Não há muitos anos atrás, de vez em quando, costumava ir até casa de um meu ainda amigo, passar o resto da tarde a jogar videojogos na sua companhia. Naquele tempo, não muito longínquo, a PlayStation 2 era “a” consola, e os seus jogos, eram os responsáveis pelas intermináveis conversas e brincadeiras que mais ninguém percebia (ou queria saber) no recreio.

Havia também o Game Boy, com todos os seus modelos ao longo dos anos, que nos ocupava o tempo de intervalo. Éramos os únicos que tinham um Game Boy, e olhando em retrospectiva, não é difícil compreender porque nos arrancavam as cassetes do nada e pegavam connosco; enfim, dou graças a tudo isso.

Jogos no computador eram uma realidade, mas tão longe das consolas e dos seus jogos. Os computadores não tinham o poder, o andamento, ou a vasta gama de jogos que hoje em dia têm. Lembro-me que comecei a mexer no computador quando a Internet se tornou uma realidade para mim, e o telefone de casa ficava desligado para o efeito.

Mas divago. Voltando a este tempo, não muito atrás, os finais de tarde com o meu amigo costumavam ser anteriores ao fim de semana; mais precisamente, às 6as. Estes dias, eram afincadamente planeados de antemão! Falávamos do que tínhamos para jogar, de como iríamos prosseguir, ou então no que poderíamos fazer de diferente. Chegado o dia, as aulas demoravam mais tempo do que o costume, até porque não parava de olhar para o relógio a contar as horas que faltavam para poder arrumar tudo e correr de lá para fora. Demorava pouco tempo até chegar a casa dele, até porque o avó dele vinha-o buscar numa carrinha que ainda hoje anda, e da qual ainda hoje apanho boleia.

As tardes eram altamente; jogávamos tantos jogos que não me lembro de todos eles, ainda que me lembre de outros com um carinho especial. Ofereciam-me lanche todos os dias, e até jantar, se a minha mãe demorasse mais do que o costume a vir do trabalho. Era o amigo do rei do castelo, que comia sempre mais que eu, sempre bem recebido.

Depois, apareceu a PlayStation 3.

Lembro-me como se fosse hoje: aqueles gráficos! Algo fantástico tinha acontecido que fez com que os jogos que desafiavam a realidade, se tivessem tornado graficamente obsoletos. Mas não era apenas os gráficos, era o pacote inteiro; a consola, os comandos sem fios, a interface, tudo… Eu não tinha uma PS3 naquela altura, e tive de esperar até ao Natal para me darem uma, portanto era mais uma desculpa para poder ir até casa dele.

Jogávamos a campanha toda do Resistance: Fall of Men em cooperação, como fazíamos com dezenas de outros jogos na PS2, e riamos-nos do facto em que, cada vez que um de nós saía para ir ao quarto de banho e voltava, fazia o gesto involuntário de “passar por cima do cabo do comando” do outro. Ainda bons tempos.

PlayStation Multitap – Quantos cabos conseguem saltar?

Passaram, o quê, 10 anos? Onde é que isso foi tudo parar?…

E é aqui que eu quero chegar. Passaram estes anos e muito disso desapareceu. Eu não estou a falar da minha amizade com ele, nem algo tão essencial como isso; bolas! Continuo a jogar com ele, todos os dias. Embora esteja longe, a tão despercebida internet de à uns anos atrás, tornou-se um bicho insubstituível na vida das pessoas, e uma excelente maneira de manter-mos contacto, e até jogar, com os nossos mais queridos.

Mas muito se perdeu. O mercado digital cresceu de tal maneira, que raramente se compra um jogo em formato físico. E porque haveríamos de o fazer? Não é menos maçudo comprar online, poder retirá-lo de qualquer lugar sem a preocupação e o trabalho de carregar uma caixa? Sim, mas será que posso levá-lo para casa do meu amigo?

Em grande parte dos casos, não preciso. Não preciso, porque ele também uma cópia, portanto basta estarmos em casa e jogamos, cada um do seu lado. O problema aqui, geralmente é o emprestar; não dá para emprestar uma licença. Ah, pois, esqueci-me: uma licença.

