Em meados de 2009 tive a felicidade de receber a minha Playstation 3 e não sabia bem para onde me virar em termos de jogos, pois o meu acesso à internet era limitado, e grande parte dos meus amigos ainda estava na geração da PS2. Após horas na Worten (se não me engano até existia uma Worten Gamer no Continente da Amadora), decidi comprar dois jogos de que nunca tinha ouvido falar: Fracture e Saints Row 2.
Embora o primeiro também me tivesse divertido bastante, Saints Row 2 cativou-me pelo facto de ser um open world no mundo do crime, que não fosse Grand Theft Auto. Para além disto, a Rockstar tinha acabado de lançar GTA IV, que por acaso acabou por ser o meu preferido de todos, mas na altura trazia um lado mais realista à mesa, afastando-se da irreverência que caracterizou as aventuras dos antecessores de Niko Bellic.
Decidi-me então lançar ao mundo dos Saints, e sinceramente nunca mais olhei para trás. Desde então que me dedico a todos os lançamentos da Volition neste mundo insano, e claro que não são perfeitos, mas cumpriram todos muito bem o seu papel. Chegamos a 2022 e a Volition decide moderar a loucura da saga, onde alcançamos o expoente máximo de mundo aberto e recebemos super poderes, recomeçando assim com Saints Row.
Creio que este é um daqueles casos em que ao mesmo tempo que gostamos de gabar mudança nas sagas, por outro lado, em equipa que ganha não se mexe, certo? Aqui mexeram, para o bem e para o mal.
Saints Row traz consigo um dos melhores criadores de personagem com que podemos embarcar nesta nova viagem. Depois de criarmos o/a nosso/a boss, começamos o modo História num formato dramático já conhecido (não refiro para não estragar), mas que acaba por não acrescentar muito à história.
Esta última frase aplica-se a toda a história de Saints Row, descrevo-a até como a soma de muitas partes, mas nunca um todo. Desde cedo são-nos apresentados Eli, Kev e Neenah, três amigos de longa data que supostamente serão fulcrais na construção do nosso império, mas para um clímax que tanto peso mete na amizade, o seu impacto na história acaba por ser irrelevante, tirando as divertidas atividades em que ingressamos pelos seus interesses. Existe um maior interesse em mostrar que os nossos amigos são trendy e uma caricatura da sociedade, do que em nos deixar perceber a origem e aprofundar a amizade com cada um, o que desfalca muito o propósito da viagem “conjunta”.
A história tem uma duração de cerca de 10 horas, o que acaba por ser razoável visto que temos bastantes outras atividades. Algo que me chateou foi o síndrome Miles Morales, onde nos obrigaram a fazer atividades secundárias para prolongar a duração da história principal. Não só é um desrespeito à percepção do jogador, como coloca um “peso” nas atividades que formos obrigados a fazer, pois a obrigação nem era fazer um recado em cada atividade, mas sim todos os recados de uma vez só, puxando os galões à repetitividade.
Não obstante, existem momentos divertidos, não só no diálogo mas também durante as missões/atividades, pelo que é pena estarem submergidos numa barragem de tentativas de piadas sem qualquer contexto à situação, apenas com o intuito de parecerem hip. Confesso até, que os momentos mais tresloucados vieram da conjunção de bugs com a inteligência artificial dos NPCs. Inúmeras foram as missões em que ia a conduzir e, de repente, olho para trás e parece que estou na sequência da auto estrada do Matrix Reloaded, tantas eram as explosões e os carros voadores.
O jogo decorre em Saint Ileso, uma localização altamente inspirada em Arizona, New Mexico, Utah e Nevada. Percorri todas as pontas do mapa e posso escrever que existiu um maior foco em quantidade do que qualidade. Não só grande parte das áreas nunca são visitadas durante a história, concentrando-se esta maioritariamente nas redondezas da nossa base, como estas áreas acabam por estarem ocupadas por basicamente uma tenda de vendas e um motel no meio do deserto.
Claro que a minha opinião conta o equivalente de 1 a dividir por 7 (quase 8) biliões, mas creio que seria muito mais eficaz concentrar uma área e situar a história aí, pois tirando a zona da base, o resto do mapa é maioritariamente lojas e/ou atividades que nem se passam naquela localização, como por exemplo as Repo, onde nos obrigam a percorrer uma grande porção do mapa com um reboque cheio de bugs nas físicas do cabo.
Tamanhos à parte, Saint Ileso é uma localidade maioritariamente humilde no design como já referi, não só na industrialização como também na personalidade das zonas. Tendo feito muitas viagens, falhei em encontrar um ponto de referência nos vários locais onde ia passando, o que acabou por não me vender a exploração, não fossem as atividades obrigatórias ali. Fiquei mais surpreendido com os inúmeros atalhos úteis que a Volition desenhou pelo meio dos edifícios, do que pela aparência da cidade em si.
