a evidente onda de informação na internet que partiu de programas televisivos e revistas? Realmente é espantoso que muitos destes elementos tenham evoluído para uma vertente tanto solitária como social, ou que valores tão inocentes e verdadeiros tenham se tornado verdadeiro ácido em redes sociais.

Aqui têm uma amostra pincelada muito ao de leve, do que foi viver e crescer numa época onde as limitações ditavam as ordens da casa, mas que mesmo assim quem as viveu sentirá grato pelas mesmas fazerem parte das suas vidas. Como dizia a Rita Mendes:

“Até lá fiquem bem e joguem muito!”

Redação
Veterano nestas andanças, acompanhou de perto a guerra entre a SEGA e Nintendo, e sonha um dia com o regresso da estrela cadente Ristar.