Crescer com Dragon Ball, a mítica obra de Akira Toriyama, fez-me ganhar vida. Aquele frio na barriga antes de adquirir o manga semanal da Planeta Deagostini no quiosque a alguns metros de casa, é inexplicável, e sinto — ainda que de forma já restrita das minhas memórias —, algumas dessas sensações de criança e pré-adolescência só no simples esforço de as recordar.

A influência de Toriyama não se limitou às bandas desenhadas japonesas. O seu contributo na indústria do entretenimento com a visão e criatividade que sempre o caracterizou, ajudou na criação de grandes títulos clássicos como Dragon Quest, Chrono Trigger, entre outros. No texto que se segue, tento de alguma forma transmutar estas ideias e opiniões como o meu agradecimento e homenagem às obras e ao seu legado.

Sand Land é uma série manga do início do novo milénio, criada como uma história curta para que Toriyama se pudesse divertir, como seria habitual de esperar desta capacidade sempre tranquila e relaxada do autor. Apesar de ser uma obra relativamente curta, Sand Land tornou-se popular entre os fãs. Se não leste o manga nem assististe o anime, espero que esta análise te ajude a entender um pouco deste universo com muitas semelhanças tanto a nível visual, como ao humor muito peculiar e a forma de contar uma história do clássico Dragon Ball.

O estúdio Japonês ILCA decidiu adaptar e expandir o universo de Sand Land, tal como fez com One Piece em One Piece Odyssey. A diferença, é que Luffy e companhia dispensam apresentações, já o protagonista Beelzebub de Sand Land, é desconhecido, mas conquista-nos muito rapidamente.

Loucura Pós-Apocalíptica

Bem ao estilo Mad Maxiano, o universo de Sand Land é como o nome indica, uma terra árida e desolada, e a água tornou-se um recurso extremamente escasso e precioso, e o pouco que existe é controlado por um império ganancioso governado por um tirano autoproclamado rei. Neste universo injusto e autoritário de Toriyama, habitam junto dos humanos uma raça muito peculiar de demónios, governados pelo Rei Lúcifer. O nosso protagonista é Beelzebub, o filho do Rei, e, portanto princípe dos demónios, um personagem brincalhão fácil de nos identificarmos. A sua maior paixão é videojogos, e é exactamente por uma consola portátil e uns quantos cartuchos que o faz partir na aventura da sua vida.

Esta aventura começa quando Beelzebub é abordado por um xerife de uma das vilas dos arredores. Rao é uma das personagens principais do jogo, e o braço direito humano do nosso protagonista. Esta primeira tentativa de aproximação aos demónios é feita devido à assolação do seu povo com a falta de recursos de sobrevivência, e o xerife diz ser conhecedor de uma fonte lendária de água que pode ajudar o povo de Sand Land a voltar a prosperar e escapar das tiranias do rei.

A narrativa de Sand Land é carregada de surpresas, e algumas personagens carregam arcos narrativos muito impactantes que lidam com temas como trauma e redenção, e que me surpreenderam bastante. Claro que também há espaço para comédia, e em certa parte, esta é uma narrativa descontraída com personagens cómicos e sem grande camadas intrínsecas.

Variedade de estilos

O enorme mapa de Sand Land pode ser danado para quem procura nos trailers se esta é a experiência certa para si. Afirmo isto porque apesar do visual estonteante e chamativo desta obra, a primeira sensação pela qual passei após a sua revelação é que este seria um jogo extremamente repetitivo; mas enganei-me e muito.

O deserto é tal e qual como o seu termo geográfico indica, uma região árida, capaz de sustentar pouca vida, e é exactamente por isso que a sensação passada é que seria um jogo de uma extensão enorme, mas com pouco para fazer, mas não é bem assim. As pequenas vilas espalhadas pelo vasto deserto são cheias de substância, com bastantes missões secundárias espalhadas pelos mais diversos cantos. Estes pedidos são geralmente básicos e será talvez aqui o maior pecado de Sand Land, mas estas fetch quests repetitivas são compensadas por algumas pequenas histórias, mas muito interessantes, que dão desfechos a personagens não importantes para a narrativa principal; mas que complementam muito bem o enquadramento deste universo.

A jogabilidade é extremamente variada. Beelzebub é um personagem ágil e poderoso, e o combate pode ser refinado com um campo de habilidades que aprimoram as suas movimentações e habilidades. O combate é simples, e confesso que poderia ser mais trabalhado, mas cumpre bem o seu papel, já que o foco de Sand Land encontra-se nos combates de mechas, ou mais especificamente os veículos que construímos ao longo da jornada.

