Os jogos Kunio carregam uma grande dose de nostalgia e estão sempre presentes na minha bagagem emocional quando falo sobre videojogos. Isto, porque uma das minhas primeiras consolas não oficiais, foi um aparelho genérico composto por aquilo que aparentava ser um teclado, quando era na verdade uma motherboard disfarçada com um pedaço de plástico para entrada de cartuchos.
Foi assim, que conheci alguns jogos Kunio no final dos anos 90, num daqueles cartuchos mágicos que traziam mais de 100 jogos, muito deles repetidos, e em que só as cores das personagens trocavam, além de outros tantos em Japonês. Contextualizando, isto passou-se poucos anos depois da sua desenvolvedora Technōs Japan, ter declarado falência.
River City Saga (como é conhecido no mercado ocidental), agora propriedade da Arc System Works, já foi um grande sucesso por estes lados, mas principalmente no mercado nipónico. Esta franchise tinha jogos de diversos estilos: dodgeball, brawler, futebol, basquetebol, e muito mais. Isto apenas, na consola Nintendo Entretainment System, carinhosamente chamada Famicom no mercado a que foi apresentada. Mais tarde surgiram continuações, mas sem o impacto originado pela estranha novidade que facilmente se entranhou.
O que é certo, é que a Arc System decidiu ainda assim não desistir desta icónica saga, e aqui estamos, mais de 35 anos depois da origem, com o mais recente título a ser lançado: River City Saga: Three Kingdoms.
River City Saga: Three Kingdoms é tal como o nome indigita, uma viagem ao período dos Três Reinos na China, uma das eras mais decisivas e sangrentas da história do país. Este período, é extremamente romantizado na China, e a sua obra “Romance dos Três Reinos“ do século XIV, é quase leitura obrigatória e um dos quatro grandes romances históricos Chineses. O Ocidente já teve algumas provas desta romantização, principalmente nos videojogos localizados da Koei Tecmo, que se esforçam por uma história bem mais concisa dos acontecimentos mais marcantes dessa era.
River City Saga, apesar de conter alguns factos interessantes com referências presentes e comprovadas da obra original, como a revolta dos turbantes amarelos, e outros quantos personagens históricos, oferece-nos uma versão bem mais cómica e relaxada de todos os factos em apenas 6 capítulos, misturando ainda muita variedade de elementos (talvez até em demasia).
Bater em tudo o que mexe
Os anos passam, mas a base daquilo que é um jogo River City ainda não se converteu. Continuamos a assumir o nosso Kunio, agora de skin diferenciada e bem mais oriental, a espancar tudo o que procura por uma luta básica de rua, com a mesma paixão e precisão escorregadia de sempre.
À medida que vais progredindo com a experiência das pancadas que distribuis, poderás evoluir o teu personagem com foco no teu estilo de jogabilidade. O personagem usa os punhos, pontapés e armas. No meu caso, aloquei praticamente todos os meus pontos de evolução para os punhos do personagem, já que considero ser a mecânica de combate que responde com mais rapidez e efectividade. As combinações são imensas, desde o foco total numa dessas vertentes, ou achar o equilíbrio perfeito de combate.
O jogo está carregado de missões secundárias (geralmente chatas), que te farão ganhar um bom dinheiro para que possas usar como troca na aquisição de novos golpes e itens de combate espalhados em lojas das cidades, como roupas que aumentam os atributos, ou então alimentos carregados de buffs que potencializam a tua ferocidade em combate. Estas quests compensam apenas nos primeiros capítulos de jogo, já que são os únicos momentos cruciais em que o dinheiro será escasso. Outra das razões para esta sobrecarga, e talvez a mais crítica, é que não entregam nada que complemente a pequena narrativa, a não ser te obrigar a andar de um lado para o outro a bater em mais alguns capangas, e pelo caminho ficar perdido sem saber por onde ir, amiúde.
No que toca ao combate, o nosso querido Kunio consegue absorver pancada e fazer do seu resultado, um ataque de raiva que desacelera o tempo e que te dará uns segundos extra de poder. Um pouco mais tarde, com a progressão natural, irás desbloquear os comandos tácticos, com animações super engraçadas, que atacam os inimigos em grande escala. Este ataque é desbloqueado após encheres um medidor, e portanto é o mais massivo em dano, já que podes fazer chover imensas flechas de fogo ou inundar uma zona e afogar uma grande parte dos inimigos.
A parcela de novos golpes que irás comprar nos dojos, deixou-me um pouco desiludido. Após obtido um pergaminho e aplicado, este novo golpe irá substituir algum dos teus ataques básicos, e quando premido o botão, a animação ficará inamovível por alguns segundos, o que dará margem de erro na posição do inimigo (e acredita que isso irá acontecer bastante), e assim ele facilmente conseguirá aplicar um contra-ataque que irá anular o golpe por completo. Para os golpes básicos, não considero que estes pergaminhos façam uma grande diferença, mas nos golpes aéreos ou especiais, existem bons golpes para explorares e desenvolveres nas tuas tácticas.
O combate, meio desajeitado, faz parte da essência da saga, e estas pequenas escorregadelas desmedidas da jogabilidade, passam bem pelos pingos da chuva. O problema, é quando introduzem plataformas num jogo que definitivamente não foi feito para tal, como é aqui o caso a partir do terceiro capítulo. A concepção de cenários 3D em personagens e sprites 2D é completamente desastrosa no que respeita a perspectiva, e foi absurdo as doses radioativas de frustração que absorvi nesses longos e longos minutos de tentativa e erro. Ora aqui está um bom exemplo para usar a expressão: “quantidade não quer dizer qualidade”.
Essência River City!
Se um pouco como eu ou até mais velho, cresceste com a presença de algum destes títulos Kunio independentemente da plataforma, é garantido que ao iniciares este jogo pela primeira vez, irás sentir toda aquela essência nostálgica muito particular que esta saga consegue entregar. A movimentação e caracterização das personagens e NPCs continua muito similar, desde os primórdios do estilo à música, é precisamente a mesma na sua grande maioria do tempo, mas habitualmente misturada com sons orientais que caracterizam um pouco mais o contexto histórico. Se esta é mais uma obra cometida em carta de amor para os fãs? Certamente! Considero Three Kingdoms ideal principalmente para os mais saudosos de uma das décadas mais brilhantes dos videojogos..