Saints Row aposta em várias vertentes que acabam por não ser devidamente exploradas, como por exemplo: os contactos. Estes são ainda menos úteis do que os de Pokémon, pois servem apenas para cumprir desafios para troféus. Não que todas as experiências tenham de ser iguais, mas GTA por exemplo, consegue que o jogador recorra ao telemóvel durante as missões, algo que parecendo que não, acaba por valorizar todas as funcionalidades.
Aplaudo as diversas caracterizações, sejam da personagem, armas ou veículos. Existe um lote quase infinito de roupas e personalizações de itens à nossa disposição, sendo que boa parte destas são alusões a pop culture que encaixam muito bem. Para além disto podemos ainda decorar a nossa base através de objectos que fotografamos pelo mapa, podendo assim dar um toque mais pessoal ao novo império.
Não sou apologista de embarcar nos comboios do ódio como têm surgido contra muitos jogos ultimamente, e atenção que joguei Cyberpunk 2077 no lançamento na Playstation, mas Saints Row saiu num estado lastimável no que toca ao polimento de bugs. Não sei quem é que se encarregou de assegurar a qualidade do jogo, mas claramente que não foi isso que fez.
Coisas básicas como comprar uma t-shirt, onde mesmo que não a equipando, o nosso vestuário fica com a cor do que comprámos, problemas de sincronização na cooperação online, missões que estagnam porque os NPCs não cumpriram a função… São inúmeros os erros que vão surgindo que avulso não causam mossa, mas deixam-se engolir pelo efeito de bola de neve e aí o jogo torna-se irritante. Isto chega ao ponto do modo cooperativo online eliminar por completo a hipótese de o jogador visitante conseguir completar desafios, tanto no mundo do anfitrião como no seu.
Aliado a estes tropeções está o desempenho na Playstation 5, o que é irónico porque até é a consola que melhor se aguenta. Experimentei todos os modos e posso assegurar que nenhum está a salvo. Acabei por jogar no 1440p High Framerate pois tem melhores visuais e os soluços existem tanto a 1080p como 1440p. Será outra área que terá de ser devidamente analisada pela equipa, pois ter 5 modos visuais diferentes e nenhum funcionar como devido acaba por estragar o propósito da diversidade.
Embora o desempenho fique aquém, as opções de acessibilidade são bastantes e para todos os gostos. Felizmente incluíram o auto complete QTE, que embora pareça um dado adquirido em 2022, muito recentemente analisei Sword and Fairy e lá estavam eles, sem poder passar nenhum, portanto tudo o que vem à rede é peixe neste momento. Para além disto temos diversos modificadores de dificuldade, incluindo até um que aumenta o tempo das missões cronometradas, evitando assim que falhemos missões por meros milissegundos. Deixa-me apenas perplexo que uma das opções listadas era podermos ter os gatilhos adaptativos e essa opção, ao invés de fazer o que prometia, invertia a câmara. Foi sem dúvida a primeira vez que encontrei uma situação do género.
No departamento audiovisual temos outra conversa bipolar.
No pólo dos visuais, para além dos detalhes que já referi no desempenho, independentemente do modo por que optem, existe bastante ghosting nas personagens, as sombras têm reações completamente aleatórias às animações, sem falar nas animações que decidem sair a meio do jogo, deixando os NPCs em T-pose (bem-vindo de volta Cyberpunk). Isto para não falar de pop-in ou o anti-aliasing que aparece quando lhe dá. Infelizmente, nota-se que debaixo desta camada de erros temos um motor visualmente atraente, tal como uma cidade que embora não seja super apelativa, encaixa bem no tema e oferece alguns (muito vagos) pormenores interessantes.
No outro pólo temos o áudio. E embora este seja maioritariamente positivo, também foi em partes esquecido. As legendas estão dessincronizadas com as falas, permitindo ao jogador estar sempre um passo à frente do que vai acontecer. Fora de brincadeiras, acaba por estragar alguns momentos pois existem surpresas, e estas são estragadas pelas legendas.
Fora isto, temos uma banda sonora incrível, seja em Hip-Hop, Metal ou Clássica. Não faltam boas músicas para todos os gostos, o único problema é que só aparecem no rádio. Com isto quero dizer que em muitas missões jogamos ao som das falas dos jogadores, e nada mais. Uma música bem encaixada melhora sempre qualquer missão, e Saints Row é um produto que beneficiava imenso disto, como poderão reparar nas missões que realmente têm música.
Creio que existiu um julgamento agressivo a este jogo. Não me parece ser merecedor de todas as críticas que recebe, providenciando momentos divertidos, ainda mais se forem partilhados com amigos. A cooperação, embora com alguns erros, funcionou do início ao fim e em todas as atividades portanto é sem dúvida um elemento motivador para quem pensar em comprar este produto.
Não o recomendo ao preço completo. Embora não mereça todas as críticas, muitas são justamente aplicadas e grande parte delas faz parte da vertente técnica. Tem de existir respeito pelo preço que é pedido num jogo, e a Volition (ou quem quer que tenha tomado as decisões), mesmo tendo lançado um produto que entretém, não respeitou o jogador.
Agradecemos à Ecoplay por nos ter cedido uma chave PS5 para análise.