Os veículos são muito detalhados e carregados de personalização. O tanque por exemplo, é a base da construção do sistema de veículos de Sand Land, e é a opção mais fiável para os combates em campo aberto. São 360 graus de poder sério que se controla muito bem com o teu comando. Podes alternar entre a arma principal e secundária, e recarregar uma enquanto estás a utilizar a outra.

Para aceder a certas zonas específicas irás precisar de veículos mais móveis como um Jump Bot para os sítios altos, ou a mota que facilita através da sua velocidade de navegação pela areia movediça, e até uma espécie de hovercraft hibrido que te ajudará a atravessar os rios. Cada veículo tem uma funcionalidade precisa, e todos eles são armazenados numa cápsula, como não poderia deixar de ser.

A personalização dos veículos é muito interessante e cheia de variedade. As armas adicionadas a cada um deles podem ser trocadas, alteradas para diferente tipos, assim como as peças como o motor e a direção. Também é possível alterar as cores e até adicionar stickers de forma a criares o aparelho mais intimidante do teu bairro árido, e mais; podes dar um nome a cada um deles. Já as peças, estas são melhoradas e adquiridas com dinheiro e material farmado pelo vasto mapa de Sand Land, seja através do combate com outras espécies, ou exploração.

Sem querer entrar aqui no campo de spoilers, o jogo estende-se e varia, com missões stealth controladas por um dos companheiros do nosso protagonista, ou segmentos em que o jogo se transforma num platformer 2.5D. Também existem fugas em que controlamos o carro e desviamo-nos das dentadas mortíferas das criaturas que habitam no deserto, caça ao homem bem ao estilo western americano, e até poderás construir a tua própria base com mobiliário adquirido nas lojas da vila, ou ganhando através das missões secundárias.

Uma vertente muito bem conseguida em Sand Land é que se efectivamente fizeres as missões secundárias, existe uma grande chance de ganhares novos habitantes para a vila principal do jogo, e em algumas dessas missões, até irás ser tu a decidir se queres ou não que o NPC habite no local. Uma vez mais, é de uma frescura imensa neste estilo saturado de open world, que nos incentiva de alguma forma a completar muitos destes trabalhos secundários à procura dessa recompensa.

Estilo inconfundível de Akira Toriyama

O estilo de arte de Toriyama-San é inconfundível, daqueles que os nossos olhos destacam em poucos segundos. O seu traço de Mangaká é algo que se manteve ao longo dos anos, e Sand Land não é excepção. A construção das personagens é muito bem-feita, e isto vale para todos os cenários e edifícios, mas o destaque sublime desta obra é o display que uma vez mais destaca a capacidade do mestre, o talento de loucos com as construções das máquinas a motor.

Desde Dr. Slump que somos brindados com brilhantes construções complexas destes aparelhos, muitas vezes semelhantes aos da realidade dos nossos dias, e outros bem ao estilo sci-fi, com combinações de elementos de robótica e até pedaços de história militar nas suas referências. Este estilo distintivo do autor encaixa de forma perfeita com a jogabilidade de Sand Land, e tudo funciona de forma fluida e muito natural.

Este é como já escrevi anteriormente, um mundo aberto com tons castanhos do deserto, mas ainda assim contamos com paisagens variadas, como florestas exuberantes e grutas com um level design básico no que toca à sua exploração, mas elegante. Os personagens são expressivos, e as suas animações bastante fluidas, principalmente se jogado nas consolas de nova geração ou num PC potente. Este título foi jogado na Playstation 5, com resolução 4K e 60fps, o que ainda aprimora mais a experiência.

Uma nota positiva também para a música presente no jogo. As faixas são curtas, e parecem-me complicadas de as descobrir na internet, mas vale sempre ressalvar a calma e paz que me transmitiu durante a jornada de aproximadamente 26 horas a um ritmo equilibrado.

Um agradecimento especial à Bandai por nos ter fornecido um código do jogo para análise.

+ Pontos Positivos

  • Visual sublime de Akira Toriyama
  • Variedade de estilos na jogabilidade
  • Personalização das máquinas de guerra

– Pontos Negativos

  • Combate corpo a corpo básico
  • Algumas missões repetitivas
CONCLUSÃO
Aventura no Deserto
8
Igor Gonçalves
Curioso, explorador, e fã de videojogos desde que me lembro, e em especial pela saga Metal Gear. Não jogo plataformas, jogo jogos.
sand-land-analiseSand Land é um jogo extremamente capaz como um RPG de acção. Com uns visuais charmosos do mestre Toriyama, jogabilidade variada e uma história bem desenvolvida, este jogo conquistou e divertiu-me do início ao fim. Fica em forma de videojogo, a primeira homenagem póstuma ao lendário mangaká, uma memória com a essência de captura do seu estilo inconfundível, de um título que foi uma experiência memorável e nostálgica.