Quando era um Igor com menos de uma dezena de anos de vida, tinha um vício muito peculiar que não agradava quem se responsabilizava em tomar conta de mim; saltitava de sombra em sombra, e deslocava-me assim até certos destinos que me deixassem sem alternativa a não ser voltar a piso à luz do sol. Este comportamento ritualístico dava-se durante as viagens de escola-casa durante dois anos, muitas vezes aborrecendo e questionando a minha tia – que ainda hoje menciona isso em conversas nostálgicas -, se eu seria uma peça avariada. Hoje reconheço que andei ali a roçar um pré transtorno obsessivo-compulsivo, que espero ter ficado como propriedade da infância.
Hoje (2 julho), pensava eu já ter esquecido de tais pensamentos, acabo de finalizar SCHiM, um título com a finalidade par à minha brincadeira–condição. Durante cerca de 6 horas andei ali, a saltitar de sombra em sombra, agora com outra finalidade e significado.
SCHiM é um título muito peculiar a respeito da sua proposta. Trata-se de um jogo desenvolvido pela Extra Nice B.V., um estúdio independente pequeno dos Países Baixos. Resumidamente para entender o conceito, o nosso(a) protagonista é uma pequena silhueta que se assemelha a um girino em sombra, e que precisa de se mesclar nesse meio da escuridão para se locomover.
Mas afinal o que é um schim e qual a sua história? Bem, esta criatura é, de forma redutora, a alma e o espírito de um objecto, coisa ou ser vivo, e a jornada começa quando se dá a separação do nosso schim do seu ser humano, com o objectivo do reencontro de ambos. Quando uso o termo redutor, é de facto para insistir no sentido da palavra. É contraditório pensar que não somos nada sem a nossa alma, no entanto, este nosso humano segue a sua vida como se nada tivesse ocorrido, e o que de início é uma curiosidade, logo passa a aborrecimento e previsibilidade com as constantes vezes que nos escapa ao longo dos 65 níveis presentes no título.
A jogabilidade é simples e relaxante, mas segue o mesmo padrão da proposta da história, isto é; aborrecimento constante. O que se vê no trailer é o que te acompanhará nas 5 a 6 horas de jogo. Trata-se de um jogo de puzzles num mundo abstracto, e com uma pitada de iluminação que faz toda a diferença no visual, com paletes de cores a sobressaírem e destacarem-se dos restantes elementos.

A proposta dos desenvolvedores é exactamente entregar um jogo relaxante, mas considero que para este estilo, o factor desafio por muito que possa ser ínfimo, deverá sempre existir. Infelizmente em SCHiM, não acho que esse desafio esteja presente. Comecei por tentar traçar caminhos para avançar, mas logo comecei a reparar que não era preciso pensar muito, e apenas ir com o fluxo dos npcs, e assim progredir.
O tamanho dos níveis é variado: alguns extremamente rápidos, e outros tantos de tamanho excessivo. O maior problema de SCHiM passa exactamente pela falta de noção de objectivo, uma vez que o jogo define o nosso objectivo em percursos curtos como checkpoints, um de cada vez; quando a meu ver, podia traçar um objectivo final e deixar o jogador explorar a seu bel-prazer. Existe um botão/tecla que te vai indicando esses caminhos, e estar sempre a consultar esse guia perdeu-me na imersão e ritmo da jogabilidade.
Além de saltitar de sombra em sombra, também estão presentes uns minijogos que não vou spoilar, mas adianto que são bastante simples. Também podemos ajudar outros schims a encontrar as suas caras-metades, e existe até um troféu para os encontrar a todos. Comecei a perder a noção de quantos já tinha agarrado, mas conseguirás verificar o progresso na escolha dos níveis, e repetir se assim achares necessário.
Voltando ao grafismo, é realmente espantoso a brincadeira que é feita com as cores, sombras, e construção de cenários. O jogo foi baseado em muitos locais reais, e são sempre representados com cores vibrantes e formas fluidas que são o oposto da jogabilidade, vivos e com uma atmosfera encantadora que nos deixa com vontade de estar lá presente. Existe variedade de cenários, mas é normal nos 65 níveis presentes verificar locais repetidos, o que pode cansar um pouco e estagnar a diversão.

Todos os cenários têm um pouco de vida assim que a nossa pequena “alma” neles está presente. Seja um ser humano, um carro, um banco de jardim, e até um caixote do lixo, tudo tem uma pequena interacção, interessante e que nos deixa aguçados na curiosidade.
As faixas sonoras que acompanham a jornada são muito interessantes, calmas e com aquele estilo lo-fi de estudo. Uma escolha estética muito interessante e que encaixa de forma perfeita no estilo. Os restantes efeitos sonoros complementam bem a vivacidade dos níveis, com sons característicos aos seus visuais. Infelizmente alguns níveis sofrem de distorção repentina do som, que rebenta e deixa aquele ruído grave que nos obriga a tirar os headphones ou baixar o volume das colunas da TV. Mesmo sem conhecimento de técnico de som, penso que seja um detalhe que será facilmente corrigido no lançamento do título.
Um agradecimento à editora por nos ter cedido uma chave para análise na plataforma Playstation 5.