Mas é quase impossível resistir a este modelo digital, não só pela sua comodidade mas também pelo seu preço. A plataforma de selecção (Steam) dispõe de inúmeros, e fantásticos descontos em quase todos os jogos na loja, durante o ano inteiro. O que me traz de volta às consolas. Estas são caras, independente dos tempos que correm, e os seus jogos igualmente se mantêm fiéis; mas continuam a ser, para mim, um símbolo resistente à tendência dos tempos.

Numa consola são precisos dois comandos para jogarem duas pessoas. É preciso que as pessoas estejam ao lado uma da outra, que socializem, que se vejam. Ainda que a tendência seja cada vez mais a mesma que se tem num computador; sendo que até os serviços online para as consolas necessitam de uma subscrição.

Sim, uma consola é algo muito mais familiar mas, um computador, agora é quase tão essencial como um frigorífico; toda a gente tem um. Mas então não estaremos a caminhar em direcção a um lugar onde todas as relações acontecem num espaço digital?

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Voltando ainda mais atrás, antes de tudo isto, lembro-me de uma visita de estudo à RTP (salvo erro), no Porto, em que nos levaram a mostrar como se gravava um programa televisivo, um programa de rádio, etc. No início da visita, levaram-nos por um pequeno museu onde recordavam os antecessores dos meios de comunicação actuais, marcos históricos, etc, mas o que me ficou gravado foi no final; separado do resto da visita, tinham uma escultura de uma família normal, composta por um casal e dois filhos, à mesa.

Não me lembro dos detalhes com certidão, mas a ideia ficou-me na cabeça: aparentemente, estariam a almoçar/jantar, mas o pai mostrava-se a ler o jornal enquanto o filho agarrava uma consola portátil, a filha ouvia música num walkman e a mulher falava ao telefone. Também não me recordo exactamente do que o guia disse, mas não fugia muito a “embora o objectivo dos media seja promover a comunicação, o progresso e a evolução dos meios de comunicação estão a provocar o efeito contrário.”

O facto é que a comunicação nos encoraja a ficar e a fazer tudo em casa: compras, lazer, trabalho, socialização. Sim, facilita a nossa vida, a maneira como a gerimos, mas não estaremos a sacrificar algumas coisas que nos façam ser mais humanos?

Eu gosto de discutir isto com o meu pai; ele tem memórias anciãs que falam de outros tempos em que todos sabiam de ninguém. Tudo dependia da confiança e da pontualidade, do esforço que se fazia para se comparecer. “Ir ao cinema era uma actividade social” o meu pai disse uma vez “os filmes ficavam nos cinemas durante meses.”  Parece que vem de outra galáxia. Mas para quê todo o trabalho quando se pode ver o filme que se quiser em casa? Não gasto dinheiro, posso ver qualquer filme e pausar quando me bem apetece. Vamos a cafés e raramente vemos alguém que não esteja agarrado a algum engenho electrónico, seja um telemóvel ou um tablet.

Para quem viu o Her com uma mente mais aberta, deve entender perfeitamente o que eu quero dizer. O filme faz uma passagem num futuro próximo, em que todos têm uma inteligência artificial a “gerir a vida”; uma IA que fala connosco de uma forma (quase) humana. Mas o mais assustador, é que isso ocorre em todo lado e o resultado é que, no exterior, todos passam por todos, mas ninguém vê quem passou.

A interacção está limitada a uma pessoa e a um computador.

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Esta realidade não parece muito longe; se formos a ver, basta cortarmos a pessoa com quem estamos a comunicar e isso torna-se real. E podia continuar: dizer o quão mais fácil é falar com uma máquina, sem o medo de ser julgado ou recusado, por exemplo.

Será que então o próprio esforço (e uma pequena dose de sacrifício) seja o mais necessário para manter uma interacção social “humana”? Não estaremos nós cada vez mais perto de sermos máquinas, restritos a uma interacção somente numa rede?

Por vezes, é preciso desligar o computador, arrumar a mochila e ir para a montanha durante um dia ou dois. É sempre difícil, sair do conforto de casa e do divertimento que o meu computador me oferece. É muito difícil. Mas quando a inevitabilidade se instala e nos encontramos na natureza com os nossos mais próximos, conseguimos realmente respirar o ar que nos rodeia e entender que não é o destino que importa, mas o caminho que percorremos.

É a fome que nos faz saborear uma refeição, e o frio responsável por tanto nos queremos aquecer.

É preciso estar exposto à falta de comunicação para a reconhecer.